A métrica dos versos: breve lição para crianças
Nós, professores de língua materna, sempre incentivamos não só a leitura de poemas, mas também que os alunos se exponham no exercício de escrevê-los. E muitos vão descobrindo suas aptidões para o texto poético. Uma maravilha!
Nas minhas andanças pelas salas de aula, eu, também, vez ou outra, abri espaço para pequenas oficinas de texto, dos mais variados gêneros. E andei obtendo alguns bons resultados. E é uma felicidade ver o jovem apresentar seus versos, não só criativos, mas ainda bem metrificados.
Todos sabemos que há o verso livre, em que não se respeita a métrica. Os poetas modernistas foram mestres nessa arte, que também nos encanta quando os versos ficam bem harmoniosos.
Mas queria falar um pouquinho com vocês sobre o verso metrificado, aquele que tem um número fixo de sílabas. Já repararam que alguns poemas (muitas vezes, até longos) começam com versos de um número de sílabas e repetem o padrão até o fim? Se tiverem um tempinho, folheiem ou olhem na internet “Os Lusíadas” e verão que o longo poema é composto de 8.816 versos, todos eles de 10 sílabas. Um espetáculo, não?
Quando forem metrificar um verso, a primeira coisa que vocês têm de fazer é contar suas sílabas gramaticais. Mas o que seriam sílabas gramaticais? É fácil. Sílaba gramatical é aquela que todos os professores nos ensinam a encontrar. Portanto, é bom lembrar que as vogais dos hiatos se separam, que os elementos dos ditongos decrescentes e dos tritongos não se separam etc. É só ficarem atentos às regras de divisão silábica.
Mas vamos à metrificação. Vou exemplificar com a seguinte quadra, assinada por Fernando Pessoa:
Le/vas/ u/ma / ro/sa/ ao/ PEI/to 9 sílabas gramaticais
E/tens/ um/ an/dar/ que /é/ TEU... 8 sílabas gramaticais
An/tes/ ti/ves/ses/ o/ JEI/to 8 sílabas gramaticais
De/ a/mar/ al/guém/, que/ sou/ EU. 8 sílabas gramaticais
Como veem, eu apenas dividi as sílabas das palavras, segundo a gramática da língua portuguesa. Esse é o primeiro passo de quem pretende descobrir a divisão feita pelo autor, para marcar a sílaba poética, que nem sempre corresponde à sílaba gramatical.
O segundo passo é marcar a sílaba tônica final de cada um dos versos. No caso, encontramos as sílabas PEI, TEU, JEI e EU. Sabem por quê? Porque, na métrica dos versos, paramos na última sílaba tônica. Contando até a tônica, vemos que os versos possuem o seguinte número de sílabas: 8, 8, 7 e 8. Concordam?
Continuemos... Se o poeta mantém o mesmo número de sílabas em cada verso, somos levados a concluir que os versos da citada estrofe deverão ser de 7 sílabas, no máximo. Quando falamos em sílaba poética, estamos pensando na maneira como o poema é lido, é declamado. E, como vocês sabem, quando falamos, é comum juntarmos sílabas e lermos como apenas uma sílaba onde a gramática registra duas sílabas.
Vejam duas situações:
pessoa amiga – Juntamos os dois ‘aa’ e fazemos uma sílaba só: pes/so/aa/mi/ga
Se a sequência anterior fosse um verso, teríamos: 6 sílabas gramaticais e 4 sílabas poéticas (lembrem-se de que contamos até a última tônica).
vive a vida – Juntamos ‘e’ e ‘a’ e fazemos um ditongo, numa sílaba só: vi/vea/vi/da
Se essa sequência fosse um verso, teríamos: 5 sílabas gramaticais e 3 sílabas poéticas.
Entenderam, agora, por que eu falei em '7 sílabas, no máximo'? É que a possibilidade de junção silábica poderia diminuir esse total, o que, no caso, não aconteceu.
Temos observado que a opção por esse recurso da junção de silábicas de palavras distintas é mesmo muito comum (quase regra) entre os poetas que optam por versos metrificados, o que não quer dizer que seja uma obrigatoriedade. Às vezes, o poeta não faz a junção silábica, mas nem por isso perde a melodia do verso.
Voltemos, então, aos versos de Fernando Pessoa, que, aprendidas as orientações acima, poderão ser identificados como heptassílabos, ou seja, versos de sete sílabas. Vejam a métrica:
Le/vas/ u/ma / ro/sa ao/ pei/to 7 sílabas poéticas (ro /sa ao)
E/tens/ um/ an/dar/ que é/ teu... 7 sílabas poéticas (que é)
An/tes/ ti/ves/ses/ o/ jei/to 7 sílabas poéticas
De a/mar/ al/guém/, que/ sou/ eu. 7 sílabas poéticas (de a)
Acredito que assim tenha ficado mais fácil, não? Sugiro que vocês – ao metrificarem um poema – procurem, primeiramente, um verso em que não haja possibilidade de junções entre as vogais, como o terceiro da quadra citada. Encontrado um verso assim, ele poderá ser o guia para a silabação poética dos demais. Caso contrário, você terá de aguçar o ouvido e ver as possibilidades de junções, para que você chegue ao raciocínio do escritor.
Espero ter colaborado. Exercitem escrever quadras, em versos de sete sílabas, o que aguça a criatividade, treina nossos ouvidos para a música do verso e instiga a busca ao dicionário na pesquisa de rimas adequadas ao contexto.