Uma consideração sobre o sinal da crase
Quando se fala em Gaza, fala-se (lamentavelmente!) em crise humanitária, não em crase, mas, como a palavra está nos ‘trending topics’, observei algo na sua vizinhança gráfica que trago aqui para reflexão. Tenho visto, na escrita, ora ‘a Gaza’, ora ‘à Gaza’, em construções do tipo ‘chegar a Gaza’, ‘apoio a Gaza’, ‘ajuda a Gaza’ etc. As tarjetas dos jornais na tevê oscilam nas citadas grafias, o que significa que há uma dúvida quanto ao assunto. Apresento-lhes minha consideração sobre o tema.
Todos sabemos que o sinal da crase representa, em princípio, a junção do ‘a’ preposição com o ‘a’ artigo. Assim, em uma construção, do tipo ‘vou à praia’, temos o ‘a’ com o sinal grave porque o verbo ir pede a preposição ‘a’ e o substantivo 'praia' é precedido do artigo ‘a’. Portanto, ‘vou a a praia’, resume-se, graficamente, em ‘vou à praia’. Simples… Creio!
Penso que as pessoas que têm dúvida sobre o assunto, devem, inicialmente, testar se o nome substantivo antes do qual viria o sinal da crase, aceita/pede/exige artigo. Uma boa maneira de fazê-lo é construir frases em que os referidos nomes exerçam a função de sujeito na oração. Trabalhemos com os substantivos ‘praia’, ‘cidade’, ‘máquina’, ‘novela’, ‘Gaza’, ‘Roma’ e ‘Lisboa’ e criemos frases simples em que essas palavras exerçam a função de sujeito, como no exemplário:
A praia estava repleta de turistas.
A cidade ficou alagada com as chuvas.
A máquina foi usada na limpeza da granja.
A novela das oito atrai milhões de telespectadores.
ø Gaza é uma cidade palestina.
ø Roma é a capital da Itália.
ø Lisboa é uma cidade encantadora.
Observaram? Há palavras que são determinadas por artigos e outras que jamais admitem artigo. Nessa última situação, estão os nomes próprios que designam cidades.
Vamos partir, então, da sequência ‘fiz referência a’ (esse ‘a’ é preposição exigida pelo substantivo ‘referência’) e vamos completá-la com os nomes usados anteriormente na função de sujeito. Assim:
Fiz referência a + a praia. (à praia)
Fiz referência a + a cidade. (à cidade)
Fiz referência a + a máquina. (à máquina)
Fiz referência a + a novela. (à novela)
Fiz referência a + ø Gaza. (a Gaza)
Fiz referência a + ø Roma. (a Roma)
Fiz referência a + ø Lisboa (a Lisboa)
Esse é o princípio básico de uso do sinal da crase. Quem o conhece estará apto a ir lendo e estudando situações mais específicas.
Sabemos que ‘Gaza’ nomeia cidade e região, ou seja, usamos ‘Gaza’ também por ‘Faixa de Gaza’, mas também nessa segunda situação — em que a parte está designando o todo, a região —o uso moderno da língua não emprega artigo. A redução de ‘estar na Faixa de Gaza’ é ‘estar em Gaza’ e não ‘na Gaza’, o que indica a ausência do artigo.
Em síntese, diz-se ‘Gaza’ para a cidade ou região e, portanto, não caberia o sinal da crase em nenhuma das duas situações.
Mas se a referência fosse à Faixa de Gaza? Pois é, aí teríamos crase, porque ‘Faixa de Gaza’ pede artigo. Concordaram? *
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"Português – temas variados", coletânea de textos produzidos ao longo dos anos, alguns dos quais presentes neste site;
"Português – textos, testes & respostas", pequena amostra de autores diversos, seguidos de exercícios de interpretação, pelo sistema de múltipla escolha.