Afrânio Peixoto (1876-1947) 145 EM DEZEMBRO DE 2021.
Afrânio Peixoto (1919- 2019), primeiro autor brasileiro de haicai -100 anos da publicação de "Trovas Poepulares brasileiras", em cujo prefácio ele publicou os primeiros haicais.
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Terceiro ocupante da Cadeira 7, eleito em 7 de maio de 1910, na sucessão de Euclides da Cunha e recebido em 14 de agosto de 1911 pelo Acadêmico Araripe Júnior. Recebeu os Acadêmicos Osvaldo Cruz em 26 de junho de 1913,Aloísio de Castro em 15 de abril de 1919 e Alcântara Machado em 4 de outubro de 1933. Foi sucedido por Afonso Pena Júnior.
Afrânio Peixoto (Júlio A. P.), médico legista, político, professor, crítico, ensaísta, romancista, historiador literário, nasceu em Lençóis, nas Lavras Diamantinas, BA, em 17 de dezembro de 1876, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 12 de janeiro de 1947.
Afrânio Peixoto, foi o primeiro autor brasileiro de haicai. Em 1919, através de seu livro Trovas Populares Brasileiras, prefaciou suas impressões a respeito do poema japonês e publicou cinco haicais comparando a trova brasileira com o haicai japonês.
“Os japoneses possuem uma forma elementar de arte, mais simples ainda que a nossa trova popular: é o haikai, palavra que nós ocidentais não sabemos traduzir senão com ênfase, é o epigrama lírico. São tercetos breves, versos de cinco, sete e cinco pés, ao todo dezessete sílabas. Nesses moldes vazam, entretanto, emoções, imagens, comparações, sugestões, suspiros, desejos, sonhos... de encanto intraduzível"
[Peixoto.Afrânio, in Trovas Brasileiras, págs. 13 - 14,
W.M. Jacson, INC. Editores, Rio de Janeiro,
São Paulo, Porto Alegre, 1944]
Naquela época, em que respirava os ares "verde-amarelo"do Movimento Modernista Pei-xoto defendia a naturalização do Hai-Kai. Dizia ele:
"Em francês, inglês, alemão aparecem haikais. Dir-se-á que assim não devera ser, e ao Japão os devíamos deixar. Então o epigrama ficaria heleno, a sátira romana, o romance novo-latino, o soneto italiano, a balada, a canção, o conto... seriam privativos de certos povos e não universais formas de arte... O haikai merece naturalização".
Para incitar os poetas nacionais, tão fáceis de obter maravilhas de adoção, o mais íntimo dos meus amigos lhes oferece esta recolta de haicais brasileiros, como se lhes desse kakis de Barbacena ou de São Paulo, já naturalizados, escreveu no ensaio "O haikai japonês ou epigrama lírico"
[Missangas p. 239]
“Peixoto disse ainda: Bashô, o mestre de todos os grandes líricos japoneses do “haikai”, trinou: “Na composição não se vá compor de mais”. Perder-se-ia o natural. Que vossos pequenos poemas venham do coração”.
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Foi Afrânio Peixoto quem fez a primeira referência textual
do haikai em forma de ensaio,“O HAIKAI JAPONÊS OU EPIGRAMA LÌRICO”
na revista Excelsior, janeiro de 1928, p, 18 - 20. Mais tarde esse artigo
foi utilizado no seu livro “Missangas”– Poesia e Folklore, publicado em 1931,
pela Companhia Editora Nacional, Rua dos Gusmões,26-28
São Paulo – Brasil, 1931.
do haikai em forma de ensaio,“O HAIKAI JAPONÊS OU EPIGRAMA LÌRICO”
na revista Excelsior, janeiro de 1928, p, 18 - 20. Mais tarde esse artigo
foi utilizado no seu livro “Missangas”– Poesia e Folklore, publicado em 1931,
pela Companhia Editora Nacional, Rua dos Gusmões,26-28
São Paulo – Brasil, 1931.
O “HAIKÁI” JAPONÊS OU EPIGRAMA LIRICO
ENSAIO DE NATURALIZAÇÃO
(texto original, mantida a ortografia da época)
(1) A primeira versão deste ensaio saiu publicada na revista Exselsior, Jan. 1928, p. 18-20.
O elogio da brevidade é de todas as artes poeticas, bem que a humana contrariedade, por excepção, tenha tentado e, às vezes, conseguido, longas obras interessantes. Trazem, estas, porém, a propria e inevitável condenação. Continuará a ler-se, da “Divina Comedia, o “Inferno”; a reler-se, do “Inferno” o Canto V; deste, se treslerá, com emoção sempre nova, o episodio de Francesa da Rimini... O mais serão citações. Dos “Lusiadas”, que são um breviário nacional de arte e historia, lingua e emoção, raros letrados os terão lido seguidamente, da primeira à ultima estancia; rarissimos os terão relido...Considero, e o proclamo, como feito honroso para mim: assim como Taine lia, uma vez por ano, a “Chartreuse de Parme’, de Stendhal, faço o mesmo, e há muitos
anos, ao poema de Camões... Contudo, convenho que a voga do lirico dos “Sonetos” é maior, no nosso tempo, pelo limite breve dessas poemas de quatorze versos... Já odissera o clássico:
Um sonnet sans defaut vaut seul um long poême. E evitam-se os longos poemas. Já se evitam os sonetos... Duas das glorias do nosso tempo condensam, em versos exiguos, poesias que, de tão concentradas, adquirem caracter hermetico, exigindo interpretação; Mallarmé ou Valéry são parcos
e sibilinos: charadas em versos ou enigmas poeticos.
Estes modernos estão, aliás, na lei classica: “Esto brevis”, disse Horacio. “les ouvrages les plus courts sont toujours meilleurs”, repetiu la Fontaine. A voga da trova popular, hoje em dia, corresponde à dos pequenos poemas da “Antologia”, numa unanimidade, erudita e demotica, antiga e recente.
Pois bem; há quem exceda, em brevidade, a essa trova popular, de quatro versos, ou vinte e oito pés metricos. É o “haikái” japonês, pequeno poema de tres versos, de cinco, sete e cinco pés metricos, respectivamente, que resumem uma impressão, um conceito, um drama, um poema, às vezes deliciosamente, não raro profundamente. Lembram os epigramas gregos e foi como, em linguagem ocidental, B. A.
Chamberlain traduziu o japonês “haikái”; epigrama lirico. (Dispenso-me da reflexão sobre o sentido esta palavra “epigramma”; Ronaldo de Carvalho já explicou, ao indigena, que não era orçosamente uma expressão satirica, mas apenas breve poema, ironico ou sentimental, como os seus epigramas).
Toda a gente os faz no Japão, não só o vulgo, os “haijins”, ou troveiros populares, senão tambem grandes poetas, Sôkan, Montakê, Shikô, Iorikito, Buçon... E não é facil, porque poucos sabem limitar-se, e menos conseguem omittir. Gostava Mario de Alencar de repetir o conceito de Stevenson – “quem tiver arte de suprimir, fará, de um numero do “Times”, uma “Iliada”. Porque a perfeição, na exiguidade, demanda tempo. Pascal excusava-se de uma das mais longas Provinciaes” – “não tivera tempo de faze-la mais curta”... Não é só. Bashô, o mestre de todos os grandes liricos japonesês do “haikái’, doutrinou: “Na composição não se vá compôr de mais. Perder-se-ia o natural. Quevossos pequenos poemas venham do coração”. À doutrina juntemos exemplos:
Na alcova desfeita,
Onde não há mais ninguém,
Uma flor cahida...
(BASHÔ)
Não é um quadro e um poema?
Se na lua cheia
Imaginarmos um cabo...
Uma ventarola!
(SOKAN)
É uma jocosa imagem...
Pétala caída
Que torna de novo ao ramo:
Uma borboleta!
(MORITAKÊ)
Ha impressão mais deliciosa?
Lirio teimoso,
Porquê, continuamente,
Tu me dás as costas?
(SHIKÔ)
É flor ou mulher?
Na festa das flores
Acompanhado pela mãi
Um pobre ceguinho
(KIKAKU)
Não é doloroso este contraste?
Pensei que nevava
Lirios... Minha branca amada
Vinha apparecendo...
(IORIKITO)
Que lindo alvorecer!
Árvore despojada
Soffre o supplicio
Mas dá a essencia.
(BUÇON)
Não é só o arbusto da laca que ao nosso pensamento nos acode. Finalmente, se o haikái deve vir do coração, não os deve produzir o mau coração... Todos os criticos citam aquele poema de Kikaku:
Libélula rubra
Se as asas te arrancam...
Ah, uma pimenta!
Seu mestre, Bashô, condenando a crueldade, de pensamento, feita à inocente criatura, emendou:
Pimenta madura,
Se te ajuntam umas asas...
Ah! Rubra libélula!
E não só para as sortes diversas do lirismo, se não para a satira, a poesia social,
se presta o haikái. Shoká, poeta do seculo XVI, resumiu em tres poemas minusculos
a politica de tres estadistas que, do Japão federal, fizeram um imperio centralizado; o
terrivel Nabunoga, o habil Hideoyshi e o paciente Iedaçu:
Se elle não canta,
Duma vez, matemos
O formoso cuco!
Se elle não canta,
Façamos cantar
O formoso cuco!
Se elle não canta,
É esperar que cante
O formoso cuco!
Tinha no Brasil Dom João VI como ministros, tres condes, comparados por
Hipolito da Costa a tres relogios:
O Linhares era
Como um relogio andando
Sempre adiantado.
O Aguiar, porém,
Cada vez ia ficando
Mais atrasado.
Pobre do Anadia...
Irremediavelmente,
Estava parado!
Não diz tudo, mais que artigos e livros? Toda a Europa e toda a America, se têm interessado por esta poesia em gotas de essencia, que se póde diluir, comentar, em longos discursos, de apologia ou exegese critica. A bibliographia do haikái no Occidente já é consideravel. Os livros aparecem.
Como no Japão os de Kikaku, por exemplo, tiveram comentador em Meisetsu, em França Kuni Matsu e Steinbilder Oberlin acabam de os traduzir e comentar... Em francês, inglês, allemão aparecerem “haikáis”. Dir-se-há que assim não devera ser, e ao Japão os deviamos deixar. Então o pigrama ficaria heleno, a satira romana, o romance novo-latino, o soneto italiano, a balada, a canção, o conto... seriam privativos de certos povos e não universaes fórmas de arte... O haikái merece naturalização. Para incitar os poetas nacionaes, tão faceis em obter maravilhas de adopção e de adaptação, o mais intimo dos meus amigos lhes oferece esta recolta de haikáis brasileiros, como se lhes désse kakis de Barbacena ou de São Paulo, já naturalizados:
SYMBOLO NACIONAL
Num trapo de pano
Terra, luz, céu... Não é tudo?
Pendão auri-verde.
HISTORIA DO BRASIL
Os dias inteiros
Destruimos o Brasil:
Deus à noite o refaz.
DEUS É BRASILEIRO
Tudo o que fazemos
De mau, não dá resultado...
Deus é brasileiro.
SOCIOLOGIA NACIONAL
Em dez brasileiros
Um sómente é que trabalha.
O resto... o atrapalha...
POLITICA
P’ra que “realizar”?
Bastam nomeações, conchavos,
Um bello programa.
TRATADO DE ESTHETICA
Olha, sente, sofre,
E depois... despersonaliza:
Arte poetica.
INSPIRAÇÃO BREVE, ARTE LONGA
Ao mundo em seis dias
Fez Deus. E p’ra corrigi-lo?
A eternidade.
NO BANHO DE COPACABANA
Tão bela, no mar.
Que lhe compús um romance:
Fórma fórma idéa.
MALLARMÉ OU VALÉRY
Fiz uma charada:
Não sabia que isto é hoje
A poesia pura.
SEJA OSCURO
Núa, os sentidos
Apenas gozam... vestida,
A imaginação.
GENEROS LITERARIOS
A orquestra dos grilos...
Os faroes dos vaga-lumes:
Cartas de amor.
CRITICA
Como ao céu, luz, flores
Para louvar aos poetas
Não precisa ser poeta.
A BELEZA ETERNA
O sabiá canta
Sempre uma mesma canção:
O belo não cança.
DEPOIMENTO
Cego de nascença
Cobra a vista... – Impressão?
- De monotonia...
MEU AMIGO
Estou triste e só...
Procuro uma companhia
Ponho-me a cantar.
SIC VOS NON VOBIS
Vivo, negam tudo...
Morto, a gloria começa...
E sempre roubado!
A GLORIA
Imortalidade:
Outros gozam o renome
Que lhe foi negado...
A SORTE
Fumo que se espalha
Ou fumo que sobe alto:
Combatido ou não
ELOQUENCIA
Não tem, ou não sabe
O que dizer, e, por isso,
É que fala muito.
SABIO NACIONAL
Só ele não pode,
Como os outros, aprender:
Disse que sabia...
“ANCH’IO”...
Na poça de lama
Como no divino céu,
Tambem passa a lua.
COISAS QUE FOGEM
O rio correndo
Meus olhos o acompanham
E eu lhes vou atrás...
PERFUME SILVESTRE
As coisas humildes
Têm seu encanto discreto:
O capim melado...
JOALHERIA ORIENTAL
Na grama o sereno:
Ó que lindos diamantes
Fez o sol nascente!
OPINIÃO SOBRE MODAS
Observei um lirio:
De facto, nem Salomão
É tão bem vestido...
CONSELHO OU CONSOLO?
Alecrim pisado
Não é o que mais rescente?
Seja pois assim...
FUJÃO
Quanto parti hontem
Procurei meu coração.
Havia ficado...
PRESENTIMENTO
Estou em contente;
Não sei porquê, mas estou:
A minha amada!
DISPARIDADE
Derrete-se o gelo.
Porém se resfria a agua:
Ela fria, eu ardo...
TIMIDEZ
Decidi commigo
Tudo, hoje, lhe dizer...
Nem pude falar...
SÓ OS OUSADOS SÃO FELIZES
Sem pedir, o vento
Derruba as flores no chão...
Eu nunca ousei.
PORQUÊ?
Ao passar do túnel
Se descoraram teus lábios
Coraram-se os meus
TRINDADE UNA
Antes, minha mãe.
Durante, não, meu amor!
Depois, minha irmã...
RESUMO
Filho... nosso filho!
Nosso coração fundido
Noutra criatura...
SEU COLAR DE PÉROLAS
No céu so seu cólo
As estrellas fazem ronda,
Adorando o rosto...
“MOT D’ORDRE”
Já desabrocharam,
Como a ordem recebida,
Todos os lírios.
“COMPLOT”
Pela minha rua
Rescendem todas as dracênas:
Há combinação.
EMULAÇÃO
Quando um galo canta
Os outros todos respondem:
Nenhum quer faltar.
CONFIDENCIAS
Está a solteirona
Dialogando consigo
Falando ao gatinho.
COMPARAÇÃO
Um aeroplano
Em busca de combustivel...
Oh! é um mosquito
CONTRASTE
Asilo de expostos...
Flamboyants floridos...
É compensação?
IMPRESSÃO
Meu jasmineiro:
Estrelas que demaiaram
Sobre folhas verdes...
PSYCHOLOGIA MILITAR
Chora o soldadinho,
Porem marche, lute, vença...
Venceu... o batalhão.
HERANÇA
Ele pó, modesto
Ela neve, pura: deram
Um pouco de lama.
CAUSA E EFEITO
Bêbê, quando cáe.
Bate raivoso no chão:
A causalidade.
DESCRENÇA
Sujo, rasgadinho,
Com fome, trêmulo de frio,
E Deus não é pae?
MENINOS DA FAVELLA
Chove... os sapatos
Nas mãos, chegam à escola,
P’ra os não molhar...
POBRE ENVERGONHADO
Merendam os outros,
Só, a latinha vazia,
Finge ele comer...
COMO OS CÃES DA RUA
Na lata de lixo,
Coitadinho, procurava
Um naco de pão...
ASSOCIAÇÃO DE IDÉAS
Novembro. Florescem
Flamboyants... Os exames!
É assim a vida.
ARTE DE RESUMIR
O ipê florido,
Perdendo todas as folhas,
Fez-se uma flor só.
CRITICA À CREAÇÃO
O boi come a grama
E nós o boi. Deus não teve
Imaginação.
Sem comentários: é a minha critica, ao meu amigo. Não sei se os seus haikais se poderão comparar aos kakis de Barbacena ou São Paulo. Ele terá os seus Meisetsu comentadores que, ao contrario do outro, lhe arrancarão as asas.
O elogio da brevidade é de todas as artes poeticas, bem que a humana contrariedade, por excepção, tenha tentado e, às vezes, conseguido, longas obras interessantes. Trazem, estas, porém, a propria e inevitável condenação. Continuará a ler-se, da “Divina Comedia, o “Inferno”; a reler-se, do “Inferno” o Canto V; deste, se treslerá, com emoção sempre nova, o episodio de Francesa da Rimini... O mais serão citações. Dos “Lusiadas”, que são um breviário nacional de arte e historia, lingua e emoção, raros letrados os terão lido seguidamente, da primeira à ultima estancia; rarissimos os terão relido...Considero, e o proclamo, como feito honroso para mim: assim como Taine lia, uma vez por ano, a “Chartreuse de Parme’, de Stendhal, faço o mesmo, e há muitos
anos, ao poema de Camões... Contudo, convenho que a voga do lirico dos “Sonetos” é maior, no nosso tempo, pelo limite breve dessas poemas de quatorze versos... Já odissera o clássico:
Um sonnet sans defaut vaut seul um long poême. E evitam-se os longos poemas. Já se evitam os sonetos... Duas das glorias do nosso tempo condensam, em versos exiguos, poesias que, de tão concentradas, adquirem caracter hermetico, exigindo interpretação; Mallarmé ou Valéry são parcos
e sibilinos: charadas em versos ou enigmas poeticos.
Estes modernos estão, aliás, na lei classica: “Esto brevis”, disse Horacio. “les ouvrages les plus courts sont toujours meilleurs”, repetiu la Fontaine. A voga da trova popular, hoje em dia, corresponde à dos pequenos poemas da “Antologia”, numa unanimidade, erudita e demotica, antiga e recente.
Pois bem; há quem exceda, em brevidade, a essa trova popular, de quatro versos, ou vinte e oito pés metricos. É o “haikái” japonês, pequeno poema de tres versos, de cinco, sete e cinco pés metricos, respectivamente, que resumem uma impressão, um conceito, um drama, um poema, às vezes deliciosamente, não raro profundamente. Lembram os epigramas gregos e foi como, em linguagem ocidental, B. A.
Chamberlain traduziu o japonês “haikái”; epigrama lirico. (Dispenso-me da reflexão sobre o sentido esta palavra “epigramma”; Ronaldo de Carvalho já explicou, ao indigena, que não era orçosamente uma expressão satirica, mas apenas breve poema, ironico ou sentimental, como os seus epigramas).
Toda a gente os faz no Japão, não só o vulgo, os “haijins”, ou troveiros populares, senão tambem grandes poetas, Sôkan, Montakê, Shikô, Iorikito, Buçon... E não é facil, porque poucos sabem limitar-se, e menos conseguem omittir. Gostava Mario de Alencar de repetir o conceito de Stevenson – “quem tiver arte de suprimir, fará, de um numero do “Times”, uma “Iliada”. Porque a perfeição, na exiguidade, demanda tempo. Pascal excusava-se de uma das mais longas Provinciaes” – “não tivera tempo de faze-la mais curta”... Não é só. Bashô, o mestre de todos os grandes liricos japonesês do “haikái’, doutrinou: “Na composição não se vá compôr de mais. Perder-se-ia o natural. Quevossos pequenos poemas venham do coração”. À doutrina juntemos exemplos:
Na alcova desfeita,
Onde não há mais ninguém,
Uma flor cahida...
(BASHÔ)
Não é um quadro e um poema?
Se na lua cheia
Imaginarmos um cabo...
Uma ventarola!
(SOKAN)
É uma jocosa imagem...
Pétala caída
Que torna de novo ao ramo:
Uma borboleta!
(MORITAKÊ)
Ha impressão mais deliciosa?
Lirio teimoso,
Porquê, continuamente,
Tu me dás as costas?
(SHIKÔ)
É flor ou mulher?
Na festa das flores
Acompanhado pela mãi
Um pobre ceguinho
(KIKAKU)
Não é doloroso este contraste?
Pensei que nevava
Lirios... Minha branca amada
Vinha apparecendo...
(IORIKITO)
Que lindo alvorecer!
Árvore despojada
Soffre o supplicio
Mas dá a essencia.
(BUÇON)
Não é só o arbusto da laca que ao nosso pensamento nos acode. Finalmente, se o haikái deve vir do coração, não os deve produzir o mau coração... Todos os criticos citam aquele poema de Kikaku:
Libélula rubra
Se as asas te arrancam...
Ah, uma pimenta!
Seu mestre, Bashô, condenando a crueldade, de pensamento, feita à inocente criatura, emendou:
Pimenta madura,
Se te ajuntam umas asas...
Ah! Rubra libélula!
E não só para as sortes diversas do lirismo, se não para a satira, a poesia social,
se presta o haikái. Shoká, poeta do seculo XVI, resumiu em tres poemas minusculos
a politica de tres estadistas que, do Japão federal, fizeram um imperio centralizado; o
terrivel Nabunoga, o habil Hideoyshi e o paciente Iedaçu:
Se elle não canta,
Duma vez, matemos
O formoso cuco!
Se elle não canta,
Façamos cantar
O formoso cuco!
Se elle não canta,
É esperar que cante
O formoso cuco!
Tinha no Brasil Dom João VI como ministros, tres condes, comparados por
Hipolito da Costa a tres relogios:
O Linhares era
Como um relogio andando
Sempre adiantado.
O Aguiar, porém,
Cada vez ia ficando
Mais atrasado.
Pobre do Anadia...
Irremediavelmente,
Estava parado!
Não diz tudo, mais que artigos e livros? Toda a Europa e toda a America, se têm interessado por esta poesia em gotas de essencia, que se póde diluir, comentar, em longos discursos, de apologia ou exegese critica. A bibliographia do haikái no Occidente já é consideravel. Os livros aparecem.
Como no Japão os de Kikaku, por exemplo, tiveram comentador em Meisetsu, em França Kuni Matsu e Steinbilder Oberlin acabam de os traduzir e comentar... Em francês, inglês, allemão aparecerem “haikáis”. Dir-se-há que assim não devera ser, e ao Japão os deviamos deixar. Então o pigrama ficaria heleno, a satira romana, o romance novo-latino, o soneto italiano, a balada, a canção, o conto... seriam privativos de certos povos e não universaes fórmas de arte... O haikái merece naturalização. Para incitar os poetas nacionaes, tão faceis em obter maravilhas de adopção e de adaptação, o mais intimo dos meus amigos lhes oferece esta recolta de haikáis brasileiros, como se lhes désse kakis de Barbacena ou de São Paulo, já naturalizados:
SYMBOLO NACIONAL
Num trapo de pano
Terra, luz, céu... Não é tudo?
Pendão auri-verde.
HISTORIA DO BRASIL
Os dias inteiros
Destruimos o Brasil:
Deus à noite o refaz.
DEUS É BRASILEIRO
Tudo o que fazemos
De mau, não dá resultado...
Deus é brasileiro.
SOCIOLOGIA NACIONAL
Em dez brasileiros
Um sómente é que trabalha.
O resto... o atrapalha...
POLITICA
P’ra que “realizar”?
Bastam nomeações, conchavos,
Um bello programa.
TRATADO DE ESTHETICA
Olha, sente, sofre,
E depois... despersonaliza:
Arte poetica.
INSPIRAÇÃO BREVE, ARTE LONGA
Ao mundo em seis dias
Fez Deus. E p’ra corrigi-lo?
A eternidade.
NO BANHO DE COPACABANA
Tão bela, no mar.
Que lhe compús um romance:
Fórma fórma idéa.
MALLARMÉ OU VALÉRY
Fiz uma charada:
Não sabia que isto é hoje
A poesia pura.
SEJA OSCURO
Núa, os sentidos
Apenas gozam... vestida,
A imaginação.
GENEROS LITERARIOS
A orquestra dos grilos...
Os faroes dos vaga-lumes:
Cartas de amor.
CRITICA
Como ao céu, luz, flores
Para louvar aos poetas
Não precisa ser poeta.
A BELEZA ETERNA
O sabiá canta
Sempre uma mesma canção:
O belo não cança.
DEPOIMENTO
Cego de nascença
Cobra a vista... – Impressão?
- De monotonia...
MEU AMIGO
Estou triste e só...
Procuro uma companhia
Ponho-me a cantar.
SIC VOS NON VOBIS
Vivo, negam tudo...
Morto, a gloria começa...
E sempre roubado!
A GLORIA
Imortalidade:
Outros gozam o renome
Que lhe foi negado...
A SORTE
Fumo que se espalha
Ou fumo que sobe alto:
Combatido ou não
ELOQUENCIA
Não tem, ou não sabe
O que dizer, e, por isso,
É que fala muito.
SABIO NACIONAL
Só ele não pode,
Como os outros, aprender:
Disse que sabia...
“ANCH’IO”...
Na poça de lama
Como no divino céu,
Tambem passa a lua.
COISAS QUE FOGEM
O rio correndo
Meus olhos o acompanham
E eu lhes vou atrás...
PERFUME SILVESTRE
As coisas humildes
Têm seu encanto discreto:
O capim melado...
JOALHERIA ORIENTAL
Na grama o sereno:
Ó que lindos diamantes
Fez o sol nascente!
OPINIÃO SOBRE MODAS
Observei um lirio:
De facto, nem Salomão
É tão bem vestido...
CONSELHO OU CONSOLO?
Alecrim pisado
Não é o que mais rescente?
Seja pois assim...
FUJÃO
Quanto parti hontem
Procurei meu coração.
Havia ficado...
PRESENTIMENTO
Estou em contente;
Não sei porquê, mas estou:
A minha amada!
DISPARIDADE
Derrete-se o gelo.
Porém se resfria a agua:
Ela fria, eu ardo...
TIMIDEZ
Decidi commigo
Tudo, hoje, lhe dizer...
Nem pude falar...
SÓ OS OUSADOS SÃO FELIZES
Sem pedir, o vento
Derruba as flores no chão...
Eu nunca ousei.
PORQUÊ?
Ao passar do túnel
Se descoraram teus lábios
Coraram-se os meus
TRINDADE UNA
Antes, minha mãe.
Durante, não, meu amor!
Depois, minha irmã...
RESUMO
Filho... nosso filho!
Nosso coração fundido
Noutra criatura...
SEU COLAR DE PÉROLAS
No céu so seu cólo
As estrellas fazem ronda,
Adorando o rosto...
“MOT D’ORDRE”
Já desabrocharam,
Como a ordem recebida,
Todos os lírios.
“COMPLOT”
Pela minha rua
Rescendem todas as dracênas:
Há combinação.
EMULAÇÃO
Quando um galo canta
Os outros todos respondem:
Nenhum quer faltar.
CONFIDENCIAS
Está a solteirona
Dialogando consigo
Falando ao gatinho.
COMPARAÇÃO
Um aeroplano
Em busca de combustivel...
Oh! é um mosquito
CONTRASTE
Asilo de expostos...
Flamboyants floridos...
É compensação?
IMPRESSÃO
Meu jasmineiro:
Estrelas que demaiaram
Sobre folhas verdes...
PSYCHOLOGIA MILITAR
Chora o soldadinho,
Porem marche, lute, vença...
Venceu... o batalhão.
HERANÇA
Ele pó, modesto
Ela neve, pura: deram
Um pouco de lama.
CAUSA E EFEITO
Bêbê, quando cáe.
Bate raivoso no chão:
A causalidade.
DESCRENÇA
Sujo, rasgadinho,
Com fome, trêmulo de frio,
E Deus não é pae?
MENINOS DA FAVELLA
Chove... os sapatos
Nas mãos, chegam à escola,
P’ra os não molhar...
POBRE ENVERGONHADO
Merendam os outros,
Só, a latinha vazia,
Finge ele comer...
COMO OS CÃES DA RUA
Na lata de lixo,
Coitadinho, procurava
Um naco de pão...
ASSOCIAÇÃO DE IDÉAS
Novembro. Florescem
Flamboyants... Os exames!
É assim a vida.
ARTE DE RESUMIR
O ipê florido,
Perdendo todas as folhas,
Fez-se uma flor só.
CRITICA À CREAÇÃO
O boi come a grama
E nós o boi. Deus não teve
Imaginação.
Sem comentários: é a minha critica, ao meu amigo. Não sei se os seus haikais se poderão comparar aos kakis de Barbacena ou São Paulo. Ele terá os seus Meisetsu comentadores que, ao contrario do outro, lhe arrancarão as asas.
Afrânio Peixoto
Obs.: Tenho os dois livros de Afrânio Peixono, originais: "Trovas populares brasileiras" e "Missagas e Folklore"
Praia do Anil Magé-RJ
Benedita Azevedo.