Alguns haicais do meu livro "OLHO ZEN"

"OLHO ZEN" | Haicais | ®

Tchello d'Barros

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Cap. I

AURORA

“até mesmo os cavalos

nós contemplamos

nesta manhã de neve”

Matsuo Bashô

(1.644 - Iga, Japão)

estrelas, estrelas

caíram todas aqui?

ah, os pirilampos!

mais de vinte garças

nas ramagens sobre o rio

brancas azaleias

o rio leva o galho

passeando de carona

vai um passarinho

corujinha branca

solitária companheira

na ponte de ferro

sabiá na janela

legenda desse gorjeio:

- bom dia, desenhista!

os ventos da tarde

levam as folhas e flores

fica o bicho-pau

brilha o sol no orvalho

por que chorou essa bromélia?

lágrimas do céu

flor alaranjada

chegou cedo a primavera?

cogumelo à vista

meia-noite em ponto

o chão se move no escuro

trilha de formigas

ouro na Prainha

pingos de sol no gramado

Ipê amarelo

luz do sol na teia

pequenina tecelã

tece fios de ouro

silêncio no bosque

com o quê estão a sonhar

os gatos da Edith?

depois do poente

manto azul em Blumenau

tecido da noite

O que tanto querem?

em coro cantam os pássaros:

- quero, quero, quero!

um camaleãozinho

longe do mato que ainda

mora em sua pele

noite de lua cheia

só o murmúrio da praia

e estes escritos

na beira da noite

capivaras pela margem

desenham o rio

debaixo da ponte

mergulha uma capivara

acorda o mendigo

plena luz do dia

namoram as capivaras

na cervejaria

tic-tac dos teares

atrapalha o sono justo

dessas capivaras

perto da Macuca

vinte e uma capivaras

será assembleia?

ao sol do meio-dia

as capivaras sonham

o rio que transborda

cio das capivaras

uma lua de prata espia

esse par feliz

dia de maratona

capivaras vêm à tona

na margem do rio

pia joão-de-barro!

é bem mais belo teu canto

que o coro da igreja

violetas azuis

esta tarde não passou

em brancas nuvens

flor do algodão

será parte de um vestido

justo à flor da pele

Cruzeiro do Sul

cortina negra celeste

o que tem por trás?

céu acinzentado

foi o sol que esqueceu

de bater o cartão

eclipse solar

meia-noite ao meio-dia

sem canto de galo

Cap. II

ZÊNITE

“no velho tanque

a rã envelheceu:

as folhas secas”

Yosa Buson

(1.716 - Osaka, Japão)

espelho vermelho

pôr do sol em Blumenau

o rio enrubescido

paralelepípedos

pela rubra Rua XV

poente escarlate

orquídea azul

orna um galho sobre o rio

um pássaro açu

dormia o sapinho

terá saltado no lago

ou foi só um sonho?

rosa perfumada

sob a pétala carmim

esconde um espinho

goteja o orvalho

as gotas de sol na teia

pequena mandala

despido de nuvens

um sol brilha lá no céu

outro ali no rio

andorinha azul

a bruma branca do açu

oculta seus voos

céu de pedra ônix

há um segredo de prata

por trás dessas nuvens

as folhas se tocam

duas palmeiras namoram

o vento é cúmplice

na casa Enxaimel

breves pinturas abstratas

líquen nos tijolos

canta mais, cigarra!

essa cidade já tem

formigas demais

floração do ipê

borboletas amarelas

dançando ao vento

na praça deserta

uma escultura do Pita

faz sombra aos gatos

aurora com música

antes dos sinos da igreja

canta o bem-te-vi

brotos de bambu

na sombra do mausoléu

a vida prossegue

pétala vermelha

trazida pela formiga

outras trazem folhas

na beira do rio

divide a tarde ao meio

um lagarto verde

um gato gorducho

ignora o rato que passa

felino feliz

miados na rua

enfrenta o cachorro preto

um gato valente

uma gata preta

namora um gato branco

numa tarde cinza

dois gatos pintados

desafinam violinos

concerto noturno

neve na cidade

miava o gato branco

e ninguém o via

na caixa de lenhas

a gata branca deu cria

gatinhos em cores

numa colcha azul

fecham-se uns olhinhos verdes

gatinho amarelo

sob a Via-Láctea

atravessa a madrugada

canto de cigarra

voa a galáxia

com seus cometas e estrelas

e a garça imóvel

dilúvio bíblico

repete-se em Belém

todo santo dia

cabeça de grilo

formando dois corações

paixão ou amor?

sem pé nem cabeça

o namoro de anacondas

casal enrolado

Cap. III

CREPÚSCULO

“também se pesa

na balança do karma

a borboleta”

Kobayashi Issa

(1.763 - Nagano, Japão)

a brava galinha

defende os seus pintinhos

como uma águia

um sangue-de-boi

tinge a tarde de vermelho

com as suas penas

uma cobra-verde

faz desenho sinuoso

na página d‘água

lagartixa branca

que foi que seus olhos viram

tão esbugalhados?

a onça-pintada

tem um rugido tão alto

treme até a mata

espuma das ondas

surge na praia esmeralda

e beija a areia

mexilhões na praia

agarram-se pelas rochas

para ver o sol

maçãs amarelas

colhidas numa fazenda

deu água na boca

essa bela vespa

trouxe em seu voo elegante

uma ferroada

a vespa incansável

constrói mais uma casinha

inseto arquiteto

um coqueiro imóvel

a observar em silêncio

a estrela cadente

dois touros imensos

chacoalham em carreira

todo o universo

a água da enchente

vai entrando no portão

sem ser convidada

dois galos de rinha

não sabem fazer as pazes

haja pena deles!

a banda dos sapos

canta em coro na lagoa

sem nenhum ensaio

gralha colorida

fugiu livre como um pássaro

da velha gaiola

os dois cardeais

de roupa branca e vermelha

pássaros de fé

a árvore altiva

foi uma muda miúda

nas mãos de um menino

porquinho-da-índia

parece até um bonequinho

quando está dormindo

no grande ipê roxo

as flores tocam as estrelas

no alto da copada

a praia revela

no Bico do Papagaio

beijos escondidos

tomates de 1 kilo

colhidos na horta do avô

um maior que o outro

vindos do quintal

adoçam a sobremesa

os figos maduros

as jabuticabas

moram na beira do rio

um verão mais doce

a flor onze-horas

abre asas rosa-choque

jardim colorido

geada branquíssima

cobre com tapete níveo

os campos da serra

boneco de neve

sem frio olha as crianças

que vão para a escola

é dia de neve

o mundo mudou de cor

branco branco branco

micos pequeninos

fazem imensa balbúrdia

apesar do tamanho

mandril mandrião

cara de poucos amigos

um cara-pintada

Cap. IV

NADIR

“noite de lua:

o espantalho também

parece triste”

Masaoka Shiki

(1.867 - Matsuyama, Japão)

grande borboleta

voa sobre o rio Amazonas

longe de sua ilha

cachorro Tufão

‘come aqui na minha mão’

um cão perdigueiro

o salto de um peixe

na superfície do lago

pra espiar o céu

os belos cavalos

na fronteira do Uruguai

correm mais que o vento

cavalo alazão

imita a cor da neve

branco o ano inteiro

o cavalo zaino

muitíssimo parecido

com o seu desenho

a caranguejeira

não fez mal para ninguém

mas querem matá-la

esses apiários

produzem favos de mel

e muito zumbido

uma garça branca

desenha um voo suave

na beira do cais

no morro Spitzkopft

a água limpa de um córrego

fita o azul celeste

brincam esses botos

na foz do Itajaí-açu

o rio está em festa

na Serra do Mar

há uma estrada de ferro

que procura o mar

um grilo pretinho

faz sua toca no barranco

longe deste mundo

salta uma aranha

pra capturar a mosquinha

essa foi por um fio

a pequena rã

agarra-se em um braço

pra não cair n’água

as mangas furtadas

têm um delicioso sabor

de frutas roubadas

a chuva refresca

uma imensa melancia

antes da partilha

o formigueiro

move-se silencioso

sob as folhas secas

canta a curucaca

anunciando o fim do dia

no alto do pinheiro

neblina amarela

pinta o capim do roçado

na manhã de inverno

os grãos no pilão

a avó bate que bate

cheiro de café

lual em Laranjeiras

o mar se tinge de prata

em noite de lua

sobre a Praia Mole

um tapete de mil sóis

desliza nas ondas

llha do Campeche

antigos sinais nas rochas

mitos do passado

pomar de maçãs

estendido na serra

vestindo a colina

plátano frondoso

o outono despe aos poucos

seu belo vestido

chuva de granizo

o céu atira as pedras

e ninguém revida

o vento sul

assovia de madrugada

na beira da praia

tapete de vinhas

circunda Bento Gonçalves

antes de outro brinde

Lagoa do Peri

azul como um par de olhos

azuis azulíssimos

Tchello d Barros
Enviado por Tchello d Barros em 04/01/2009
Reeditado em 04/07/2024
Código do texto: T1366445
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