Existiria a quarta conjugação verbal?
Defendemos a existência de três conjugações verbais. Expliquemos a seguir nosso ponto de vista, corroborando parecer de quase todos os estudiosos.
O termo conjugação tem sido usado em gramática com duas acepções muito próximas.
Num primeiro sentido, a conjugação de um verbo é a listagem de todas as suas formas, considerando-se todas as suas possibilidades flexivas.
Num segundo sentido, conjugação é o modo especial como o verbo se comporta ao longo de todo o processo flexivo a que se sujeita. É por isso que os estudiosos agrupam os verbos portugueses em três conjugações segundo a vogal que precede o sufixo -r que marca o infinitivo. As vogais -a, -e e -i, conhecidas como temáticas (VT), indicam, respectivamente a primeira, segunda e a terceira conjugações em português (C1, C2 e C3). São exatamente essas vogais, reforçamos, que denunciam a maneira de conjugar a forma verbal. Observe, por exemplo, que o presente do subjuntivo dos verbos de C1 se faz com sufixo -e (cf. ande, fale) e o dos verbos de C2 e C3 se faz sufixo -a (cf. venda, parta).
É fácil observar que a primeira conjugação abriga a imensa maioria dos verbos portugueses, sendo mesmo uma conjugação receptiva aos neologismos, como atestam formações como 'deletar', 'xerografar', 'televisar' – hoje totalmente incorporadas ao idioma – e 'sextar', forma muito usada no português moderno.
Em que conjugação encaixar o verbo pôr e seus derivados? Não há dúvida de pertence à C2. O argumento de que provém da forma latina 'poer', com síncope (1) da vogal temática na passagem para o português, é de natureza diacrônica (2) , e a ele não se deve recorrer para a explicação dos fatos atuais da língua. Numa perspectiva sincrônica (3) , o enquadre na segunda conjugação se justifica em razão a presença da vogal temática em outras formas do verbo, embora ela não se manifeste no infinitivo (cf. pões, põe, põem, puser, pusesse etc.).
O gramático Eduardo Carlos Pereira, em publicação de 1944, assim escreveu: “A 4.ª conjugação só tem o verbo pôr e seus compostos: - propor, prepor, antepor, supor, etc. No antigo português este verbo pertencia à 2.ª conjugação, pois tinha a forma poer, que se contraiu mais tarde em pôr” (Pereira, 1944, 124). Parece evidente que o gramático, ao propor a existência de uma quarta conjugação, estaria levando em conta apenas a terminação -or presente no infinitivo da forma verbal, desprezando várias ocorrências da vogal temática -e, como já se mencionou anteriormente.
Reforçaríamos, portanto, a existência de três conjugações para os verbos portugueses. *
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(1) Síncope é a queda de um fonema no interior da palavra. A forma latina 'veritate', por exemplo, evoluiu para 'verdade', em português.
(2) A linguística diacrônica procura estudar as transformações que sofre uma língua através do tempo. A diacronia demonstra, por exemplo, que na forma verbal 'comer', o segmento -com foi um prefixo na língua latina. 'Comer' é o resultado da evolução fonética de 'comedere' (com + edere, verbo 'comer', em latim).
(3) A linguística sincrônica estuda uma determinada fase da evolução de um língua. A sincronia interpreta a forma verbal 'comer' como primitiva.
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