A comunicação escrita e a deficiência do ensino básico
COMUNICAÇÃO ESCRITA - INTERPRETAÇÃO DE TEXTO
A situação em estudo hoje é uma simples comunicação interna de um condomínio, situado na Zona Oeste de São Paulo, Capital.
Sabemos que muitas vezes não se prima muito pela boa comunicação escrita no cotidiano das pessoas, as quais coabitam um mesmo espaço de convivência, e assim, distribuem mensagens oficiais, sem preocupações com a forma mais culta com que escrevem, contando sempre com a compreensão de quem as lê, ou melhor, com a interpretação do que quiseram informar no comunicado, mesmo com erros grotescos.
Bem, vale dizer aqui que não sou nenhum professor de Língua Portuguesa, ou filólogo, a não ser um “chato”, que busca sempre se aprimorar na escrita usando o nosso vernáculo oficial ou, como disse o poeta Olavo Bilac: “A última flor do Lácio, inculta e bela”.
Infelizmente, (ou felizmente), eu frequentei escola pública na minha infância e juventude, mas, vendo o que ocorreu com o ensino básico nesse país, literalmente "jogando" pessoas mal formadas, no sentido de deficiente educação escolar, no mercado, percebo o quanto ela foi importante e extremamente substanciosa e primaz no que ensinava, em todas as suas disciplinas.
Esses ensinamentos foram primordiais em minha formação e facilitadoras na continuidade dos meus estudos de níveis superiores, depois em outros idiomas, e até ao MBA. Dessa forma, desenvolvi um amplo interesse por leituras, de maneira que, na minha simplicidade e até no meu sotaque acaipirado de falar, sou sim um interiorano do Estado de São Paulo, desenvolvi um senso crítico e fico muito triste de ver como temos vítimas da política do ensino no nosso país, que depauperou acentuadamente o ensino básico público, fadando os brasileiros mais humildes a terem grandes dificuldades no mercado de trabalho, cujas deficiências gerais, tanto na Língua Pátria, como em Matemática e outras disciplinas, efetivamente importantes na formação da população.
Essa falta de desenvolvimento da linguagem mais elaborada, nem me arrisco a dizer mais culta, leva também o cidadão a ter imensas dificuldades na interpretação do que lê. Lê, mas não entende, não correlaciona à leitura à fatos, ou às coisas corriqueiras do cotidiano.
Ora, um cidadão sem uma base sólida, tem enormes dificuldades de avançar nos seus estudos, perde o interesse e, nesse momento está já necessitando buscar sua sobrevivência através do trabalho, isso quando não tem os caminhos de suas vidas levados pelo que é menos recomendável na sociedade, qual seja, a delinquência nefasta.
O cidadão brasileiro, nesse aspecto, vive uma crise, por falta absoluta de boas escolas e bons professores, devidamente reconhecidos. Tem ceifada sua oportunidade de melhorar o status quo de sua existência, leva-os a trabalhos com menor remuneração, à formação de mais famílias com grande lacuna, no exemplo e na forma de viver, fadando-os sempre e sem escrúpulos, à uma vida social mais limitada.
Lembro-me, e acho que já citei isso em outros textos, que em minha escola, então era “o meu ginásio”, constava uma frase em uma parede, em letras garrafais, e que era atribuída à Goethe, assim:
“O homem sem educação, por mais alto que o coloquemos, fica sempre um subalterno”.
Nunca me esqueci dessa frase. Ela, nos intervalos e momentos de recreio, estava lá sempre diante dos nossos olhos, martelando-nos a nossa consciência, doutrinando-nos incessantemente e fazendo com que jamais a esquecêssemos.
Mas, é profunda e sempre serviu para comparar o que vemos em todas as coisas de nossa vida em sociedade.
Outro importante cidadão do passado, para não voltar ainda mais no tempo, o médico, político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista e historiador Afrânio Peixoto (1876-1947), escreveu um texto que bem explora a preocupação com a educação, qual seja, “O Brasil do futuro”, que recomendo a leitura, cujo trechinho, que ilustra bem minha preocupação, e que tomo a liberdade de aqui transcrever:
“As democracias não se compreendem sem a educação do povo, que para exercer o seu direito, precisa conhecer-se e aos seus deveres.
Só assim saberá escolher um governo idôneo, que lhe prepare o destino adequado e sobre o qual possa sempre exercer uma influência salutar. Os povos ignorantes e, por isso, imprevidentes, abdicam de si nos outros e votam-se à servidão e ao desaparecimento.”
À exemplo disso, vemos que hoje, os efeitos da nossa péssima educação, chegou às universidades, às assembleias legislativas, ao congresso, ao judiciário, aos executivos de todas as instâncias, enfim, à toda nossa sociedade, ora condenada a resgatar tamanhas falhas em nosso sistema político de cuidar da formação do seu povo. O despreparo é geral, com exemplos dessa ignorância saltando aos nossos olhos e ouvidos diariamente.
Quanto custa isso à nação? Poucos conseguem aquilatar o quanto significa o custo social pelo desprezo à educação dos cidadãos.
Mas, vamos ao exemplo que hoje tomamos, em um simples comunicado e interpretá-lo à luz dos meus parcos conhecimentos.
TEXTO: Informe de elevador quebrado (Ipsis Litteris)
Quote
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Prezados Moradores,
Informamos que estamos com o elevador social da torre 2, final 1 e 2 parado.
A empresa Otis já foi acionada.
Assim que estiver liberado avisaremos.
Pedimos a todos que dêem preferência na utilização do elevador de serviço.
Contamos com a colaboração e compreensão de todos.
Atenciosamente
Administração do A..... A.....
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Unquote
A meu ver, fica um tanto quanto estranha a informação, muito embora acho que a maioria entende, até mesmo por não se importar muito com essas questiúnculas do nosso sofrido vernáculo.
Mas, como a administração se comunica com uma quantidade grande de pessoas, e, nem sempre soa bem a forma escrita à todos que recebem um comunicado, deve-se primar por uma escrita oficial correta, simples, direta e polida, mas sem perder o foco ou ser exageradamente prolixa. Assim primam por fazer os jornais de “boa linha”, os avisos oficiais, privilegiando a comunicação escrita mais formal, já que quem a recebe nem sempre é do “grupo de estudantes da escola” ou “colegas do cotidiano”, onde tais permissividades são sempre possíveis, inclusive gírias e tal...
Comentários ao texto:
1) “Informamos que estamos com o elevador social da torre 2, final 1 e 2 parado”
Pergunta-se: quem está com o elevador parado? A administração? O edifício? O condomínio?
Assim, o termo “estamos”(Verbo = Nós estamos), soa estranho.
2) ” Torre 2, Final 1 e 2”, equivale a dizer que trata-se do elevador que serve as prumadas 1 e 2 da torre 2 ou do edifício”, mas, como a comunicação quis tratar ou mencionar sua referência ao final do número de identificação dos apartamentos, o termo “final” deveria estar grafado no plural, ou seja, “finais 1 e 2”. Mas na sequência segue a sugestão de um texto abrangente.
Assim, para essa frase inicial, itens 1 e 2 retro, sugere-se o seguinte:
“A administração informa que, por motivos ainda desconhecidos, o elevador social da Torre 2, que atende as prumadas 1 e 2, encontra-se inoperante”.
Alternativas:
a) “A administração informa que, por motivos alheios à nossa vontade, o elevador social da Torre 2, que atende as prumadas 1 e 2, encontra-se fora de operação”.
b) “A administração informa que, por motivos inesperados, o elevador social da Torre 2, que atende as prumadas 1 e 2, encontra-se momentaneamente inoperante”.
c) “A administração informa que o elevador social da Torre 2, que atende as prumadas 1 e 2, encontra-se momentaneamente inoperante”.
d) “A administração informa que o elevador social da Torre 2, que atende os apartamentos de finais 1 e 2, encontra-se momentaneamente inoperante”.
3) “A empresa Otis já foi acionada.”
Aqui sugerimos:
“A empresa OTIS, responsável pela manutenção preventiva e corretiva, já foi comunicada para as urgentes providências cabíveis”
4) Assim que estiver liberado avisaremos.”
“Comunicaremos tão logo esteja solucionado o problema e o referido elevador operando com segurança para todos”.
5) “Pedimos a todos que dêem preferência na utilização do elevador de serviço.”
Aqui foi encontrada a frase que mais chamou a atenção e requer melhor redação.
Vamos analisar o que está escrito:
a) A palavra “dêem”, (verbo conjugado na 3ª. Pessoa do plural, terminados em -eem), conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, não é mais acentuada, assim como ”leem”, “veem” e “creem”. Entendemos que é mesmo difícil a adaptação, às vezes até estranho, mas, essa é a nova regra.
b) “pedimos que todos”, ou seja, aqui, todos, significa que “todos os moradores da Torre 2” está subentendido, ou seja, que também moradores das prumadas 3 e 4 passem a usar o elevador de serviço, o que vem a ser até mesmo tumultuado, podendo ocasionar avarias também nesse equipamento, pelo repentino aumento da demanda de “todos os moradores dessa torre”, além da morosidade no atendimento dos condôminos.
Até creio que entenderam (ou interpretaram), mais uma vez, o sentido do comunicado, mas, cabe aqui corrigir para que comunicado oficial” atenda o seu objetivo de forma correta.
c) Outra questão é que os moradores, cujos apartamentos foram atingidos pela parada, quais sejam os de finais 1 e 2, não têm alternativa que não a de usar o Elevador de Serviços, não é mesmo? Assim para eles não se trata de “dar preferência”.
A questão é: Quem teria que “dar preferência”, ou “ceder a vez” no uso do elevador de serviço nessa situação?
Creio que seriam os moradores dos apartamentos cujos finais sejam 3 e 4, não acham?
Assim sugere-se o seguinte texto no comunicado:
“Dado que a demanda do elevador de serviços será momentaneamente maior, e para que também o risco de eventual pane nesse equipamento se reduza, solicitamos aos moradores das prumadas 3 e 4 para dar preferência ao uso do elevador social que os atende, mesmo com seus Pets, naturalmente com a permissão de eventuais ocupantes já embarcados.”
Alternativa:
“Dado ao maior fluxo de pessoas no elevador de serviços, solicitamos aos moradores das prumadas 3 e 4 para que deem preferência de uso do elevador de serviço aos moradores das prumadas 1 e 2 , fazendo uso do elevador social, mesmo com seus pets“
6) “Contamos com a colaboração e compreensão de todos”.
Ora, os moradores não têm alternativa, senão conviver com a momentânea e inesperada má performance do elevador, assim sugere-se:
“A administração agradece a compreensão e a sempre solícita colaboração de todos, cortesia ímpar, característica dos moradores desse Condomínio (nome do condomínio).”
Em todo o texto, “prumadas” poderia ser também substituída por “Apartamentos de finais”
7) outro aviso recebido por e-mail diz:
“Elevador de serviço - Torre 1 - parado”
Texto semelhante e ao final orienta:
“ Pedimos a todos que dêem preferência na utilização do elevador de serviço.”
Bom, nem preciso me estender muito, mas fica só a pergunta aqui do “cara chato”:
- Como todos poderão usar o Elevador desserviço, deve-lhe encontra-se “parado”????
Bom, as observações mais imediatas sobre esses avisos publicados é amplamente distribuídos, cuja vítima do ensino que os escreveu, mas não os leu, e se os leu não entendeu, foram estas.
Certamente, os caros leitores terão muitas outras formas de bem elaborar esse comunicado, eis que também nunca me jactei de ser perfeito em minhas elucubrações e sim, reconheço que sou falho dada as minhas limitações do domínio do vernáculo, cujos exemplos de exímios na linguagem escrita temos aos montes na nossa história, e citar um ou outro seria arriscado.
Mas de uma coisa tenho plena certeza qual seja, a de buscar o conhecimento e melhorar enquanto minha mente continuar a contribuir nas minhas incessantes buscas. Desse pecado posso me orgulhar de que não morrerei!
Prezados leitores, pacientes, espero ter contribuído para que possamos melhorar de alguma forma a nossa comunicação e cuidar de nossa tão maltratada língua, com esperanças de que um dia possam os cidadãos ter plenas condições de exercer, democrática e conscientemente, suas escolhas, ou seja, com preparo para entender as mazelas que nos afligem, e depositarem também nas urnas as suas vontades de, quiçá um dia, ver melhor porvir nesta terra dadivosa e bela.
Dada minha idade, tenho certeza absoluta que esse futuro maravilhoso não verei, eis que, o mal já feito, acaso tenhamos amplos investimentos desde agora, levará algumas gerações para ser corrigido. Eis aí o desafio aos que estão nessa atual “nau dos insensatos” ... Nunca será tarde para recuperá-la!
Bem, minha gente, lendo isso outros, menos afeitos a esses preciosismos, dirão, enquanto você perdia tempo escrevendo essas bobagens, o elevador foi consertado e colocado em funcionamento, e, vida que segue... Mas, a intensão foi muito maior que isso, o caso, em si, foi só um exemplo, o qual, não fosse o chato aqui, que o registrou no seu recanto, o fato passaria desapercebido e esquecido entre tantos outros similares que ajudam a empobrecer o conhecimento e a colocar de lado “temas menos importantes” na cultura, que tiram o foco das necessidades mais prementes de um povo.
Marco Antonio Pereira
São Paulo, 19/09/2023