#HAIBUN
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Afinal, o quê é haibun?
A palavra haibun é formada por hai, de haicai, e bun, que significa escritas, composições ou sentenças (Reichhold, 2002). Bashô praticava o haibun. Considerado um de seus mais importantes trabalhos, adicionando nova profundidade ao que era escrito de forma humorística por seus discípulos. Os primeiros exemplos de haibun são encontrados nas crônicas da história do Japão – The Kojiki. De acordo com Reichhold (2002).
O haibun é um texto curto em prosa, seguido por um ou mais haicais. A prosa que antecede o haicai geralmente se refere a uma experiência vivida pelo escritor. Apesar de uma das características do haibun sugerir a desvinculação do autor ao texto, nem sempre essa regra é cumprida pelos escritores. É comum encontrar em sites especializados sobre haibun a presença do EU, em uma ou noutra parte do haibun. Nos meus, optei por usar o "eu".

 

1- Enchente

#haiun

 

Morando no Vale do Itajaí há pouco tempo, sabia das enchentes como algo de um passado distante.  Nenhuma com a dimensão do dilúvio que ora atinge toda a região causando mortos e desabrigados. As águas jorrando pelas ruas feito um imenso rio. Muitas pessoas resgatadas e outras aguardando sua vez. À visão de um brinquedo que passa no meio da rua, levado pela correnteza, a criança estica-se como se pudesse alcançá-lo de onde estava à janela do apartamento, quase rente á água...

 

Passa a enxurrada.

Girando na correnteza

um ursinho branco.

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Benedita (恵美) Emi

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2- Sinfonia matinal

 

Sentada na poltrona reclinável, tipo a do papai, abre o jornal após apanhá-lo na caixa do correio, sob a chuva mansa. Os sons alternados das biqueiras do telhão Brasilit da garagem, das calhas e das telhas coloniais da casa principal, criam uma sinfonia que a faz esquecer o jornal, fechar os olhos para melhor perscrutar a sonoridade tranquila da chuva matinal.

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Sons de primavera

misturam-se aos perfumes

vindos do quintal.

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Benedita (恵美) Emi

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3- Sol do amanhecer

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Plantado há dois anos, um pé de trepadeira com o objetivo de nos dar mais privacidade no quintal, em declive, vi hoje que tinha se esgueirado entre as folhagens e alcançado o topo do muro de três metros e está florido.

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As primeiras flores
da Bougainvillea branca –

Sol do amanhecer

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Benedita (恵美) Emi

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4- Casa de Alegrete

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Aproveito a viagem de lançamento de nova antologia literária para conhecer Alegrete, Resende-Portugal, terra dos ancestrais paternos dos meus filhos. Logo na entrada, à esquerda do portão, incorporada à emoção do momento, vê-se a majestosa visão da árvore, no topo do aclive que nos leva à residência. Segundo informações, ali plantada há quase duzentos anos, pelos primeiros moradores deste ramo dos Azevedo. Ano após ano vê-se a florada recepcionando quem chega, com a escada forrada de flores...

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tapete florido.

são quase duzentos anos

da camélia rosa!

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Benedita Azevedo - abril de 2013

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5 - As corujas

           Há quase dois meses apareceram três corujas na pitangueira. Faz tempo que só duas passam o dia coladinhas uma à outra, não sabemos o paradeiro da terceira. Imaginamos que se alternam no ninho. À noite desaparecem. Pela manhã lá estão elas. Ficam paradas, não se mexem. As duas cadelas ainda não as perceberam. Christian que gosta muito de animais logo cedo me dá notícias de que lá estão.


No galho mais alto

entre a densa folhagem...

Duas corujas pretas.

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Benedita (恵美) Emi

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6- Mulher será sempre o que ela quiser             

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Na época em que mães e filhas usavam anáguas para armar os vestidos, geralmente eram três peças: uma para proteger as pernas da aspereza da peça engomada, e outra para harmonizar os vestidos mais finos.

A goma feita com amido de araruta plantada no quintal, às margens do Itapecuru, colocadas numa bacia grande, as peças eram imersas e sem torcer abertas no varal. Pareciam grandes leques secando ao sol. Era um trabalho enorme passá-las com ferro a carvão. Mas, o resultado era o charme com o qual desfilavam as senhoras e mocinhas nas quermesses das festas religiosas.

 

Dia da mulher –

Com as saias bem rodadas

bailam no salão.

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Benedita (恵美) Emi

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7- O vendaval

        O vendaval de catorze de fevereiro deixou o quintal destruído. Dia dezesseis, antes que os rapazes   começassem a limpeza, fiz várias fotos. Meu confrade das letras, que é ótimo fotógrafo, apareceu para uma rápida visita, com a filhinha pequena. Sob a chuva fina, andamos pelo quintal olhando os estragos. Ele descobriu nos botões das flores da ixora, um grilo verde. Fez várias fotos. Após as despedidas dos visitantes, voltei ao quintal, fiz minhas próprias fotos...

 

ao sol da manhã

aranha tece a teia

e fica à espreita

 

a formiga e o grilo

caem na mesma armadilha

 só questão de tempo.

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8- Aniversário

        Eles representam a nossa continuidade. Com a ideia de persistência nos estudos e a produtividade resultante da orientação que receberam para conseguirem, paz, segurança, tranquilidade com senso da responsabilidade de que são autores da própria história.

 

Azaleia em flor –

no dia do aniversário

presente dos netos.

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9- Café da manhã

 

 Christian resolveu lanchar.

O apito da chaleira e o aroma vindo

da cozinha deixam-me em alerta.

 

Cheiro do café

 torrado por minha mãe...

 invade a lembrança!

 

Benedita (恵美) Emi

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Benedita (恵美) Emi

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10 -  Laranja da pérsia

 

  Após cinco dias no Rio fazendo revisão médica, retornamos à Praia do Anil. No portão a recepção de Thalia e Urânia, as duas cadelas tigradas de porte médio, guardiãs da nossa casa. Livre da bagagem fechei o portão grande e deixei-as no pomar. De longe, sob as árvores, pontos brilhosos pelo quintal me deixam curiosa. Aguço o olhar...

 

No chão espalhadas

iluminando o quintal —

as limas-da-pérsia.

 

Benedita (恵美) Emi

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12- Meus passos

Após desligar o computador e caminhar até o portão, o calor me desperta o desejo de andar um pouco pelo calçadão da Praia do Anil. Saio e após atravessar duas ruas entre a casa e a praia, sento-me na mureta do parquinho infantil. Alongo o olhar para o outro lado da baia e os vários pontos de luz indicam a localização da Ponte Rio - Niterói, Ilha do Governador, Pão de Açúcar e Cristo-Redentor.  A praia está deserta. Olho as pequenas ondas a quebrarem na areia e percebo que não estou sozinha...

 

Quase meia-noite –

Passos lentos de um socó

à beira da praia.

 

Benedita (恵美) Emi

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13- I  FLIM

 

O retorno do Maranhão onde fomos visitar o filho, familiares e participar da Primeira Festa Literária de Itapecuru Mirim (FLIM), tínhamos exames médicos marcados. Feito isso retornamos para Guia de Pacobaíba. Chegamos sábado, às onze horas. Após afazeres rotineiros, ao final da tarde, fui visitar a amiga professora aposentada, ex diretora do Colégio Estadual Mauá, a quem não via há bastante tempo. Soube do diagnóstico de Alzheimer feito pelo médico nos últimos exames. Não reconhecia ninguém...

 

Conhece-me a voz

mas não lembra da pessoa—

Ocaso de outono.

 

Benedita (恵美) Emi
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14- Hibisco

 

Os novos pés de hibisco, plantados de galhos, no mesmo canteiro,

alguns meses atrás, hoje pela manhã tinham três botões. Às 15:17 ao 

atender um chamado ao portão, de repente vejo a flor já aberta.

Plantados com a compostagem feita por nós, com restos vegetais...

Resultado: folhas e flores maiores que as originais.

 

O hibisco amarelo
floriu hoje, ao meio da tarde—
Presente das mães!

 

A flor que se abriu,
ofereço à minha Rosa
no Dia das mães!

 

Benedita (恵美) Emi

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15. Uma Gambá

 

Procurando a chave de fenda, abre uma gaveta da pia, ao lado da churrasqueira, abre a segunda gaveta, na terceira, dá um pulo e um grito. O marido chega correndo, meio assustado.

 

arrrrrrr....arrrrrr –

uma gambá com filhotes

na última gaveta

 

Benedita (恵美) Emi

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16-- gambás

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Carla, a neta caçula do casal, reúne os colegas de turma, para despedirem-se do Ensino Médio, com um churrasco em casa dos avós. A avó pediu que não abrissem a última gaveta da pia, pois ali morava um gambá. Foi um alvoroço. Todos queriam ver a novidade, na última gaveta. Curiosamente, a anfitriã resolveu abrir as demais gavetas e gritou maravilhada.

– Vó, estão todas ocupadas! Os jovens fizeram fila. As três gavetas forradas, cuidadosamente, com folhas secas do pé de cupuaçu. Observações posteriores revelaram que em cada dia a gaveta ocupada é diferente.

 

Moram nas gavetas

dois gambás, na churrasqueira –

Será um casal?

 

Benedita (恵美) Emi

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Benedita Azevedo
Enviado por Benedita Azevedo em 28/02/2018
Reeditado em 24/03/2023
Código do texto: T6267146
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