Compreendendo a silepse

Silepse é um tipo de concordância que fazemos com a ideia do termo regente e não com a sua forma. Clareando mais: quem usa de uma silepse faz o termo regido concordar não com a forma exata do que está escrito no termo regente, mas com sua ideia. Vamos melhorar isso?

Falei em termo regente e termo regido. As relações na língua são essencialmente relações de regência. Assim como na vida, alguém comanda (regente) e alguém é comandado (regido). Observem que, na concordância, existe uma relação de regência: o substantivo comanda o adjetivo, e o sujeito comanda o verbo. Vamos a um exemplo:

Aquelas meninas educadas respeitam as professoras.

O grupo ‘aquelas meninas educadas’ tem o núcleo ‘meninas,’ que é o termo regente. ‘Aquelas’ e ‘educadas’ estão se adaptando à forma do substantivo ‘meninas’; ou seja, o feminino plural de ‘meninas’ fez com que os termos regidos ficassem também no feminino plural. Bem simples. Houve uma concordância com o que está materializado na escrita. Essa é uma concordância gramatical, ou seja, aquela que se faz com a forma do termo regente. Estamos caminhando?

No mesmo exemplo anterior, ‘aquelas meninas educadas’ é o sujeito da oração; este, como sabemos, comanda o verbo. No caso, o sujeito (regente), de terceira pessoa do plural, levou o verbo (regido) para a terceira pessoa do plural. De novo, tivemos a concordância com o que está escrito – uma concordância gramatical, como dissemos antes. Ficamos claro? Veja que escrevi ‘claro’. Volto a esse caso, lá no final.

Quem me acompanhou até aqui poderia estar se perguntando: e a silepse? Esta vai ocorrer quando as formas não se ajustam. Diríamos que há um privilégio para a ideia, para o que está na mente do escritor ou de quem fala. É por causa disso que a silepse é também chamada de concordância ideológica.

Quando eu ensinava, era comum observar que os alunos tinham dificuldade na identificação do tipo de silepse, que pode ser de gênero, de número ou de pessoa.

Esse percurso se fez longo até aqui porque a intenção é clarear esses tipos. Vejamos com exemplos e pequenos comentários.

A populosa São Paulo atrai gente do mundo inteiro. – ‘Populosa São Paulo’. Vejam que ‘São Paulo’ (masculino singular) rege ‘a populosa’, mas diríamos que só aparentemente... Por quê? Porque o adjetivo e o artigo(regidos) concordaram com a ideia de ‘cidade’, não escrita, mas implícita, latente, escondida... Viram? Onde houve a discordância? No gênero (feminino x masculino). Por isso, silepse de gênero. Estamos indo?

A torcida, em uníssono, festejou, mas, aos poucos, foram se assentando depois que o VAR anulou o gol. – Vejam que torcida, terceira pessoa do singular, rege o verbo ‘festejou’, também na terceira pessoa do singular. Ajuste formal exato; portanto, concordância gramatical. Vejam, ainda, que ‘foram’, cujo sujeito é ‘torcida’, está na terceira pessoa do plural. Discordância formal, portanto. Quem fala está concordando com o plural semântico do nome singular ‘torcida’. A pessoa é a mesma: terceira. O que muda é o número (singular x plural). Por isso, silepse de número. Correto?

Os brasileiros vivemos dias tristes com as enchentes no Rio Grande do Sul. – Parece bem claro que o falante (no caso, eu) compartilha com os brasileiros e se inclui entre os que vivem dias tristes. ‘Os brasileiros vivem...’ seria um caso de concordância gramatical (sujeito e verbo na terceira pessoa do plural). No caso, entretanto, houve um desajuste apenas na pessoa do verbo; o número continua o mesmo: plural em ambas as situações. Portanto, silepse de pessoa.

É bom lembrar que a concordância ideológica é usada estilisticamente na coesão textual, em construções do tipo:

Era uma criança levada. Castigos não podiam com ele. – Entre 'criança' (feminino) e 'ele' (masculino), ocorre uma silepse de gênero.

Era gente simples, muito simples. Não tinham os rudimentos das letras. – Entre 'gente' (terceira pessoa do singular) e 'tinham' (terceira pessoa do plural), ocorre uma silepse de número.

Vamos terminar... Lembram-se? Lá em cima perguntei se ‘ficamos claro’. ‘Claro’, se refere a ‘nós’ (plural), que, na verdade, sou eu... Por isso, optei pelo singular, concordando com a ideia... Silepse de número. Claro? *

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