HAIKUS REUNIDOS
1.
Deitado na cama ----
fecha os olhos
E apaga-se a noite
2.
Pela janela dum
trem em movimento ----
Uma casinha na montanha
3.
No varal
as roupas dançam
Ao som do vento
4.
ao mestre Abbas Kiarostami
Vindo de algum lugar
indo pra algum lugar ----
A vida é o caminho
5.
Porta entreaberta ----
o vento entra
Sem pedir licença
6.
Na imensidão azul
algumas nuvens ----
Pinceladas de Deus
7.
Uma gota de
orvalho cai sobre a flor ----
Alguém chora
8.
Dama da noite ----
a flor perfuma a rua
De minha infância
9.
Lá fora venta
aqui dentro invento ----
Ventania de pensamentos
10.
Uma lágrima
escorre dos céus ----
Orvalho da manhã
11.
ao mestre Kobayashi Issa
Sem inspiração ----
espero um corvo
Pousar em minha janela
12.
Na manhã primaveril
ouço do pássaro
O canto do cisne
13.
para minha mãe
Perguntei ao vento
o sentido da vida ----
A resposta veio num sopro
14.
No horizonte ----
mar e céu
Amalgamam-se
15.
O silêncio
da manhã é quebrado ----
Revoar de pássaros
16.
Rússia invade
a Ucrânia ----
Meu gato dorme
17.
Acordo com o
grunhido de dor do porco ----
Fim de ano no sítio
18.
ao mestre Matsuo Basho
Sem inspiração ----
diante da lagoa
Esperando uma rã saltar
19.
O homem caminha
como quem vai ----
Mas está voltando
20.
Tarde de outono ----
as árvores despem-se
Ao sabor do vento
21.
Eu e você
a sós , sob os lençóis
Ao amanhecer
22.
Roupas secando
sobre o varal ----
A camisa do pai morto
23.
Quero que você
me note , por isso brilho ----
Disse-lhe a lua
24.
Abelhas zumbem
enquanto trabalham ----
Do que reclamam ?
25.
Era algo
tão alvo , feito
Algo dão
26.
Manhã ensolarada
passarinho na janela
Um gato à espreita
27.
Em minha janela
um grilo canta ----
Serenata da natureza
28.
ao mestre Basho
Tchibum ! ----
a rã salta do lago
Ante o silêncio da manhã
29.
Sereno contempla
o sereno da manhã ----
Primeiro dia do ano
30.
Não chores peixe ----
sua lágrima é apenas uma gota
Nesse oceano
31.
Nessa tarde de verão
só tenho um alento ----
Esse soprar do vento
32.
Vejo-a tão solitária !
ainda assim , imensa e brilhante ----
Noite de lua cheia
33.
Saindo da crisálida
a mariposa voa ----
Direto pra lâmpada
34.
Perfume perfume
da flor que desabrocha ----
Entre suas pernas
35.
A luz vaga
mente vaga feito
Vaga lume
36.
Na calada da noite
ouço arranhar a porta ----
Meu gato voltou
37.
Os dias vão passando
e aos poucos levando ----
Mais um pouco de mim
38.
O sol através
das frestas da janela ----
Me desperta imensidão
39.
Tarde de verão ----
crianças num campo de futebol
Alegres , tomam banho de chuva
40.
Pensando na chuva ----
olha desolado
Para a paisagem árida
41.
Floresta em chamas ----
no canto da cigarra
A marcha fúnebre
42.
Contemplai
oh montanha ----
A pequenez do ser humano
43.
Desnudas , as árvores
olham com pesar ----
Folhas mortas ao chão
44.
Perfume dos pinheiros
na varanda ----
A chuva cessou
45.
O vento sussurra
algum segredo ----
E as árvores concordam
46.
em homenagem a minha cachorrinha Caramela
Não imaginava
que aquele latir
Fosse um adeus
47.
aos meus irmãos
Perguntei às nuvens
o sentido da vida ----
começou a chover
48.
Cheiro de barro
na estrada de terra ----
Três dias de chuva
49.
Um torrão de açúcar
ao chão ----
Banquete para as formigas
50.
Último encontro
à beira mar ----
Cinzas ao vento
51.
Um homem leva
alguns crisântemos para a esposa ----
Dois de novembro
52.
ao mestre Yosa Buson
Sem inspiração ----
espero a borboleta adormecer
Sobre o gongo
53.
Seus sonhos
foram roubados ----
Enquanto dormia
54.
Quando me faltas
o chão ----
Eu voo
55.
No alto dum arranha-céu ----
um homem
Imita um pássaro
56.
Deixei meu cão
sob a bananeira ----
Depois de anos , nada havia
57.
Entre um
barulho e outro ----
Este silêncio
58.
Ronrona o gato
enquanto dorme ----
O que sonhas ?
59.
Tarde de verão ----
crianças sorridentes
Papagaios no céu
60.
Passando um tempo
numa estação ----
Esperando meu trem chegar
61.
Entre um
silêncio e outro ----
Este barulho
62.
Imagine o universo
em apenas
Três mínimos versos
63.
O gato exige
afeto enquanto leio ----
Isso daria um poema
64.
Desperto dum sonho
em que sonhavas ----
Estar desperto dum sonho
65.
Nuvens me anuviam ----
em céus estrelados
Me azulam
66.
A chuva cai
tão leve , como
Se não caísse
67.
Trânsito às seis
tudo parado , buzinas ----
Os carros gritam
68.
Como aprender com
o silêncio ? ----
Apenas paro e escuto
69.
Através das águas
dum rio ----
Contempla a lua
70.
ao Tigre ( in memorian )
Deitado sob o sol
da manhã , meu gato dorme ----
Eternamente
71.
Fim de tarde ----
diante de meus olhos ,
O rio
72.
No céu ----
o brilho duma estrela
Que não mais existe
73.
Sou um deus vingativo ----
diz a criança
Bagunçando um formigueiro
74.
Ao vento da manhã
o garoto e sua pipa ----
A alma voa
75.
Após tantas primaveras
enfim ----
O inverno chegou pra mim
76.
Em vida ----
dos crisântemos
Ela tinha ojeriza
77.
Diante do mar ----
dos olhos marejados
Um rio vaza
78.
Ouviu o canto
do pássaro ----
Dentro da gaiola vazia
79.
Sempre o mesmo
sonho ---- navios caindo
Do céu
80.
Dia das crianças ----
mais uma bomba explode
No oriente médio
81.
Sonho acordado ----
deitado na cama
Ao seu lado
82.
Sob um céu
lindo de estrelas----
A guerra
83.
Dentro da gaiola
o pássaro dorme ----
Sonhará com o voo ?
84.
Durante o enterro
uma garoa fina que cai ----
Dos olhos que ficam
85.
Fim de inverno ----
reclama do frio
Antes de partir
86.
Na linha do horizonte
o adormecer do sol ----
Deus e seus haikus
87.
Um pombo-correio
cagou em minha cabeça ----
Acho que isso foi um recado
88.
Solitário contemplo
o céu ----
Estrela alguma
89.
ao Hosai Ozaki
Um homem bate
em minha porta ----
Procura pela esposa morta
90.
Diante do abismo
ou duma corda ----
Um passo à frente
91.
Olho para cima
a criação azul de Deus ----
Um avião cruza o céu
92.
ao Hosai Ozaki
Uma mulher bate
em minha janela ----
Procura pelo seu assassino
93.
Em 19 de novembro.
O rio contempla a lua
---- que contempla
O rio e o mar
94.
Em 20 de novembro.
A noite em
seu lamento ---- dorme o menino
Ao relento
95.
Caminha pela areia
o garoto ----
Rastro algum
96.
Zumbido da mosca
na teia de aranha ----
Pede socorro ?
97.
Aranha tece teia
Deus ---- o mundo
O poeta só escreve
98.
Em 25 de novembro.
ao Laranjinha
Em silêncio
o gato dorme ----
Não mais desperta
99.
Fechou o portão
a porta o coração ----
E trancou-se pra sempre
100.
O que está olhando ?
oh lua ----
Nunca viu ninguém triste ?
101.
Em 13 de dezembro.
Depois de anos ,
nada havia ----
O silêncio dizia tudo
102.
A pulga
no pula-pula ----
Pulga pulga
103.
Tão leve ----
feito uma pluma
Tão pesada ----
feito uma pedra
Minha vida caberia
num haicai
104.
Hoje é noite de rua cheia –
pra lua mesmo ,
Ninguém olha
105.
Sobre as efemeridades
da vida ----
Vazio , flutua