Vesperal - Haibun
Vesperal
Primavera. No quintal, uma pitangueira carrega faz minha diversão matinal. Pássaros vem e vem, talvez esperando sua hora. Véspera de eleições de segundo turno. Hora de colocar as malas no carro e descer para a cidade natal e, como diz um amigo, “cumprir o dever cívico”.
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passos apressados
para tirar roupas do varal
chega um toró
A cadelinha se entristece, porque não vai poder embarcar no carro. De repente, na avenida acima, uma algazarra começa. Em pouco, a coisa se esclarece - um carro de propaganda lidera uma mirrada carreata, que desce a rua. Foguetes.
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músicos do coral
da igreja logo acima
hora do ensaio
No posto de gasolina, abasteço o carro - pena, mas o preço de promoção acabou. Uma olhada na água e no óleo do motor, enquanto meu filho ajeita o head-fone, alheio a tudo e, a esposa vai comprar chocolates.
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grita o ambulante
"já tem frango desossado
leve pro almoço!"
o povo alegre do bairro
dá seu jeito de viver
Ao que parece, os eleitores que como eu, votam no interior já pegaram a estrada - ou não estão muito dispostos a fazer despesa para votar no segundo turno das eleições presidenciais. Ao longo da via, os ambulantes: camisetas de candidato e bandeiras, raquete para pernilongo, panos de prato, e frutas de todas as regiões do estado e do país. Rodovia. Alívio. Logo alcanço a "capital da fé".
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rumo a Trindade
um andarilho magrelo
deambulando
Na rodovia, lembro dos tempos que meu pai foi caminhoneiro. Sempre que dava, vinha com ele. Parada certa na lanchonete da "tia Joana", no povoado de Ruibarbo. Na capital, enquanto ele tratava de vender e descarregar a carga, eu aproveitava para zanzar pelo bairro Campinas. Sempre passava nas bancas de revista. Gibis. Depois, atravessava a 24 de outubro e ia até o cine Frida, ver os cartazes dos filmes clássicos que eram exibidos ali.
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lanche na estrada
sempre me divertem
as carpas "Nagoia"
Cidade de Santa Bárbara. Nunca me despertou a atenção. Agora tem uma imensa (e um tanto tosca) estátua da santa padroeira numa pracinha próxima da rodovia. abaixo um laguinho. Depois, vem Nazário - cidade mais antiga. Pequena. Mas, pegou um estirão de desenvolvimento, com o polo coureiro. Quase chegando à terra natal. Mais 27 quilômetros. E eu, deambulando.
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antigo vigário
da paróquia de Nazário
seu nome tenho
Tratores ainda remoendo a terra. Hora do plantio, com a previsão de chuvas firmes. Quando a soja e o milho subir, reaparece o bando de emas que migrou para a região. Alguém buzina e acena. Simples alegria.
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um cachorro preto
tonto e desesperado
olhos na estrada
Ah!, posso contemplar a largueza rica do vale do rio Turvo. Aplainado. Belo. E agora, esquadrejado dos mais diversos tons de verde. É algo meio mágico - Descongestiona, descansa e reconforta. Nada de pressa: depois da ponte do ribeirão dos Moleques, é costume ter fiscalização de trânsito.
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nuvens pesadas
a leste vão se reunindo
ah!, terra natal
Turvânia. 50 e poucos anos. Saiu do território do município de Anicuns, ao norte - que nasceu, tanto quanto Palmeiras, ao sul, na rota dos bandeirantes. Menos de 5000 habitantes. Está bem cuidada. E seus serviços públicos funcionam. As famílias ainda se reconhecem. Ainda se conversa nas calçadas à tarde. E o gosto pelos prazeres da vida rural são objeto de culto, nos deslocamentos feitos em bandos de familiares e amigos, na segunda ou sexta-feira.
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casa dos pais
como num velho ninho
os dois velhinhos
Nas cidades do interior, política sempre foi um negócio animado. A cada eleição, não há como escapar: todo mundo discute e toma partido. Família reunida - e o assunto vem. Encontro de velhos amigos - e é a mesma coisa. Mas, ninguém faz as costumeiras e jocosas apostas. Algo de tenso, no ar.
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horas críticas
todos os velhos amigos
falam de política
Uma oportunidade que procuro aproveitar sempre: passar a noite na chacrinha do meu velho pai. Casa enorme, situada numa baixada. Lugar sadio e fresco. E o som do carro pode ser ligado num volume mais alto - então...
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segue o tilintar
nas lâmpadas da varanda
quantos besouros
Amanhece. Lá longe, de vez em quando um mugido, do gado próximo um curral. Meu pai diz que não aluga mais o pasto e vai voltar à lida na roça. Espero que não. A coluna... Mais duas mudas de ipê plantadas. Em alguns anos, vão fazer bela figura. Hora de ir votar. Bom movimento na cidade. Mas, não vejo as tradicionais rodinhas de pessoas perto das zonas de votação. E nem há filas nas sessões eleitorais. As urnas eletrônicas funcionam bem. Por isso, votar é coisa muito rápida - que nem tem graça.
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dia de eleição
alguém já passa a caixinha
festa e carreata
Chuva. E vento forte. Notícias chegam: Na rodovia, dezenas de árvores caídas. Mas a festa é boa. Fogos, brindes e abraços. Frases. Poses - depois de tudo, é fácil. A carreata, porém, foi cancelada. Hora de ir descansar. E preparar a volta para Goiânia.
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água corrente
que ninguém pode viver
de águas passadas
e cada um busque ter
seu jeitinho de viver