O "Escandaloso" Flaubert
As pessoas iam chegando. Pouco a pouco, o tribunal ia ficando cheio de curiosos. Todos apreensivos, apenas esperando o que aconteceria ao homem que sacudira a sociedade francesa com aquela obra indecente. À frente, na mesa destinada ao juiz que conduziria a solenidade, sentou-se o meritíssimo Pierre D’alemberg. Conservador assumido, D’alemberg não via Gustave Flaubert com bons olhos, assim como a maioria das pessoas que ali estavam, apesar de ter lido Madame Bovary (e ter dito para suas esposa que gostara muito).
Logo, um oficial chamou o réu:
- Senhor Flaubert, entre por favor.
Gustave entrou, e sentou-se em uma cadeira, ao lado do juiz. O julgamento começou com a leitura de um relatório feito pelo Frei Michel Conviè, onde dizia que, além de indecente, o livro de Gustave infringia mortalmente a fé cristã. Logo após, algumas testemunhas foram ouvidas, seguidas pela leitura de um breve trecho do livro (enquanto o texto era lido, podia-se observar na platéia rostos acanhados e vergonhosos). Não tardou, o promotor Marco Livon tomou a palavra:
- Esse livro é uma afronta à moral francesa – dizia Livon, aos berros –Emma Bovary é o exemplo claro de mulher sem escrúpulos. Emma Bovary é o diabo em pessoa. Emma Bovary é tudo...
De repente, Gustave Flaubert levantou-se, interrompendo a fala de Marco Livon, e disse em voz alta:
- Emma Bovary sou eu!
Um tumulto se iniciou. Mulheres desmaiaram, homens ficaram indignados, religiosos oraram. Um tempo depois, o juiz Pierre D’alemberg decidiu por adiar o julgamento, marcando-o para outra data. As pessoas começavam a deixar o tribunal, inclusive Gustave Flaubert. Ao virar uma esquina, indo em direção a sua casa, Gustave escutou um assovio, e olhou para trás. Era o promotor Marco Livon. Ele se aproximou de Gustave e disse baixinho:
- O senhor ainda tem uma cópia do seu livro?
Nascido no ano de 1821, Gustave Flaubert era filho de um médico de província, e começou sua carreira de escritor após ser reprovado na universidade de direito. Sofria de epilepsia, o que obrigou-lhe a se isolar da sociedade. Sua principal obra foi Madame Bovary, que conta a história de uma mulher casada que trai o marido. O livro chocou a França conservadora do século 19, mas é considerada uma obra-prima do realismo. Gustave Flaubert morreu em 1880.