COLETÂNEA DE HAICAIS - Talvez nem todos os sejam...
                          Republicação


                                           Ofereço a Jorge, caríssimo



DE VERÃO:


Um verão sem férias.
Não sei o nome do pássaro
que alegra a manhã.

Enchente nas ruas.
De fora, os tetos dos carros
cabeças em pânico.

As cores do arco-íris.
A olharem para o chão
todos os passantes.

Borboleta errante
sobre a lombada de um livro.
Voa, pensamento!



DE OUTONO:

As gotas de orvalho
molhando a flor e a avezinha.
Fresca madrugada.


Boca cheia d’água:
A trouxinha de pamonha
sendo desatada.

Horto florestal.
Ante os soberbos crisântemos
meu olhar antigo.

À beira do lago.
Só o voo das libélulas
movimenta a tarde.


Relâmpago azul
Crescem os olhos da criança
no colo da mãe.



DE INVERNO:

É noite de inverno.
O mendigo na calçada
sonha colorido?

A névoa de inverno.
O mendigo na calçada
aquecendo o cão.

A saudade é roxa.

Lembranças de minha avó
nas flores do Ipê.


( Este haicai foi escrito em homenagem ao nosso mestre, saudoso professor Goga e a um seu haicai de mesmo tema (kigo). Ave, professor Goga! Ave!)

O gramado seco.
Repousos no ar parado
nenhum no pensamento.


O vento de inverno
pelas frestas da janela.
Ah, almas penadas!



DE PRIMAVERA:

Margaridas brancas.
No jardim do meu vizinho
a primavera.


A névoa vernal.
De manhãzinha o perfume
da flor invisível.


As rãzinhas verdes.
Brinquedo de esconde-esconde
entre as folhas tenras.


Da minha janela
sigo a lua enevoada.
Insônia bravia.


Mar de primavera.
Sob as águas os peixinhos
Apostam corrida.



 
Nota. Na verdade, hoje em dia nem ouso mais chamar estes tercetos de haicais, no sentido clássico do termo, pela subjetividade que aparece em vários desses meus escritos. Prefiro chamá-los simplesmente de tercetos.


 
                      Boa tarde, amigos.