HAIKAIS IMPERFEITOS (175): Língua incessante...

Lucibei enviou ao “Recanto das Letras” em 24/04/2012 o poema intitulado “Língua” (Código do texto: T3631073) que me convidou a refletir sobre “outra” língua e sobre as suas peregrinagens na própria Terra.

Eis o poema lucibeiano:

 

Sou a língua arado

Que percorre incessantemente…

                                 as dobras do teu corpo

Em gestos repetidos e cadenciados.

 

Sou a língua semeadora

De emoções desmedidas

Em gestos húmidos, libidinosos…

                          sedosa, quente, gulosa.

 

Eis, agora, o meu haikai múltiplo:

Língua proletária (*):

Povo galego submerso:

Língua trabalhada...

Língua semeada:

Mundo em culturas diverso:

Língua necessária...

Leio gestos, aro:

Emoções libidinosas:

Emoções sedosas...

Falo e corpo amaro

Segrega cada palavra:

É a língua quem lavra...

Língua portuguesa:

Fecunda, abastada, nobre,

Na Galiza, pobre.

Gulosa certeza::

Húmido e quente destino:

Longo porvir dino...

(*) Este verso ecoa o primeiro do poema intitulado “Deitado fronte ao mar”, do poeta galego Celso Emilio Ferreiro Míguez (Cela Nova, Ourense, 1912- Vigo, 1979). Estamos portanto no centenário do nascimento.

Eis o poema:

Língua proletária do meu povo

eu falo-a porque sí, porque gosto dela,

porque me peta e quero e dá-me a ganha

porque me sai de dentro, ali do fundo

de uma tristura azeda que me abrange

ao ver tantos patufos desleigados,

pequenos mequetrefes sem raízes

que ao pôrem a gravata já não sabem

afirmar-se no amor dos devanceiros,

falar a fala mãe,

a fala dos avós que temos morto,

e ser, com o rosto erguido,

marinheiros, labregos da linguagem

remo e arado, proa e relha sempre.

Eu falo-a porque sí, porque gosto dela

e quero estar com os meus, com a gente minha,

perto dos homens bons que sofrem longo

uma história contada noutra língua.

Não falo pra os soberbos,

não falo pra os ruins e poderosos

não falo pra os finchados,

não falo pra os estúpidos,

não falo pra os baleiros,

que falo pra os que aguentam rijamente

mentiras e injustiças de cotio;

pra os que suam e choram

um pranto quotidiano de borboletas,

de lume e vento sobre os olhos nus.

Eu não posso arredar as minhas palavras

de todos os que sofrem neste mundo.

E tu vives no mundo, Terra minha,

berço da minha estirpe,

Galiza, doce mágoa das Hespanhas,

deitada rente ao mar, esse caminho...

(Do poemário 'Longa noite de pedra', 1962)