Diacronia, sincronia e antimetábole

Corria o ano de 1961 e, no futebol, disputava-se o torneio Rio – São Paulo. Mais precisamente, era o dia 5 de março. No Maracanã, o Santos vencia o Fluminense, que, no gol, tinha o famoso goleiro Castilho. Num certo momento, Pelé pega a bola, na meia-lua da área santista, e sai driblando praticamente todo o time adversário até vencer o quíper (termo que eles costumavam usar para goleiro!). Um golaço!

O jornalista Joelmir Beting, à época no jornal ‘O Esporte’, sugeriu homenagear o acontecimento com uma placa comemorativa do feito, a qual foi providenciada pelo idealizador e, posteriormente, descerrada no Maracanã por aquele que ainda não desfrutava de toda fama de rei do futebol. A partir daí, cunhava-se a expressão ‘gol de placa’, que tanto ouvimos, até hoje, mas cuja origem talvez seja desconhecida até mesmo dos mais antigos e aficionados pelo futebol.

A informação acima, a que dei algum colorido pessoal, encontra-se no livro “A casa da mãe Joana 2”, obra assinada por Reinaldo Pimenta, um texto que traz, com leveza, importantes informações sobre a origem de expressões da língua portuguesa. Um gol de placa!

Quem me acompanha até aqui, deve estar pensando onde está a diacronia ou, até mesmo, o que seria esse conceito linguístico... É simples. Um estudo de diacronia se preocupa com a língua na perspectiva histórica. É como se o estudioso estivesse olhando sob a pele das palavras. Não foi o caso de ‘gol de placa’? O autor nos apresentou uma informação diacrônica.

Vamos a mais um exemplo. No mesmo livro citado, o autor comenta a palavra ‘oportuno’, cujo sentido – todos sabemos – é ‘conveniente’, ‘apropriado’ – um entendimento do vocábulo segundo a percepção que temos hoje. Nesse caso, falamos de sincronia, ou seja, a análise do fenômeno linguístico em um determinado momento da evolução. Simples?

Alguém vê ‘porto’ em ‘oportuno’? Reinaldo explica: “Opportunu era uma palavra da linguagem dos marinheiros. Formada de ob-, para diante + portu(nu), porto, designava o vento bom que soprava em direção ao porto, ajudando a nave a chegar ao seu destino”. Reforço: neste caso, o autor apresenta uma informação diacrônica. Fez diacronia. Perfeito?

Quem caminhou até aqui, deve estar se indagando: - Mas... e a antimetábole? O que seria?

Bem! Voltemos à informação inicial. Reinaldo Pimenta conta que o jornalista Joelmir Beting não recebeu pela placa e, bom frasista que era, diria tempos depois: “Nunca fiz um gol de placa, mas fiz a placa do gol”. Aí está a antimetábole...

Antimetábole é a repetição invertida de termos de uma sequência para a obtenção de diferente efeito de sentido. A definição é minha, baseada na leitura de exemplos. No caso, qual seria o efeito de sentido obtido com a inversão gol de placa / placa do gol? Joelmir trabalha com a relação entre o figurado (gol de placa) e o literal (placa do gol)... E produziu uma frase de belo efeito estilístico. Concordam?

Há algumas antimetáboles que ouvimos sempre, como em expressões do tipo “amigo cachorro / cachorro amigo”, “homem grande / grande homem”, “comer para viver / viver para comer”, “força do argumento” / “argumento da força” e por aí vai... A gente pode ir criando as nossas.

Por hoje é só... Termino antimetabólico: – Quem sabe o valor das crônicas, busca crônicas de valor. *

O autor disponibilizou alguns ebooks na Amazon, entre os quais "Português – temas variados" e "Português – textos, testes & respostas".