Oposição forte e oposição fraca
Vamos discutir neste texto os conectivos que estabelecem relação de oposição. De início, cabe lembrar que eles se encaixam em dois grupos, aos quais chamaremos (nomenclatura nossa) de “conectores de oposição forte” (mas, porém, todavia, contudo, no entanto, entretanto etc.) e “conectores de oposição fraca” (embora, se bem que, ainda que, por mais que etc.). Esses níveis de oposição são facilmente detectáveis se considerarmos situações de interação linguística como veremos a seguir.
Partamos, inicialmente, das construções 'Daniel tem boa voz, mas desafina' e 'Daniel desafina, mas tem boa voz' e consideremos uma situação de diálogo; elas podem ser proferidas por diferentes interlocutores que discutem a possibilidade de Daniel gravar um CD. O primeiro faz uma concessão ao argumento de seu interlocutor, que provavelmente elogiara a voz de Daniel, mas contrapõe-lhe o que, para ele, é argumentativamente mais relevante, ou seja, o fato de Daniel desafinar, o que provavelmente impediria a contratação do cantor. No segundo segmento, há também uma concessão ao argumento inicial, mas para o autor da frase o importante é o fato de Daniel ter boa voz. Por meio da concessão, o enunciador parece ceder ao argumento do interlocutor, mas imediatamente apresenta uma restrição, que é, do ponto de vista argumentativo, mais forte. Compreenderam?
Vamos melhorar isso avançando um pouquinho. Se a oração introduzida pelo ‘mas’ expressa algo ‘ruim’ (há aspectos culturais por trás disso!), ela pode ser entendida como uma crítica. Por outro lado, caso expresse algo ‘bom’, poderá ser entendida como um elogio ou amenização de uma crítica. Assim, por exemplo, ‘É bom marido, mas tem vícios’, é uma crítica, pois a oração que contém o ‘mas’ pesa mais. Se alguém diz, entretanto, ‘Tem vícios, mas é bom marido’, poderá estar atenuando uma crítica dirigida a alguém ou mesmo fazendo um elogio a essa pessoa, pois, nesse caso, o fato de ser bom marido tem mais peso. Melhoramos?
Vamos a mais uma situação. Quem diz a respeito de algum político que 'Ele rouba, mas faz' provavelmente votará nele; por outro lado, se a mesma pessoa se conscientizasse, é possível que dissesse 'Ele faz, mas rouba' e passasse a engrossar a fileira dos que exigem moralidade nestas terras. Em resumo, cabe dizer que a oração introduzida por 'mas' e similares introduz, em princípio, uma oposição forte, contrapõe-se semanticamente à anterior e produz, também, uma quebra de expectativa em relação a esta. É por causa disso que são incoerentes construções como 'É verão, mas faz calor' e 'Ele bebe, mas é grosseiro'.
Vale observar que, no período de duas orações, a de oposição forte ocupa o segundo lugar e vem precedida de vírgula, como atestam os exemplos anteriores.
Imaginemos, agora, a seguinte frase: 'Embora tenha boa voz, Daniel desafina'. O que foi feito? A concessão, nesse caso, passou a ser representada pela primeira oração; observe que ela é argumentativamente mais fraca e deve prevalecer a desafinação do cantor. É necessário, portanto, entender que 'mas' e 'embora' não são sinônimos e que a pura e simples troca de um pelo outro acarreta mudança de sentido. Assim, por exemplo, 'Francisco trabalhou, mas não recebeu' não é o mesmo que 'Francisco trabalhou, embora não recebesse'. Observaram? Para o enunciador, no primeiro caso, o mais importante é o fato de ele não ter recebido e, no segundo, o trabalho se apresenta como algo mais relevante.
As orações de oposição forte são classificadas pelas gramáticas como coordenativas adversativas, e as de oposição fraca identificam-se como subordinadas adverbiais concessivas.
Vejamos, agora, outras possibilidades de redigir a oposição fraca. É possível também fazê-lo com orações reduzidas de gerúndio (Mesmo trabalhando muito, não se enriqueceu.), reduzidas de infinitivo (Apesar de trabalhar muito, não se enriqueceu.) ou reduzidas de particípio (Mesmo relido o livro, não o compreendeu).
Uma outra maneira de fazê-lo é dividir a estrutura em dois períodos como fazemos a seguir, a partir do segundo exemplo deste texto:
Daniel tem boa voz, mas desafina.
É óbvio (claro) que Daniel tem boa voz. O problema é que desafina. (Observe que o primeiro período funciona como concessão e o segundo como restrição).
É evidente que, em nossos textos, precisamos ficar atentos às questões apresentadas para não corrermos o risco de dizermos o que não queremos dizer.