Na chuva
Novembro era época das grandes chuvas, uma espécie de monsão no sertão da Bahia -- naquela época El Niño praticava menos travessuras --; a gente da terra chamavam-nas "trovoadas". Era época do madurar de muitas frutas, especialmente mangas; estas eram derrubadas aos montes de suas árvores pelo forte vento, arauto da chuvas por vir. E, quando a chuva caia, gelada feito raspadinha, o menino magricela se esbaldava; banhava-se nas bicas e cumeeiras das casas; fingia nadar na enxurrada; até perdia a vergonha que tinha de seu tórax mirrado e de suas pernas de quero-quero, e exibia-se semi-nu, por vezes só de cueca no meio da rua -- um ato de despudor momentâneo. (dias depois enfrentaria uma gripe forte, acrescida de dores de ouvido e febre, por conta de infecções advindas das excrescências de animais depositadas nos telhados. Mas isso não lhe importa agora). O menino magricela teme o vento e se recolhe em casa. Experimenta da água de chuva acumulada numa dorna e constata, para sua surpresa, "não tem gosto de nada": nem de céu, nem de nuvem, nem de sol, de nada..."Obrigado menino", mentaliza o homem já não tão magricela mas, por certo, ainda menino. Enquanto mira a chuva cair, através de uma janela, o homem pensa em prová-la vovamente , no entanto desiste: "não deve ser agradável o sabor ácido desta chuva; a fuligem deve travar a garganta; e já sou bem crescido para brincar na rua", pensa o homem já não tão menino.
Banho de chuva.
Fez da rua seu lar, só
Por um momento.