HAIKAIS IMPERFEITOS (55): Quem és, minha Amada?
Começo mais uma série de HAIKAIS que dirijo à Amada, à minha, real e tangível, mas irreal e angélica.
No cap. II da Segunda entrega (1615) do Quixote, Cervantes põe em boca deste as seguinte estranhas asseverações sobre Angélica:
«— Essa Angélica [...] foi uma donzela distraída, vagabunda, e um tanto caprichosa, que deixou o mundo tão cheio das suas leviandades como da sua formosura. Desprezou mil senhores, mil valentes e mil discretos, e contentou-se com um pajenzito louro, sem mais fazenda e nome do que os que lhe pôde granjear a amizade que teve a um agradecido amigo. O grande cantor da formosura de Angélica, o famoso Ariosto, por não se atrever ou não querer contar o que a esta dama sucedeu depois de se ter entregado a tão ruim senhor, que não deviam de ser coisas demasiadamente honestas, largou-a dizendo:
»Como empunhou do grão Cataí o cetro,
»outro virá cantar com melhor plectro.
»E foi isto, sem dúvida, profecia, que os poetas também se chamam vates, o que quer dizer adivinhos. Vê-se esta verdade claramente, porque depois um famoso poeta andaluz pranteou e cantou as suas lágrimas, e outro famoso e único poeta castelhano cantou a sua formosura.»
Seja como for, minha Amada é angélica e carnal, é ideal e humana: simplesmente é, mas, como tudo no mundo das aparências em que habitamos, é talvez o que pareça ou parece talvez o que seja. Nestes HAIKAIS justamente vou procurar fazer com que o ser se identifique com o parecer e vice-versa, de modo que minha Amada seja o que é inteira e lírica.
Quem és, minha Amada?
Céu de cristal impoluto
Ou Carne divina?