LINGUÍSTICA & ESTUDOS ASSOCIADOS EM 2020 MARÇO - PESQUISAS AVULSAS DOMÉSTICAS

Sempre! Eternamente! Somos feitos agora para fluir à Eternidade.

Ever! Forever! We are made now to flow into Eternity.

J B PEREIRA

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Segundo Orlandi (1995, p.14) [...] quando dizemos que há silêncio nas palavras, estamos dizendo que: elas são atravessadas de silêncio; elas produzem silêncio; o silêncio fala por elas [...].

ORLANDI, E. P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 3.ed. Campinas: Pontes, 1995.

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Gênero textual:uma jornada a partir de Bakhtin

Cleide Emília Faye Pedrosa (UFS)

Gênero textual - Educadoreswww.educadores.diaadia.pr.gov.br › File › deb_nre › generos_cleide

ODF

Gênero textual:uma jornada a partir de Bakhtin. Cleide Emília Faye Pedrosa (UFS). Introdução. Hoje em dia, tornou-se relativamente comum entre nós partir ...

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MARINE, T. C. Um estudo sócio-discursivo do sistema pronominal dos demonstrativos no português contemporâneo. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Unesp, Araraquara, 2009.

NEVES, M. H. de M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

POGGIO, R. M. G. F. Processos de gramaticalização de preposições do latim ao português: uma abordagem funcionalista. Salvador: Edufba, 2002.

TORRES-MORAIS, M.A.; BERLINCK, R. A. A caracterização do objeto indireto no português: aspectos sincrônicos e diacrônicos. In: LOBO, Tânia; RIBEIRO, Ilza; CARNEIRO, Zenaide; ALMEIDA, Norma. (Org.). Para a história do português brasileiro: novos dados, novas análises. Salvador: Edufba, 2006. v. 6, p. 73-106.

FONTE DESTA BIOGRAFIA EM: https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/457

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WENCESLAU, Fábio de Lima. Verbos beneficiários: um estudo na interface entre semântica e sintaxe. 2003. Dissertação (Mestrado em Letras) - FALE / UFMG, Belo Horizonte.

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Organizadoras:

Gêneros Textuais

& Ensino

5ª edição

Rio de Janeiro

http://www.martinsfontespaulista.com.br/anexos/produtos/capitulos/122864.pdf

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http://wwws.fclar.unesp.br/agenda-pos/linguistica_lingua_portuguesa/5073.pdf

( 241 páginas)

unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

A variação de preposições e os fatores linguísticos:

analisando a natureza semântica do predicador e de seus

complementos em cartas de leitoras brasileiras e portuguesas

(The variation of prepositions and linguistic factors: analyzing the semantic nature of

the predicator and their complements in Brazilian and Portuguese letters from readers)

Letícia Cordeiro de Oliveira Bueno¹

¹Departamento de Linguística e Língua Portuguesa

– Universidade Estadual Paulista (Unesp)

lecabueno@yahoo.com.br

Abstract: Having as reference the Sociolinguistic and Historical Linguistic studies, this article aims to investigate the variation of prepositional variation in letters from readers of Brazilian and Portuguese women’s magazine. Based on the social character of language, the aim is to correlate the use of studied prepositions and the semantic nature of the predicator and their complements. To that end, this analysis will follow the theoretical and methodological principles of the Theory of Linguistic Variation and Change.

Keywords: semantic nature of the predicator; variation of preposition; Theory of Linguistic Variation and Change.

Resumo: Tomando como referência os estudos em Sociolinguística e Linguística Histórica, este artigo pretende investigar a variação de preposições em cartas de leitoras de revistas femininas brasileiras e portuguesas. Pretende-se, com base no caráter social da linguagem, relacionar o uso das preposições selecionadas com a natureza semântica do predicador e de seus complementos.

Para tanto, essa análise seguirá os pressupostos teórico-metodológicos da Teoria da Variação e Mudança Linguísticas.

Palavras-chave:

natureza semântica do predicador; variação de preposição; Teoria da Variação e Mudança Linguísticas.

Introdução

A Sociolinguística, tal como proposta pela Teoria da Variação e Mudança (LABOV, 1972, 1982, 1994, 2001), tem como princípio analisar a correlação entre fatores sociais e a estrutura das línguas e seus funcionamentos. Sendo assim, fica claro que tanto os fatores internos quanto os externos são de extrema importância para os estudos sociolinguísticos. É através dessa teoria que a noção de “mudança em progresso” passa a ser incorporada à organização das línguas, uma vez que esta se dá de forma lenta e gradual. (....)

FONTE: unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

http://wwws.fclar.unesp.br/agenda-pos/linguistica_lingua_portuguesa/5073.pdf

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Ana Paula Scher

AS CONSTRUÇÕES COM O VERBO LEVE DAR E

NOMINALIZAÇÕES EM –ADA NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Lingüística do Instituto de Estudos da

Linguagem da Universidade Estadual de

Campinas como requisito parcial para a

obtenção do título de Doutor em

Lingüística.

Orientador: Prof. Dr. Jairo M. Nunes

Campinas

UNICAMP

Instituto de Estudos da Linguagem

2004

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http://taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270805/1/Scher_AnaPaula_D.pdf

Ana Paula Scher

CONSTRUCTIONS WITH THE VERB LIGHT GIVE AND

APPOINTMENTS IN –ADA IN PORTUGUESE OF BRAZIL

Doctoral Thesis presented to the

Graduate Program in

Linguistics of the Instituto de Estudos da

Language of the State University of

Campinas as a partial requirement for

obtaining the title of Doctor in

Linguistics.

Advisor: Prof. Dr. Jairo M. Nunes

Campinas

UNICAMP

Institute of Language Studies

2004

http://taurus.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270805/1/Scher_AnaPaula_D.pdf

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Um breve panorama: descrição e abordagem metodológica de

preposições no português brasileiro

Thatiana Ribeiro Vilela

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Guarulhos, São Paulo, Brasil

thatianatrv21@gmail.com

Elizabeth Gonçalves Lima Rocha

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Guarulhos, São Paulo, Brasil

bethroccha@hotmail.com

DOI: http://dx.doi.org/10.21165/el.v46i1.1761

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A brief overview: description and methodological approach of

prepositions in Brazilian Portuguese

Thatiana Ribeiro Vilela

Federal University of São Paulo (UNIFESP), Guarulhos, São Paulo, Brazil

thatianatrv21@gmail.com

Elizabeth Gonçalves Lima Rocha

Federal University of São Paulo (UNIFESP), Guarulhos, São Paulo, Brazil

bethroccha@hotmail.com

DOI: http://dx.doi.org/10.21165/el.v46i1.1761

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Grazia Mille!

Semper Imaculata per noi, per ti, per Iglesia nostra Madre et Mestra, ad eterna! Per que, "ad Jesu, per Mariam onimnium!

Totus tuo!!!

No he olvidado nuestra amistad.

Amicitiam tuam non sum oblitus.

Eu não esqueci da nossa amizade.

É o lema do Pontificado de São João Paulo II, dedicação radical à Mãe de Jesus. Sou Todo Teu, agora e sempre, ó Virgem Mãe!

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Eu não esqueci a nossa amizade!

I have not forgotten our friendship.

Je n'ai pas oublié notre amitié.

Δεν έχω ξεχάσει τη φιλία μας.

Mi ne forgesis nian amikecon. (Esperanto)

Buonna notte!

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Dissertações defendidas

Clique em: http://www.poslin.letras.ufmg.br/diss_defesas_listagem.php

Priscila Brasil Gonçalves Lacerda

Luiz Francisco Dias

Sentenças Proverbiais: um estudo sintático- semântico de bases enunciativas

20/02/2009

FONTE ACIMA EM:

http://www.poslin.letras.ufmg.br/defesas/1278M.pdf

Abaixo em fonte:

http://www.poslin.letras.ufmg.br/defesas/1278M.pdf

(p. 61)

"Vejamos abaixo as configurações referenciais dos elementos Quem ou Aquele que

segundo a sua articulação com diferentes formas verbais.

Referência das expressões

pronominais Exemplos

Perfil Quem ri por último ri melhor.

Projeção prospectiva Quem rir por último ri melhor.

Quem matar aula vai se ver comigo no final do semestre.

Projeção atual Aquele que comeu o bolo deve estar preocupado.

Projeção retrospectiva Quem plantou colheu.

Quadro: Configuração referencial das expressões pronominais

Observamos que as expressões pronominais Quem ou Aquele que têm a sua referência

configurada pela temporalidade da sentença. Isso nos mostra que tais expressões aderem

particularmente aos aspectos enunciativos constitutivos das sentenças em que estão inseridas.

E, sendo ocupantes exclusivas do lugar de sujeito gramatical, denunciam o compromisso que

esse lugar sintático guarda com a enunciação da sentença.

Assim, tendo demonstrado que a temporalidade se produz na articulação sintática da

sentença, e confrontando essa demonstração com a afirmação de que “a temporalidade [...] é

produzida, na verdade, na e pela enunciação” (BENVENISTE, 1989:85), reiteramos a nossa

perspectiva sintática de que a organicidade lingüística está em interface com o acontecimento

62

enunciativo."

__________

51 A expressão ‘estrutura arbórea de inteligibilidade’ foi motivada pela leitura que fizemos de Sousa Dias (1995),

o qual nos explica que a árvore, no pensamento ocidental, representa uma “unidade prévia ou superior”, um

“centro de coordenação” ou “um ponto primeiro de ramificação”, sendo um modelo de representação hierárquica

que pretende dar conta das multiplicidades. Fizemos então uma associação entre esse modelo de inteligibilidade

e o sentido das sentenças proverbiais, já que essas sentenças indicam regularidades estruturantes (KLEIBER,

2000), i.e.,constituem uma espécie de modelo de inteligibilidade para as diversas situações que podem ser

referidas por elas.

(p. 68)

O quadro abaixo mostra de forma mais esquemática a distribuição do sentido

implicativo na constituição das sentenças dos quatro grupos que reconhecemos acima.

Exemplos

Grupos

Condição Conseqüência

1 Quem aconselha não obriga.

Passarinho que acompanha morcego dorme de cabeça para baixo.

2

Belas penas não fazem belo pássaros.

3

A adversidade

a prosperidade

faz homens;

monstros.

4 A ocasião faz o ladrão.

Quadro: Construção da estrutura implicativa

(p. 71)

Como mencionamos, Kleiber (2000:51) reconhece que a implicação perfaz o molde

semântico dos provérbios, compõe o sentido próprio dessa categoria. Cançado (2005), do

lugar de uma semântica referencialista, explica-nos que a “palavra implicação, na linguagem

cotidiana, remete a várias noções, tais como inferências, deduções, acarretamentos,

pressuposições, implicaturas, etc., sem que haja uma distinção entre elas” (p.27). Porém,

esclarece que, segundo uma tradição de estudos em uma abordagem referencial, há “uma

gradação entre esses conceitos, indo da noção mais restrita de acarretamento à noção mais

abrangente de implicatura conversacional” (p.27). Diferenciando, portanto, cada um desses

conceitos abarcados pela noção de implicação, a autora define o acarretamento como “uma

noção estritamente semântica, que se relaciona somente com o que está contido na sentença,

independentemente do uso da mesma” (p.27). A noção de pressuposição, por sua vez, também

está relacionada “com o sentido de expressões lexicais contidas na sentença, mas também se

refere a um conhecimento prévio, extralingüístico, que o falante e o ouvinte têm em comum;

pode-se dizer que a pressuposição é uma noção semântico-pragmática” (p.27-28). Já a

implicatura conversacional “é uma noção estritamente pragmática, que depende

exclusivamente do conhecimento extralingüístico que o falante e o ouvinte têm sobre um

determinado contexto” (p.28).

Kleiber (2000:51-52), ao afirmar que “o sentido de um provérbio não seria totalmente o

da combinação de seus constituintes e que, por conseguinte, sua interpretação padrão jamais

seria dada por sua composição”, pois “o pivô implicativo, apesar de necessário à tese, não se

encontra presente” 49; permite-nos aproximar a noção de implicação utilizada em seu texto da

noção de pressuposição apresentada por Cançado (2005). E é por essa aproximação que a

noção de implicação está sendo mobilizada aqui, guardadas certas diferenças devidas a

perspectiva teórica que adotamos. Nós deslocamos a noção de pressuposição do eixo

semântico-pragmático para um eixo semântico-enunciativo, ou seja, inserimos o histórico no

direcionamento do que estamos chamando, de maneira geral e em consonância com Kleiber

(2000), de implicação. Tal redimensionamento foi-nos motivado pelo fato de a implicação,

ainda segundo esse autor, ser a base de uma espécie de estereótipo construído pelo provérbio;

e a estereotipicidade, acreditamos, tem uma constituição fundamentalmente sócio-histórica.

49 Tradução nossa.

66

Sobre a questão implicativa, devemos esclarecer ainda um ponto. Sousa Dias (1995)

explica-nos que o virtual, e aqui podemos atribuir tais explicações a uma virtualidade da

língua, seria a contraparte do atual, que por uma adaptação da terminologia poderíamos

considerar como a atualidade enunciativa da língua. Seria, portanto, nessa atualidade

enunciativa que a virtualidade “caósmica”, espaço de conviviabilidade de potencialidades

infinitamente divergentes, sem regras de exclusão, subsidiaria a formação de colméias de

inteligibilidade que comporiam uma espécie de virtualidade discreta da língua, uma espécie

de memória. Essa virtualidade discreta, precedente e eterno devir, paira, insistente, sobre a

construção das inteligibilidades em um movimento dialógico e dialético. As articulações

sintáticas, dimensão material do dizer, correponderiam, no plano da enunciação, aos

movimentos de criação e de repetição subsidiados por essa virtualidade da língua.

Diante desse quadro, o ponto que devemos esclarecer sobre a questão implicativa diz

respeito à concepção de que as sentenças proverbiais construiriam estereótipos. Isso se daria

na medida em que essas sentenças enunciam uma espécie de “limitação dos devires a uma

medida de ‘razoabilidade’”, que conferiria aos acidentes vividos uma identidade impessoal.

Ou seja, as sentenças proverbiais designariam uma identidade pré-individual das situações

humanas, identidade essa que se constituiria pela articulação de formas lingüísticas, pela

interdeterminação mútua da multiplicidade de sentidos encapsulada pelos elementos

componentes das sentenças. A estrutura implicativa, portanto, seria a construção de um

modelo arbóreo, hierárquico, de condições e conseqüências em que essas subsidiariam uma

medida de razoabilidade não expressa em evidência na superfície da estrutura sintática,

gerando a discrepância entre o simbólico e o material de que falamos acima. Tomando essas

idéias como pano de fundo para as explicações, vejamos doravante, na materialidade da

sentença, a questão da incidência do sentido implicativo sobre a constituição da referência

proverbial.

Como dissemos, nas sentenças do grupo 1, o sintagma ocupante do lugar de sujeito,

constrói-se pela articulação entre um indicador indexical, Quem ou Aquele que, que traz

consigo os traços enunciativos definidores das sentenças proverbiais – genericidade,

onitemporalidade, além de indicialidade –, e um predicado adjacente restritivo. Assim, na

sentença “Quem aconselha não obriga”, a expressão “Quem” ganha identidade pela restrição

imposta pelo predicado “aconselha”. A fim de continuarmos essa discussão, consideremos os

itens abaixo.

(p. 66)

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Abaixo: fonte:

http://www.poslin.letras.ufmg.br/defesas/1278M.pdf

"Destarte, se para Benveniste ([19701], 1989) é a relação do locutor com a língua a que

determina os caracteres da enunciação, para a nossa perspectiva, é a configuração do

acontecimento que determina, em parte, a disposição da estrutura lingüística, já que lidamos

com a definição de que enunciação é o “acontecimento que produz enunciados”

(GUIMARÃES, 1989:78. Destaque nosso). Assim, antes de explicitarmos em linhas gerais a

abordagem que norteia o olhar que lançamos sobre as sentenças proverbiais nas análises

apresentadas adiante, devemos ponderar acerca da noção de acontecimento, tal como ela é

16

compreendida dentro de uma semântica da enunciação, à qual nos alinhamos na sustentação

de uma sintaxe de bases enunciativas.

" (P. 15-6)

Entendemos, pois, a enunciação como o “acontecimento sócio-histórico da produção do

enunciado” (GUIMARÃES, 1989:78. Destaque nosso). Emerge nessa formulação, portanto,

uma diversidade crucial entre a nossa concepção de histórico e um entendimento que

poderíamos atribuir a uma vertente mais pragmática e, sem muitas reservas, ao senso-comum.

Esses últimos costumam entender o histórico como uma pontualidade marcada no tempo

cronológico e, por isso, o acontecimento ganha matizes de um evento irrepetível em sua

singularidade. Nós, entretanto, compreendemos o histórico por uma perspectiva que o coloca

na relação entre memória e devir, relação essa vinculada ao social.

Nesse domínio, “o enunciado se caracteriza como um elemento de uma prática social e

que inclui, na sua definição, uma relação com o sujeito, mais especificamente com posições

[sociais] do sujeito, e seu sentido se configura como um conjunto de conformações

imaginárias” (GUIMARÃES, 1989:73). Acreditamos que tal relação com um conjunto de

formações imaginárias se dá de forma concreta pela relação do enunciado com outros

enunciados, e essa relação entre enunciados, por sua vez, só é possível porque, segundo a

proposta de Guimarães (1989), o enunciado constitui os signos lingüísticos, os quais se

definem de forma relacional. Nas palavras de Guimarães (1989:76):

esta constituição de signos é o modo de o enunciado se destacar de uma

situação específica. É porque ele constitui signos que o enunciado não é o

que emerge numa situação específica. Mas se define por sua historicidade

(social). [...] Se os enunciados não constituíssem signos a relação lingüística

não teria se destacado da situação em que ela se deu.

O acontecimento, dessa forma, se destaca da pontualidade em que foi produzido, sendo

espaço de retorno e prospecção, porque, ao mesmo tempo em que se vincula à regularidade

histórica que o engendra, é também possibilidade de reconfiguração sobre essa regularidade.

17

Como afirma o próprio Guimarães (1989:79), “no acontecimento enunciativo se expõe ou

pode-se expor o repetível ao novo”. E isso, em nosso entendimento, dar-se-ia na materialidade

da sentença.

Uma noção de acontecimento que o distancie, em certa medida, de uma pontualidade

efêmera pode ser encontrada em outros trabalhos que reforçam os fundamentos dessa

proposta. Dentre alguns autores que guardam afinidades com essa perspectiva, citamos aqui

Quéré (2005), Milán-Ramos e Baldini (2000) e Sousa Dias (1995).

Quéré (2005) lida com a noção de acontecimento por um olhar que parte das ciências

sociais e confere-lhe um poder hermenêutico. Como fenômeno de ordem hermenêutica, “por

um lado, ele pede para ser compreendido [...] por causas; por outro, ele faz compreender as

coisas – tem um poder de revelação”, faz descobrir novas potencialidades. “O acontecimento

faz emergir uma descontinuidade, só perceptível num fundo de continuidade”, tendo um

caráter inaugural, se prolonga como um processo. Ou seja, longe de ser colocado como uma

pontualidade factual, para esse autor, o acontecimento é uma fonte de inteligibilidade que tem

um passado e um futuro relativo ao seu presente evenemencial. A sua compreensão incide,

portanto, sobre o entendimento de Mead (1932 apud QUÉRÉ, 2005), que diz ser o

acontecimento aquilo que se torna, ou de Arendt (1980 apud QUÉRÉ, 2005), que afirma ser o

sentido do acontecimento algo que transcende sempre as causas que lhe podem ser associadas.

Milán-Ramos e Baldini (2000), por sua vez, tratam o acontecimento na relação entre

estrutura e singularidade, ou seja, entre estabilidade e equívoco. Esses autores trabalham, a

um só tempo, pelo esvaziamento da vontade de um “ritual sem falhas”, vontade essa que está

em função de um “narcisismo da estrutura”, e pelo esvaziamento da idéia de singularidade

independente de memória e trajetos sociais. Nas palavras deles, no “lugar do impossível

‘ritual sem falhas’ não há singularidade possível, desde o lugar puro do acontecimento se tem

a impossível singularidade (abstrata?) fora da linguagem, fora da história, a pura irrupção de

um evento no tempo” (MILÁN-RAMOS e BALDINI, 2000:66). Entendendo discurso como

acontecimento, esses autores argumentam no sentido de mostrar que “só por sua existência,

todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e

trajetos” (PÊCHEUX, 1983 apud MILÁN-RAMOS e BALDINI, 2000:65)4

.

Ainda podemos encontrar uma reafirmação para a noção de acontecimento mobilizada

aqui em Sousa Dias (1995), que trata essa questão vislumbrando a relação entre o que chamou

de virtual e atual. Vejamos como ele define esses termos:

4

PÊCHEUX, M.(1983). Discurso, estrutura e acontecimento. 2 ed. Campinas: Pontes, 1997.

18

Com efeito, o virtual representa a dimensão ideal da objectividade, o plano

imanente de toda realidade objectiva, pressuposto por esta, ou sem o qual

esta, ou toda a criatividade real, permaneceria ininteligível: a actualidade, ou

realidade em acto, é apenas a face ontológica do real, quer dizer, a face

efectuada, a face transcendente, o desdobramento energético. (SOUSA

DIAS, 1995:90)

O acontecimento seria a “virtualidade tornada consistente no plano de imanência”, seria

o virtual feito real, mas distinguível de toda atualidade. Essa distinção se dá porque a relação

do virtual para com o atual não é a de uma possibilidade lógica, limitada por sua préexistência, antes, a relação entre as dimensões virtual e atual é de divergência e de criação, ou

seja, “a actualidade é sempre assimétrica da ‘sua’ própria virtualidade” (SOUSA DIAS,

1995:92). E é sobre essa relação discrepante que se constitui o acontecimento,

evenemencialidade que paira sobre as suas atualidades, conferindo-lhes inteligibilidade,

contudo, sem jamais se reduzir a elas.

Vimos, portanto, que a noção de acontecimento desvinculada de uma historicidade

temporalista pode ser compreendida por maneiras distintas, segundo a especificidade da

vertente que a aborda. Entretanto, o fundamento, que é a relação entre o recorte de um

passado que confere inteligibilidade e o compromisso com um devir, está presente por alguma

formulação nessas diferentes perspectivas.

"

(p. .... 18)

Para melhor esclarecermos o fato de a enunciação ser uma exterioridade constitutiva da

sintaxe, tomemos uma afirmação de Possenti (2001). Segundo esse autor, a significação da

enunciação “se compõe das significações de todas as palavras que fazem parte dela, das

formas de suas relações morfológicas e sintáticas [...]” (POSSENTI, 2001:198). Assim,

podemos admitir que, enquanto frase na língua, a sentença é uma possibilidade estrutural de

um enunciado, que é a frase considerada nas condições em que é dita (GUIMARÃES, 2006).

Devido à sua natureza de enunciado em potencial, de estrutura enunciável, a sentença tem a

19

sua construção sintática organizada em função de uma potencialidade enunciativa e é, ao

mesmo tempo, afetada por uma memória de enunciações anteriores.

Tomamos ainda como base Pêcheux (1998:25) quando este afirma que a língua

comporta um “fato estrutural implicado pela ordem simbólica”. Na tentativa de delimitar a

natureza da língua (o “real da língua”), o autor depreende que o simbólico é inerente à

linguagem. Dessa maneira, inserir a enunciação no estudo da sintaxe se justifica, pois a

construção sintática é o lugar em que se manifesta a tensão entre o orgânico e o simbólico.

Ressaltamos que tais dimensões são interdependentes; assim, podemos dizer que os elementos

são sintaticamente configurados de acordo com as regras da língua, com a prevista

materialidade lingüística, e estão em função de condições enunciativas que determinam os

recortes de significação. Vejamos:

(1) Quem ama sente saudades...

Podemos dizer que a sentença (1) configura-se de acordo com as regras previstas na

língua e tem os seus lugares sintáticos ocupados em função de um recorte que constitui uma

genericidade proverbial. A constituição da genericidade seria uma possibilidade da língua

marcada na ocupação do lugar de sujeito relacionada a um domínio de sentidos que se investe

no predicado.

A ocupação do lugar de sujeito por “Quem”, pronome indefinido, instala um perfil de

referência que é delineado pela formal verbal “ama” e pelo vazio no lugar de objeto que, na

articulação com o verbo, significaria um amor a qualquer coisa. Se no lugar do predicado

“sente saudades” tivéssemos outro, por exemplo, “conhece a Deus”, formaríamos “Quem ama

conhece a Deus” e estabeleceríamos uma genericidade vinculada a outro domínio de sentidos,

uma genericidade acerca de outro tipo de amor. Tal diferença se deve ao fato de os predicados

“sentir saudades” e “conhecer a Deus” serem articulações lingüísticas que guardam em sua

constituição memórias de sentidos vinculadas a domínios de inteligibilidade diferentes.

Assim, podemos afirmar que a sintaxe não se constrói por uma mera justaposição de palavras;

antes, trata-se de uma construção articulada em que os recortes de sentidos apresentados pelos

elementos constituintes das partes da sentença se determinam mutuamente para a construção

da sentença como um todo.

Vale lembrar que os elementos lingüísticos têm a sua versatilidade no “arranjo

sintático” regulada por seu próprio caráter de unidade. Por exemplo, a palavra mesa pode

ocupar, dentre outros, os lugares de sujeito gramatical e de objeto, mas não pode ser o núcleo

20

de um sintagma verbal em função da sua natureza categorial de substantivo. Quando nos

referimos ao plano da organicidade, portanto, consideramos que se trata, além da própria

linearidade do arranjo sintático, também das propriedades lexicais dos elementos que o

integram. Os pronomes indefinidos Quem, encontrado em (1), e Aquele que, por exemplo,

possuem uma reduzida versatilidade, podendo apenas ocupar o lugar de sujeito.

A articulação sintática atende a uma necessidade de saturação, i.e, a construção sintática

se dá em sua pretensão de suprimir certa discrepância existente entre as dimensões material e

simbólica da língua (DIAS, 2002). Embora a ocupação do lugar sintático por vezes não

ocorra, a sentença pode se apresentar saturada, basta que ela seja configurada em um domínio

de referência em que o vazio ganhe pertinência. Entendemos ‘domínio de referência’ como a

circunscrição ou a delimitação dos referentes passíveis de serem contemplados pela sentença,

enfim, como “algo da relação entre um recorte determinado pelas condições do acontecimento

e uma injunção desse recorte ao lugar específico de configuração da forma lingüística”

(DIAS, 2005:119). Consideremos então as sentenças abaixo a fim de visualizarmos essa

relação.

(2) Quem faz merece o que constrói.

(3) Maria faz o almoço para os filhos.

A sentença (2) não tem o lugar de objeto projetado pelo verbo fazer ocupado o que

favorece a configuração dessa sentença em um amplo domínio de referência. Diferentemente,

na sentença (3), o lugar de objeto de fazer precisa ser ocupado para que a sentença seja

saturada constituindo um domínio de referência mais restrito. Diríamos, então, que essas

sentenças estão configuradas por um modo de enunciação mais generalizador e mais

especificador, respectivamente. A noção de modo de enunciação, que será abordada de forma

mais detida na seção 3.3 de nosso terceiro capítulo, diz respeito à configuração da referência

constituída por uma sentença e parece-nos fundamental para uma análise que incida sobre a

interdeterminação entre conformação sintática e fatores enunciativos.

Entenderemos de forma mais clara a medida dessa interdeterminação que norteia o

nosso olhar sobre as sentenças retomando Dias (2007) quando ele vislumbra três condições

diferentes que sustentariam as concepções dos fatos lingüísticos em gramáticas brasileiras,

mais precisamente as concepções dos fatos sintáticos. Tais condições foram denominadas de

distributivas, atributivas e operativas. Para que possamos compreendê-las melhor e

21

compreender que condições estariam subjacentes à nossa concepção, façamos uma ilustração

de cada uma delas.

De acordo com Said Ali ([1927], 1965), o sujeito “denota o ser a propósito do qual se

declara alguma cousa”. Esse elemento, como um componente da oração, é definido a partir

das relações estabelecidas dentro da oração pelo elemento que o representa. Dizemos isso,

pois, se entendemos que o sujeito é o termo que faz referência ao ser sobre o qual se faz uma

declaração, entendemos também que esse termo somente ganha o status de alvo da declaração

quando está em relação com o que foi declarado. Assim, o sujeito é reconhecido como aquele

elemento que, na distribuição de papéis que engendra a unidade declarativa, exerce uma

função definida pela relação estabelecida com os outros componentes dessa unidade

comunicativa que é a oração – “combinação de palavras [e às vezes uma só palavra] com que

nos dirigimos a alguém” (SAID ALI, [1927], 1965). Temos, portanto, uma concepção

tradicional de sujeito que revela condições distributivas de abordagem do fato gramatical.

Uma concepção de sujeito gramatical diferente dessa pode ser encontrada em Vilela

(1999). Partindo do ponto de vista da gramática de valências, esse autor afirma que os

elementos constituintes da sentença “são determinados por meio das relações sintácticas

hierárquicas na dependência da forma conjugada do verbo” (VILELA, 1999:330). Nessa

perspectiva, o verbo tem uma centralidade na constituição da sentença, pois é um elemento

“que hierarquiza os complementos”, seleciona os seus “complementos / actantes”, sendo o

sujeito entendido “como um complemento como os demais” já que “também ele é previsto e

seleccionado pelo verbo” (VILELA, 1999:331. Destaque nosso). Enfim, trata-se de uma

abordagem centrada nas condições atributivas de constituição do fato gramatical, tendo em

vista que o sujeito é definido pela sua origem de projeção, o verbo, no caso.

Outros estudos, notadamente aqueles de base funcionalista, incluem no fato gramatical,

e evidentemente na abordagem do sujeito gramatical, questões de ordem pragmáticodiscursiva. Estudos que se propõem a investigar, por exemplo, como o falante gerencia a

distribuição da informação veiculada pela oração entre as posições de sujeito e de objeto,

trabalhos que têm como suporte um modelo teórico como o Discurso e Gramática 5

, já se

apóiam em condições operativas para definirem o sujeito gramatical como uma posição

disponível ao falante para gerenciamento cognitivo.

5 Cf. DU BOIS, John. Discourse and grammar. In: TOMASELLO, M. (ed.) The new psychology of language –

cognitive and functional approaches to language structure. v. 2. London: Erlbaum, 2003."

( p..... 21)

No Curso de Lingüística Geral (2003 [1916]), Saussure explicita qual seria o objeto da

Lingüística, uma área de estudos que então reivindicava o seu estatuto de ciência. O terceiro

capítulo da referida obra foi dedicado a delinear a matéria dessa área de estudos. Foi

estabelecido, portanto, um contraste entre a Lingüística e outras ciências que “trabalham com

objetos dados previamente e que se podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista”,

sendo atestado que “em nosso campo, nada de semelhante acontece”. Antes, no caso da

Lingüística, bem “longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o

ponto de vista que cria o objeto” (2003:15).

Admitimos esse postulado de que o olhar faz o objeto em duas dimensões: em sentido

amplo e em sentido restrito. Uma perspectiva mais ampla permite-nos vislumbrar a

constituição histórica do conhecimento sobre a língua considerando as disciplinas que, por

diferentes ângulos, recortam como fatos da língua aqueles que são relevantes para si,

conforme o seu raio de atuação (RAJAGOPALAN, 1990:88). Dessa forma, por sua condição

de disciplinas históricas, podemos afirmar que a sintaxe ou a semântica não tomam o seu

objeto de estudo em estado bruto, “como um objeto encontrado naturalmente na língua”,

assim como queriam os naturalistas do século XIX. Antes, aplicando o postulado de Saussure

em sentido amplo, diríamos que a sintaxe configura-se segundo uma anterioridade de estudos

sintáticos, assim como a semântica se constrói segundo uma anterioridade de estudos

pertinentes a ela, um “horizonte de retrospecção”, que perpassa essas disciplinas e ao qual

elas se filiam para ganhar identidade, bem como perfazem uma prospecção no âmbito em que

estão inseridas, um “horizonte de prospecção” (AUROUX, 1992).

É precisamente a filiação a essa anterioridade que faz com que os trabalhos produzidos

possam estar reunidos sob o signo de uma mesma disciplina lingüística, a despeito das

divergências de concepção teórica. Admitimos então que há uma demanda de pertinência que

norteia o saber lingüístico e o conduz a uma relação com as disciplinas já estabelecidas. Mais

uma vez nos ancoramos em uma reflexão encontrada em Auroux (1992:14) ao vislumbrarmos

30

um ponto de convergência necessário à relativa estabilidade, ou à relativa objetividade, que

nos permite delimitar certos trabalhos sob o signo da sintaxe e da semântica:

A riqueza do historicismo não deve, entretanto, conduzir ao mito da

incompatibilidade de conhecimentos fechados em paradigmas específicos.

Os fenômenos são o que são e as estratégias cognitivas, por múltiplas e

diferentes que sejam, não variam ao infinito.

Desse modo, podemos dizer que a sintaxe e a semântica, justamente em função da

historicidade que lhes confere um campo de retrospecção e um campo de projeção, são

também fatores dessa estabilidade necessária à ciência lingüística, na medida em que

circunscrevem pertinências ao conhecimento lingüístico. Tal circunscrição mostra-se com

mais clareza se temos em vista a unidade de análise dos estudos sintáticos e semânticos.

Parece-nos coerente pensar que é na unidade de análise, elemento em torno do qual se

constrói o objeto de estudos de uma disciplina, que reside o ponto de encontro das diversas

vertentes que se julgam unidas por uma mesma disciplina, até mesmo porque toda “disciplina

que visa adquirir o estatuto de ciência deve inicialmente definir suas constantes e suas

variáveis, suas operações e seus postulados, e antes de tudo dizer quais são suas unidades”

(BENVENISTE, 1989:224). Portanto, se “uma ciência é especificada por um objeto definido”

(LACAN apud HENRY, 1992:15)9

, um estudo de sintaxe, para ser pertinente a essa

disciplina, não pode ignorar a sentença como unidade de análise, nem as relações estruturais

como objeto de estudos; assim como a semântica não se desvincula da proposição e das

relações de sentido. Chegamos, então, ao sentido restrito do postulado de Saussure.

Se uma perspectiva ampla desse postulado permite-nos considerar a constituição

histórica das disciplinas que compõem a ciência lingüística, vislumbrar esse mesmo postulado

em uma perspectiva restrita nos conduz às distintas configurações que trabalhos diversos

dentro de uma mesma disciplina constroem.

Estamos, enfim, lidando com a idéia de que os fatos lingüísticos “resultam já de uma

construção, de um gesto teórico” (ORLANDI, 1996) e variam dentro dos limites do construto

histórico da objetividade de uma ciência ou de uma disciplina. Façamos então uma

comparação entre as definições abaixo, ilustrando a questão da estabilidade imperativa à

constituição de uma disciplina e dessa variância decorrente do aporte teórico a que se recorre.

ORAÇÃO é a combinação de palavras (e às vezes uma só palavra) com que

nos dirigimos a alguém [...] (SAID ALI [1927], 1965)

9 Cf. LACAN, Jacques (1964). Le quatre concepts fondamentaux de la psycanalyse. Paris: Seuil, 1973."

( p.... 30)

No Curso de Lingüística Geral (2003 [1916]), Saussure explicita qual seria o objeto da

Lingüística, uma área de estudos que então reivindicava o seu estatuto de ciência. O terceiro

capítulo da referida obra foi dedicado a delinear a matéria dessa área de estudos. Foi

estabelecido, portanto, um contraste entre a Lingüística e outras ciências que “trabalham com

objetos dados previamente e que se podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista”,

sendo atestado que “em nosso campo, nada de semelhante acontece”. Antes, no caso da

Lingüística, bem “longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o

ponto de vista que cria o objeto” (2003:15).

Admitimos esse postulado de que o olhar faz o objeto em duas dimensões: em sentido

amplo e em sentido restrito. Uma perspectiva mais ampla permite-nos vislumbrar a

constituição histórica do conhecimento sobre a língua considerando as disciplinas que, por

diferentes ângulos, recortam como fatos da língua aqueles que são relevantes para si,

conforme o seu raio de atuação (RAJAGOPALAN, 1990:88). Dessa forma, por sua condição

de disciplinas históricas, podemos afirmar que a sintaxe ou a semântica não tomam o seu

objeto de estudo em estado bruto, “como um objeto encontrado naturalmente na língua”,

assim como queriam os naturalistas do século XIX. Antes, aplicando o postulado de Saussure

em sentido amplo, diríamos que a sintaxe configura-se segundo uma anterioridade de estudos

sintáticos, assim como a semântica se constrói segundo uma anterioridade de estudos

pertinentes a ela, um “horizonte de retrospecção”, que perpassa essas disciplinas e ao qual

elas se filiam para ganhar identidade, bem como perfazem uma prospecção no âmbito em que

estão inseridas, um “horizonte de prospecção” (AUROUX, 1992).

É precisamente a filiação a essa anterioridade que faz com que os trabalhos produzidos

possam estar reunidos sob o signo de uma mesma disciplina lingüística, a despeito das

divergências de concepção teórica. Admitimos então que há uma demanda de pertinência que

norteia o saber lingüístico e o conduz a uma relação com as disciplinas já estabelecidas. Mais

uma vez nos ancoramos em uma reflexão encontrada em Auroux (1992:14) ao vislumbrarmos

30

um ponto de convergência necessário à relativa estabilidade, ou à relativa objetividade, que

nos permite delimitar certos trabalhos sob o signo da sintaxe e da semântica:

A riqueza do historicismo não deve, entretanto, conduzir ao mito da

incompatibilidade de conhecimentos fechados em paradigmas específicos.

Os fenômenos são o que são e as estratégias cognitivas, por múltiplas e

diferentes que sejam, não variam ao infinito.

Desse modo, podemos dizer que a sintaxe e a semântica, justamente em função da

historicidade que lhes confere um campo de retrospecção e um campo de projeção, são

também fatores dessa estabilidade necessária à ciência lingüística, na medida em que

circunscrevem pertinências ao conhecimento lingüístico. Tal circunscrição mostra-se com

mais clareza se temos em vista a unidade de análise dos estudos sintáticos e semânticos.

Parece-nos coerente pensar que é na unidade de análise, elemento em torno do qual se

constrói o objeto de estudos de uma disciplina, que reside o ponto de encontro das diversas

vertentes que se julgam unidas por uma mesma disciplina, até mesmo porque toda “disciplina

que visa adquirir o estatuto de ciência deve inicialmente definir suas constantes e suas

variáveis, suas operações e seus postulados, e antes de tudo dizer quais são suas unidades”

(BENVENISTE, 1989:224). Portanto, se “uma ciência é especificada por um objeto definido”

(LACAN apud HENRY, 1992:15)9

, um estudo de sintaxe, para ser pertinente a essa

disciplina, não pode ignorar a sentença como unidade de análise, nem as relações estruturais

como objeto de estudos; assim como a semântica não se desvincula da proposição e das

relações de sentido. Chegamos, então, ao sentido restrito do postulado de Saussure.

Se uma perspectiva ampla desse postulado permite-nos considerar a constituição

histórica das disciplinas que compõem a ciência lingüística, vislumbrar esse mesmo postulado

em uma perspectiva restrita nos conduz às distintas configurações que trabalhos diversos

dentro de uma mesma disciplina constroem.

Estamos, enfim, lidando com a idéia de que os fatos lingüísticos “resultam já de uma

construção, de um gesto teórico” (ORLANDI, 1996) e variam dentro dos limites do construto

histórico da objetividade de uma ciência ou de uma disciplina. Façamos então uma

comparação entre as definições abaixo, ilustrando a questão da estabilidade imperativa à

constituição de uma disciplina e dessa variância decorrente do aporte teórico a que se recorre.

ORAÇÃO é a combinação de palavras (e às vezes uma só palavra) com quenos dirigimos a alguém [...] (SAID ALI [1927], 1965)

determinado contexto, com a força ilocucionária de um pedido de

informação. (PERINI, 1995:63)

9 Cf. LACAN, Jacques (1964). Le quatre concepts fondamentaux de la psycanalyse. Paris: Seuil, 1973.

( p. 31-32)

"Retomando o que dissemos no capítulo anterior, a respeito de uma perspectiva

sintática de bases enunciativas, consideramos que o sistema de regularidades da língua é

afetado por uma memória de enunciações e que, portanto, essa memória atua na constituição

da sentença. Na medida em que as sentenças estruturam os enunciados, podemos afirmar que

elas se configuram enquanto possibilidades estruturais que guardam um potencial

enunciativo. Ou seja, preservamos a centralidade de nosso trabalho no domínio da estrutura

da sentença, atendendo, portanto, ao imperativo de pertinência aos estudos sintáticos.

Contudo, inserimos nesse domínio, de forma constitutiva, o semântico-enunciativo, já que

definimos sentença como um enunciado em potencial. Precisamente nisso consiste a

especificidade do nosso olhar, a nossa hipótese interna.

Tal hipótese ganha ancoragem na compreensão de Benveniste (1989:82), que

reportamos acima, sobre o emprego da língua. Segundo ele, trata-se de “um mecanismo total

e constante que, de uma maneira ou de outra, afeta a língua inteira”; sendo esse emprego – a

que, em consonância com o próprio Benveniste, chamamos de enunciação – fenômeno tão

necessário que parece se confundir com a própria língua. Assim, consideramos os fatores

enunciativos em relação à estrutura sob o signo de “exterioridade constitutiva”, formulando

33

até um aparente contra-senso, somente para fazer frente ao histórico da disciplina que coloca

esses fatores como externos ao domínio da sintaxe. E é também somente por uma questão

didática que consideramos separadamente a medida de cada um dos componentes da interface

entre o orgânico e o semântico-enunciativo, pois esses componentes operam numa relação de

interdependência. Esse entendimento é sustentado por Dias (2002:52-53):

O plano da organicidade não é autônomo, porque a materialidade lingüística

não tem uma base primária de identidade física. Um objeto como um lápis,

por exemplo, tem uma base de identidade na sua própria dimensão. Isso não

significa que essa dimensão é independente da dimensão simbólica. Mas a

dimensão simbólica, neste caso, é projetada da dimensão material. Os

‘objetos lingüísticos’, ao contrário, não ganham identidade a partir de uma

projeção da sua dimensão material. Palavras, sintagmas, sentenças não são

entidades distinguíveis a partir da sua dimensão material. É na relação com o

plano do enunciável que esses ‘objetos’ ganham identidade."

( p. 33)

PROCEDIMENTOS

A fim de produzirmos uma explicação consistente para a questão central de nossa

proposta de pesquisa, recorremos a uma coletânea com um número expressivo de provérbios

da língua portuguesa, a qual nos serviu de base de dados. São exemplos como “Quem avisa

amigo é!”, “Só aquele que puder zelar pelo bem dos outros merecerá seu próprio bem” ou

“Bom nome é melhor que riqueza”. Além disso, também nos valemos de um pequeno corpus

que reunimos de ocorrências de slogans do tipo “Hemominas – Quem doa sangue doa vida”17

e “Chato é aquele que suja a praia”18, em cuja configuração reconhecemos a produtividade de

um modo de enunciação proverbial. Tomando os provérbios e essas demais sentenças como

base, procuraremos explicar a construção sintática e enunciativa do que poderíamos chamar

de genericidade proverbial.

Não se trata, porém, de uma proposta de estudo centrada na singularidade das

ocorrências do corpus, i.e., não propomos um estudo de caso. Dessa forma, as sentenças do

corpus devem suscitar manipulações como testes de aceitabilidade e paráfrase (ORLANDI,

GUIMARÃES e TARALLO, 1989). A comutação de constituintes nos lugares sintáticos

consiste, portanto, em nosso procedimento metodológico básico, além de termos trabalhado

com a permuta de tempos verbais e com a comparação entre as sentenças proverbiais e

sentenças com status de provérbio e que não são construídos pela estrutura Quem/Aquele que

x y. Nesse sentido, trabalhamos com o que Dias (2006a) denominou de exemplo-colméia.

Como dissemos, as sentenças que constituem o nosso corpus são ilustrativas da

ocupação do lugar de sujeito pelas expressões pronominais indefinidas Quem e Aquele que,

estando, portanto, no modo de enunciação que chamamos de proverbial. Na condição de

exemplos-colméia, sentenças como “Guaraná Antártica – Quem é o que é sabe o que quer”19

não só guardam relação como outras sentenças cuja construção se vale da estrutura

Quem/Aquele que x y, ou seja, com sentenças que efetivamente atualizam o modo de

enunciação proverbial, mas também guardam relação com uma rede de exemplos que

poderiam ser “elaborados para um fim específico de demonstração” (DIAS, 2006a). Dentro

desse propósito de trabalhar com uma colméia de exemplos, por vezes mobilizamos, para fins

comparativos, algumas sentenças que constituem sentido proverbial pela memória de

enunciações que carregam, como “A alegria do pobre dura pouco”, muito embora não sejam

17 Slogan publicitário da Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia de Minas Gerais.

18 Sentença encontrada em um espaço para propagandas na praia do Arpoador/Ipanema, cidade do Rio de

Janeiro.

19 Slogan que serve à propaganda de uma bebida produzida no Brasil.

36

sentenças proverbiais em nosso entendimento, já que não são construídas sobre a estrutura

Quem/Aquele que x y. Esses procedimentos se justificam porque propiciam o estabelecimento

de contrastes e, assim, nos permitem delinear de forma mais nítida o papel dessa estrutura na

constituição enunciativa das sentenças.

Por fim, devemos esclarecer que, justamente porque não nos propomos a fazer um

estudo de caso, como já dissemos, também não nos preocupamos com uma certa

“‘singularização’ dos exemplos” (DIAS, 2006a). Assim, podemos fabricar exemplos a partir

dos que foram encontrados no uso efetivo da língua ou na listagem de provérbios a que nos

referimos acima, construindo uma “colméia”, i.e., um conjunto de sentenças que mantêm

relação entre si e servem para ilustrar contrastes e fundamentar ou suscitar hipóteses."

(p. 36)

“... na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma relação com o mundo.

A condição dessa mobilização e dessa apropriação da língua é, para o locutor, a necessidade

de referir [...] A referência é parte integrante do discurso” (BENVENISTE, 1989:84)."

(p. 40)

"Segundo Pêcheux e Fuchs (1975)25 revisados por Possenti (2001:194), “toda atividade

de linguagem necessita destes pontos de ancoragem [eu-aqui-agora]” e, na medida em que é a

língua que oferece as possibilidades estruturais e as formas históricas do sentido (DIAS,

2004), reconhecemos na ocupação do lugar de sujeito por “Quem” uma estreita relação com a

temporalidade e com o modo de enunciação em que se configura a sentença (17). Nessa

compreensão, estamos aplicando um postulado fundamental na sintaxe de bases enunciativa, a

saber, que a exterioridade enunciativa seria constitutiva do fato gramatical.

Travaglia (1993:52) afirma que “o presente do indicativo [...] pode exprimir tempo

presente, futuro ou onitemporalidade”. Podemos admitir, porém, que a onitemporalidade da

sentença em (17), além de estar marcada no tempo verbal, apresenta-se impressa também no

pronome indefinido “Quem”. No que diz respeito ao modo de enunciação – que estabelece a

abrangência do escopo de referência da sentença – o elemento ocupante do lugar de sujeito

parece ser determinante para a inscrição dessa sentença em um modo de enunciação mais

generalizador. Apontamos essa relação entre a ocupação do lugar de sujeito e a configuração

dos elementos temporalidade e modo de enunciação da sentença (17) uma vez que tanto a

24 Nome de uma comunidade virtual (http://04029a396ed8811306.comunidade.uolk.uol.com.br/) acessada em 02

de dezembro de 2007.

25 Cf. PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. (1975) A propósito da análise automática do discurso: atualização e

perspectivas. In: GADET, F. & HAK, T. (Orgs.) Por uma análise automática do discurso: uma introdução à

obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993, p.163-252.

(p. 41)

É fato que a definição dos modos de enunciação contém a noção de referência. Dias

(2005:119), revisando a concepção de uma semântica do acontecimento, nos afirma que “a

referência se constitui na relação entre o acontecimento do dizer e o domínio histórico da

constituição desse dizer”, ou seja, se constitui na relação entre a enunciação e o seu passado

memorável. A concepção de que o processo de constituição de referência se dá no

acontecimento enunciativo, i.e., na atualização da sentença como enunciado, é salutar como

fundamento para os modos de enunciação, que são instâncias de configuração de referência.

O acontecimento enunciativo, segundo a compreensão que esboçamos em nosso

primeiro capítulo, organiza-se por uma cena que determina os modos específicos de acesso à

palavra segundo as relações entre as figuras da enunciação e as formas lingüísticas, portanto,

estabelecendo uma interface entre o enunciativo e o orgânico. Nessa cena enunciativa,

dispõem-se dois espaços de determinação em que se divide o Locutor: os lugares sociais e os

lugares de dizer.

De um lado, estão os lugares sociais historicamente constituídos que configuram os

recortes realizados pelo Locutor na memória de dizeres; recortes esses que se inscrevem nos

elementos lingüísticos que materializam o dizer. De outro lado, estão os lugares de dizer,

chamados enunciadores, pelos quais o Locutor, predicado por um lugar social, se representa

como origem do seu dizer, camuflando o lugar social que o constitui como Locutor e, assim,

fazendo-o representar o dizer como independente ou fora da constituição histórica dos

sentidos (GUIMARÃES, 2002). O lugar social, portanto, é o que autoriza o Locutor a dizer

construindo as filiações de sentido do que diz, ao passo que o enunciador determina a

representação do Locutor como origem desse dizer.

Na medida em que as filiações e as representações se dão sobre a materialidade

lingüística, em nosso caso, sobre a materialidade da sentença; e na medida em que essa

divisão nos parece determinante para a constituição da referência, sobretudo porque o lugar de

enunciador é o responsável pelo efeito de dizer desvinculado de coerções históricas e, por

MODOS DE ENUNCIAÇÃO

(26) Pedro desdenha os

carros da Pegeout porque

não tem dinheiro para

comprá-los.

(25) Aquele que

comeu o bolo está

em uma situação

difícil agora

(24) Toda criança

faz bagunça.

(23) Quem desdenha

quer comprar.

+ especificador + generalizador

50

conseguinte, nos parece ser o responsável pela maneira como se estabelece a relação entre o

dizer e o mundo sobre o qual ele diz, poderíamos supor uma associação entre os modos de

enunciação e essa divisão do Locutor. Diríamos, então, que os modos de enunciação estariam

associados precisamente ao domínio da representação do dizer – ao domínio do efeito –,

associados, portanto, ao lugar de enunciador na determinação do modo em que se configura a

referência construída pelo dizer, e não no domínio do subjacente – uma decorrência do lugar

social do Locutor – que determina os recortes na memória histórico-social de sentidos. Para

discutirmos essa questão, vejamos as sentenças (27) a (29) e novamente outras três sentenças

que já nos serviram de exemplo neste capítulo.

(27) Quem dança é mais feliz.

(28) Passarinho que acompanha morcego dorme de cabeça para baixo.

(29) Vidro quebra fácil.

(30) Um menino quebrou a j

( p. 50)

Temos, portanto, a representação de um

enunciador-individual (GUIMARÃES, 2002), cujo suporte se dá justamente pelo elemento

dêitico “nós”. Pensando que a referência dessa sentença produz um apontamento direto para a

instância de enunciação (BENVENISTE, 1989), diríamos que, quanto ao posicionamento na

escala dos modos de enunciação, a sentença em (32) está alocada na margem de maior

especificação, ou seja, ela perfaz um restrito escopo de referência.

(p. 510

A concepção de índice de referência com a qual trabalhamos aqui foi motivada pela

constatação de um fenômeno lingüístico apontado por Mondana e Dubois (2003), ao qual elas

chamaram “indicialidade da linguagem” 36. Segundo essas autoras,

a indicialidade da linguagem [...] quebra a ilusão de dar uma descrição

única e estável do mundo e sublinha sua necessária dependência

contextual. No lugar de ser atribuível a uma falta de eficácia do

sistema lingüístico e cognitivo, esta dimensão manifesta sua

capacidade de tratar a variabilidade das situações através de uma

categorização adaptativa. (p.40)

Entendendo essa indicialidade como decorrência de certa “instabilidade constitutiva das

categorias [...] lingüísticas” (MONDANA e DUBOIS, 2003:19) e deslocando essa noção da

perspectiva que a gerou, fundada em questões cognitivas, para a nossa perspectiva

enunciativa, diríamos que as sentenças proverbiais integram uma espécie de “categoria

adaptativa”. Para que esse traço da indicialidade fique mais claro, vejamos a relação que a

pequena fábula a seguir estabelece com a sua respectiva sentença de moral.

A formiga e a pomba 37

Uma formiga foi à margem do rio para beber água e, sendo arrastada

pela forte correnteza, estava prestes a se afogar.

Uma pomba que estava numa árvore sobre a água, arrancou uma folha

e a deixou cair na correnteza perto dela. A formiga subiu na folha e flutuou

em segurança até a margem.

Pouco tempo depois, um caçador de pássaros veio por baixo da árvore

e se preparava para colocar varas com visgo perto da pomba que repousava

nos galhos alheia ao perigo.

A formiga, percebendo sua intenção, deu-lhe uma ferroada no pé. Ele

repentinamente deixou cair sua armadilha e, isso deu chance para que a

pomba voasse para longe a salvo.

Moral: Quem é grato de coração sempre encontrará oportunidades para

mostrar sua gratidão.

Observando o elo semântico existente entre a sentença de moral, configurada em um

modo de enunciação mais generalizador – proverbial –, e a própria narrativa, cuja

configuração das sentenças constitutivas está em um modo de enunciação mais especificador,

podemos perceber que a sentença tem um valor denominativo em relação à situação que

36 Ao transpormos esta noção para o quadro de nossas análises, necessariamente fazemos ajustes, pois Mondana

e Dubois (2003) trabalham com questões cognitivas que consideram pertinentes à referenciação, ao passo que

trabalhamos aqui com questões enunciativas.

37 Esta versão da fábula “A formiga e a pomba” foi encontrada no sítio

http://www.helenamonteiro.com/fabulas/a_formiga_e_a_pomba.htm, acessado no dia 11 de dezembro de 2008.

(P. 53)

A concepção de índice de referência com a qual trabalhamos aqui foi motivada pela

constatação de um fenômeno lingüístico apontado por Mondana e Dubois (2003), ao qual elas

chamaram “indicialidade da linguagem” 36. Segundo essas autoras,

a indicialidade da linguagem [...] quebra a ilusão de dar uma descrição

única e estável do mundo e sublinha sua necessária dependência

contextual. No lugar de ser atribuível a uma falta de eficácia do

sistema lingüístico e cognitivo, esta dimensão manifesta sua

capacidade de tratar a variabilidade das situações através de uma

categorização adaptativa. (p.40)

Entendendo essa indicialidade como decorrência de certa “instabilidade constitutiva das

categorias [...] lingüísticas” (MONDANA e DUBOIS, 2003:19) e deslocando essa noção da

perspectiva que a gerou, fundada em questões cognitivas, para a nossa perspectiva

enunciativa, diríamos que as sentenças proverbiais integram uma espécie de “categoria

adaptativa”. Para que esse traço da indicialidade fique mais claro, vejamos a relação que a

pequena fábula a seguir estabelece com a sua respectiva sentença de moral.

A formiga e a pomba 37

Uma formiga foi à margem do rio para beber água e, sendo arrastada

pela forte correnteza, estava prestes a se afogar.

Uma pomba que estava numa árvore sobre a água, arrancou uma folha

e a deixou cair na correnteza perto dela. A formiga subiu na folha e flutuou

em segurança até a margem.

Pouco tempo depois, um caçador de pássaros veio por baixo da árvore

e se preparava para colocar varas com visgo perto da pomba que repousava

nos galhos alheia ao perigo.

A formiga, percebendo sua intenção, deu-lhe uma ferroada no pé. Ele

repentinamente deixou cair sua armadilha e, isso deu chance para que a

pomba voasse para longe a salvo.

Moral: Quem é grato de coração sempre encontrará oportunidades para

mostrar sua gratidão.

Observando o elo semântico existente entre a sentença de moral, configurada em um

modo de enunciação mais generalizador – proverbial –, e a própria narrativa, cuja

configuração das sentenças constitutivas está em um modo de enunciação mais especificador,

podemos perceber que a sentença tem um valor denominativo em relação à situação que

36 Ao transpormos esta noção para o quadro de nossas análises, necessariamente fazemos ajustes, pois Mondana

e Dubois (2003) trabalham com questões cognitivas que consideram pertinentes à referenciação, ao passo que

trabalhamos aqui com questões enunciativas.

37 Esta versão da fábula “A formiga e a pomba” foi encontrada no sítio

http://www.helenamonteiro.com/fabulas/a_formiga_e_a_pomba.htm, acessado no dia 11 de dezembro de 2008.

(P.55 )

A lebre e a tartaruga42

A lebre vivia a se gabar de que era o mais veloz de todos os animais.

Até o dia em que encontrou a tartaruga.

– Eu tenho certeza de que, se apostarmos uma corrida, serei a

vencedora – desafiou a tartaruga.

A lebre caiu na gargalhada.

Uma corrida? Eu e você? Essa é boa!

Por acaso você está com medo de perder? – perguntou a tartaruga.

É mais fácil um leão cacarejar do que eu perder uma corrida para você

– respondeu a lebre.

No dia seguinte a raposa foi escolhida para ser a juíza da prova.

Bastou dar o sinal da largada para a lebre disparar na frente a toda

velocidade. A tartaruga não se abalou e continuou na disputa. A lebre estava

tão certa da vitória que resolveu tirar uma soneca.

"Se aquela molenga passar na minha frente, é só correr um pouco que

eu a ultrapasso" – pensou.

A lebre dormiu tanto que não percebeu quando a tartaruga, em sua

marcha vagarosa e constante, passou. Quando acordou, continuou a correr

com ares de vencedora. Mas, para sua surpresa, a tartaruga, que não

descansara um só minuto, cruzou a linha de chegada em primeiro lugar.

Desse dia em diante, a lebre tornou-se o alvo das chacotas da floresta.

Quando dizia que era o animal mais veloz, todos lembravam-na de uma certa

tartaruga...

Moral: Quem segue devagar e com constância sempre chega na frente.

Esta versão da fábula “A lebre e a tartaruga” foi encontrada no sítio:

http://www.metaforas.com.br/infantis/a_lebre_ea_tartaruga.htm, acessado em 12 de dezembro de 2008.

43 Cf. WEINRICH, H. (1964). Tempus. Besprochene und Erzähite Welt. Trad. esp. Ed. Gredos, Madrid, 1968.

(P. 57)

Dentre outros, um trabalho de KOCH (2002), retomando um estudo de Weinrich43 a

respeito dos tempos verbais, mostra que o presente do indicativo é a forma verbal de

expressão dessa onitemporalidade. Segundo a autora (p.37),

na gramática de M. Grevisse, ‘Le bom usage’, no capítulo destinado ao

presente, diz-se, em primeiro lugar, que este designa o tempo presente;

depois que designa um hábito; a seguir, que exprime ações atemporais; e,

finalmente, que pode expressar coisas passadas e futuras.

Dessa forma, se a temporalidade característica das sentenças proverbiais tende a se

42 Esta versão da fábula “A lebre e a tartaruga” foi encontrada no sítio:

http://www.metaforas.com.br/infantis/a_lebre_ea_tartaruga.htm, acessado em 12 de dezembro de 2008.

43 Cf. WEINRICH, H. (1964). Tempus. Besprochene und Erzähite Welt. Trad. esp. Ed. Gredos, Madrid, 1968.

58

ancorar principalmente no presente do indicativo (vide página 41, citação de Travaglia, 1993),

ela parece se constituir fazendo diferença dentro do potencial expressivo dessa forma verbal,

i.e., fazendo diferença com outras expressões veiculadas por essa forma verbal, como

atualidade, que poderíamos exemplificar pela sentença “O mundo está em crise”, ou

habitualidade, expressão da qual um exemplo seria uma sentença recorrente como “João

fuma”. Diante de tal versatilidade de comportamento semântico, o que parece favorecer a

suscetibilidade dessa forma verbal à diversidade de configurações enunciativas, devemos nos

questionar aqui quais são os elementos que entram na sintaxe das sentenças proverbiais e, em

articulação com o presente do indicativo, despontam a constituição da onitemporalidade nas

sentenças proverbiais. Tratemos essa questão tomando como base as seguintes sentenças.

(39) Quem se mete a Redentor sai crucificado.

(40) Aquele que despreza o moinho despreza a farinha.

(41) A atividade sem juízo é mais ruinosa que a preguiça.

Tais exemplos nos mostram uma informação em caráter de evidência, qual seja: o

presente do indicativo atuando na constituição da onitemporalidade dessas sentenças. Nas

sentenças (39) e (40), admitimos que esse traço, além de estar marcado no presente verbal,

apresenta-se impresso também nas expressões “Quem” e “Aquele que”, constituintes dos

elementos ocupantes do lugar de sujeito. Dizemos isso porque, tendo em vista a indicialidade

não-saturada que reconhecemos nos enunciados proverbiais e, por conseguinte, a nãosaturação de Quem e Aquele que, acreditamos que tais expressões, sendo elas pronominais,

carregam por si mesmas o traço da onitemporalidade. Em contrapartida, a expressão “A

atividade sem juízo”, ocupante do lugar de sujeito na sentença (41), não traz consigo a marca

de onitemporalidade. Diversamente das expressões pronominais em análise, “A atividade sem

prejuízo”, expressão encapsuladora, parece angariar esse traço apenas ao entrar na articulação

sintática de uma sentença configurada em um modo de enunciação proverbial, pois não

apresenta em sua constituição interna, isolada, qualquer indicador de indicialidade.

( P. 58)

NOTA EXPLICATIVA (INTERESSANTE)

[sobre a] temporalidade prospectiva, que está no domínio temporal do que ainda

não foi e nem é, mas do que será a partir da instância enunciativa, i.e., lançam-se para o

futuro. A diferença entre a sentença (43) e as sentenças (44) e (45) parece se estender da

temporalidade de cada uma delas para a referência que o elemento pronominal “Quem”

constitui. [em abaixo, retoma:] "Tomemos as

sentenças de (43) a (47) como ponto de partida para essa reflexão.

(43) Quem ri por último ri melhor.

(44) Quem rir por último ri melhor.45

(45) Quem matar aula vai se ver comigo no final do semestre.46

(46) Aquele que comeu o bolo deve estar preocupado. [27]

(47) Quem plantou colheu." [Então, veja a nota 45: ]

Nº 45: Considerando os preceitos da gramática tradicional, notamos nesta sentença um equívoco de paralelismo, pois

ela articula a forma verbal do presente do subjuntivo, “rir”, com a forma do presente do indicativo, “ri”, quando

na verdade o mais adequado seria a segunda ocorrência do verbo estar no futuro do presente do indicativo,

“rirá”. Apesar dessa inadequação, do ponto de vista tradicionalista, reproduzo aqui a sentença tal como ela foi

encontrada, constituindo o slogan para a publicidade de uma peça humorística, pelo Professor Luiz Francisco

Dias e repassada a mim."

(p. 60)

Apresentando-nos a conformação dessas sentenças, a autora retoma Carlson (1977;

1982) em estudo acerca dos plurais nus, “sintagmas nominais plurais [...] que ocorrem sem

determinante” (MÜLLER, 2003:154), como “cães”, “filhos” ou “cidades”. Segundo Carlson53

(apud MÜLLER, 2003), esses plurais “são sempre nomes próprios de espécies (‘kinds’) e

suas diferentes interpretações são geradas pelos diferentes tipos de predicados que a eles se

aplicam” (MÜLLER, 2003:155). Ele se refere à diferenciação interpretativa entre espécie de

indivíduos, que são “grupos de entidades definidas culturalmente” e objetos, que seriam

exemplares de indivíduos. Quanto aos predicados, Carlson (apud MÜLLER, 2003:155)

propõe a sua categorização em dois tipos: (a) predicados-de-indivíduos e (b) predicados-deestágio.Vejamos os exemplos (60) e (61) abaixo, também tomados de empréstimo do texto de

Müller (2003:155), mas aqui traduzidos para o português54

.

53 Cf. CARLSON, G. (1977). A unified analyses of the English bare plural. Linguistics and Philosophy. n.1. New

York: Springer Netherlands, p. 413-456.

______. (1977). Reference to kinds in English. Ph.D. dissertation, University of Massachusetts, Amherst. New

York: Garland Press, 1980.

______. (1982). Generic terms and generic sentences. Journal of Philosophical Logic. n. 11. New York:

Springer Netherlands, p. 145-181.

54 Tradução nossa.

( p. 72)

No que concerne à articulação que perfaz a estrutura dessas sentenças, já vimos que

sentenças proverbiais, como a (63), constroem-se sobre a base de uma estrutura implicativa.

Para as sentenças generalizantes, Müller (2003:161) nos apresenta uma proposta de Heim

(1982)55 em que, motivada por um estudo de sentenças condicionais desenvolvido por Lewis

(1975 apud MÜLLER, 2003:161),56 ela proporia uma articulação entre uma restrição –

conjunto de condições – e uma matriz – conjunto de conseqüências. E, completando essa

linha, Krifta (1988; 1995 apud MÜLLER, 2003:161)57 sugere que, sobre esses dois

“argumentos” – restrição e matriz – atuaria um operador genérico. Assim, segundo esses

55 Cf. HEIM, I. (1982). The semantics of definite and indefinite noun phrases. Tese de doutorado,University of

Massachusetts, Amherst.

56 Cf. LEWIS, D. (1975). Adverbs of quantification. In: KEENAN, E. (Ed.). Formal semantics of natural

langages,. Cambridge: Cambrige University Press, p. 3-15.

57 Cf. KRIFTA, M. et al. (1995). Genericity. An introduction. In: CARLSON, G. & PELLETIER,F. J. (Eds.).

The generic book. Chicago & London: The University of Chicago Press.

KRIFTA, M. (1995). Focus and the interpretation of generic sentences. In: CARLSON, G. & PELLETIER,F. J.

(Eds.). The generic book. Chicago & London: The University of Chicago Press.

______. (1988). The relational theory of genericity. In: ______. (Ed.). Genericity in natural language. SNSBrericht 88-42, University of Tübingen.

(p. 74)

Esquema: Continuum dos modos de enunciação

(p. 75)

A título de exemplo, mencionemos aqui mais uma vez os trabalhos de

Kleiber (2000), Perrin (2000) e Schapira (2000).

Kleiber (2000) ressalta, portanto, que o sentido da sentença

que o materializa não coincide com o sentido do provérbio enquanto tal.

Nota nº 59 Kleiber (2000:45), considerando quais seriam as condições para que uma sentença genérica venha a ser um provérbio, diz que a primeira observação feita é sobre o fato de que os provérbios parecem se restringir aos homens, diferentemente de outras frases genéricas que podem versar sobre todo tipo de entidade.

Perrin (2000:75), por sua vez, também aponta o traço metafórico na descrição de algumas sentenças proverbiais.

Schapira (2000:88) afirma que a metaforicidade é um dos traços

definidores mais característicos das fórmulas proverbiais, ...

(p. 76)

A partir de uma abordagem

“situada na interface da semântica com a pragmática cognitiva”, afirmariam que

todo enunciado é uma interpretação de um pensamento – a proposição

expressa por ele assemelha-se a um pensamento que o falante pretendeu

comunicar – [...] a metáfora é uma figura de linguagem que explora a

interpretação nesse nível, pois ao usá-la o falante pretende comunicar um

pensamento mais complexo e seu enunciado permitirá que muitas suposições

sejam deriváveis dele. (Silveira, 2004:219-220)

Aqui, o parâmetro que determina a literalidade do enunciado é o pensamento.

Ressaltamos, porém, que o enunciado é concebido como uma interpretação do pensamento, e

não como uma representação dele61, o que liberta o enunciado da pretensão de coincidir com

o pensamento. Nesse sentido, a “literalidade é apenas um caso especial de semelhança

interpretativa”, enquanto “as linguagens figuradas ou metafóricas” são “interpretações menosque-literais dos pensamentos do falante” (SILVEIRA, 2004:218; 220). De acordo com

Silveira (2004:226), “a literalidade é tratada por Sperber e Wilson como um caso limite, não

como uma norma [...] havendo muitos casos em que o enunciado literal não é o mais

relevante”. Para eles, “a literalidade é simplesmente um caso de semelhança [...] e não tem

qualquer status privilegiado”.

Percebemos então que, os diferentes níveis de semelhança entre as formas

proposicionais do pensamento e do enunciado não correspondem a diferenças nos elementos

envolvidos no processo de compreensão, o qual é compreendido “como um processo de

identificar a intenção informativa do falante” (SILVERIA, 2004:220). Em outras palavras,

independentemente de a forma lingüística ser literal ou metafórica, a compreensão será o

resultado da interação entre determinações lingüísticas e contextuais, interação de processos

gramaticais e pragmáticos que visa “preencher o hiato entre as representações semânticas das

sentenças e a interpretação de enunciados no contexto” (SILVEIRA, 2004:221 revisando

WILSON e SPERBER, 1991)62

3.3.5.3 A metáfora como um fenômeno sintático e enunciativo

Passemos agora a algumas reflexões acerca da constituição enunciativa do sentido

61 Estamos descartando aqui a noção de representação em sentido estrito, que consideraria o enunciado como

uma descrição do pensamento. Mas, em sentido amplo, podemos dizer que o enunciado representa o

pensamento, uma vez que este último só se manifesta pelo primeiro.

62 Cf. WILSON, D; SPERBER, D. Loose talk. In: DAVIDS (Ed.). Pragmatics – A reader. New York, Oxford:

University Press, 1991.

(p. 80)

Consideremos ainda um último exemplo antes de finalizarmos essa reflexão.

(66) Quem tem telhado de vidro não atira pedras no do vizinho.

84

Assim como a sentença de moral da fábula “O homem, seu filho e o burro”, a sentença

em (66) constrói um índice de referência ancorado na ocupação do lugar de sujeito pelo

pronome “Quem”. Como ocupantes dos lugares objeto, temos “telhado de vidro” para o verbo

ter e “pedras” para o verbo atirar, que constituem um parâmetro de referência, realizando um

desdobramento referencial. A articulação que se estabelece entre “ter telhado de vidro” e

“jogar pedra no telhado do vizinho” constitui, por um desdobramento referencial, uma

estrutura de inteligibilidade paralela, uma medida de razoabilidade que incide sobre a relação

entre vulnerabilidade e perversidade.

Observemos o quadro abaixo em que demonstramos de forma comparativa a

constituição da genericidade proverbial das três últimas sentenças analisadas nesta seção.

Mais precisamente, procuramos demonstrar o movimento metafórico de constituição da

estrutura de inteligibilidade de cada uma delas, ou seja, o movimento de constituição de uma

referência proverbial.

Desenvolvimento da estrutura de inteligibilidade

Belas penas não fazem belos pássaros.

Sentido proverbial  A relação entre aparência e essência.

Sentido proverbial  Quem quer agradar todo mundo no fim não agrada ninguém.

Quem tem telhado de vidro não atira pedras no do vizinho.

Sentido proverbial  A relação entre vulnerabilidade e perversidade.

Quadro: Estrutura de inteligibilidade

Enfim, a metaforicidade, que se faz por um “jogo sobre as regras” da língua, sobre um

confronto entre o presente do acontecimento e a virtualidade discretizada dos elementos

lingüísticos na língua, parece ser um fenômeno favorável à construção da genericidade

proverbial. Dizemos isso porque ela desencadeia um distanciamento em relação à temática

veiculada pela literalidade da sentença e isso faz com que essa mesma sentença ganhe

potencialidade de aderência a diversos domínios enunciativos. Ou seja, a sentença “Belas

penas não fazem belos pássaros” não se resume à inteligibilidade ligada ao domínio de uma

85

enunciação sobre aves, nem a sentença “Quem tem telhado de vidro não atira pedra no do

vizinho” se restringe ao domínio enunciativo da construção civil.

A despeito desse distanciamento, não podemos perder de vista que a referência

metafórica reside sobre uma espécie de comparação e, por isso, realiza um movimento duplo

(CANDIDO, 1992:41), a saber: ao mesmo tempo em que perturba o nexo estabelecido na

virtualidade discreta da língua, no sentido de que perturba uma estabilidade referencial de

efeito de apontamento para o mundo; em certa medida, preserva esse mesmo nexo para

garantir o acesso à inteligibilidade construída pelo sentido proverbial. Queremos dizer,

portanto, que o distanciamento em relação à temática da dimensão literal da sentença não

significa uma ruptura, estando essa literalidade na raiz do sentido metafórico, tanto que, se

modificássemos um elemento qualquer que constitui a sentença, por exemplo, se

intercambiássemos “[telhado] do vizinho” por “próprio telhado”, criando a sentença “Quem

tem telhado de vidro não atira pedras no próprio telhado”, teríamos a construção de um

sentido proverbial diverso, a construção de uma medida de razoabilidade acerca da relação

entre vulnerabilidade e consciência, talvez.

A razão entre nexo e distanciamento parece trazer a medida da constituição do traço

indexical em sentenças proverbiais metafóricas. Dizemos isso porque o nexo produz o recorte

do domínio de atuação do índice de referência, ao passo que o distanciamento confere a esse

índice o caráter da insaturação. No que diz respeito a sentenças que contam com a presença

das expressões Quem ou Aquele que, é mister admitir que a metaforicidade não é um recurso

sine qua non para a constituição da proverbialidade dessas sentenças, i.e., trata-se de um

recurso secundário, como podemos verificar pela ausência dele em diversos exemplos

mobilizados até aqui.

Assim, a despeito de essas expressões serem passíveis de também construir uma

projeção de referência, segundo a temporalidade estabelecida na sentença em que figuram,

arriscamos a dizer que, no caso de estarem articuladas a combinações de formas verbais que

favorecem a constituição de onitemporalidade, elas figuram como índices de proverbialidade.

Na verdade, contamos com indícios de que tais expressões sejam índices enunciativos, pois

parecem absorver por completo os ensejos do modo de enunciação das sentenças em que

estão inseridos. No escopo das sentenças proverbiais, as expressões Quem e Aquele que

demandam exclusivamente a construção de uma estrutura implicativa, além de já produzirem

por si mesmas, no seu estado virtual na língua, um espaço de referência insaturado, ou seja, já

produzirem no seu próprio domínio um índice insaturado de referência genérica. Da mesma

forma, no caso das sentenças projetivas, elas também demandam uma estrutura que projeta

86

uma condição e uma conseqüência, além de configurarem no seu próprio domínio uma

referência projetiva.

(p. 83-86)

fonte: http://www.poslin.letras.ufmg.br/defesas/1278M.pdf

_______________________

SUMÁRIO

http://www.poslin.letras.ufmg.br/defesas/1278M.pdf

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

-------------------------------------------------------------------- 10

I Apresentação -------------------------------------------------- 10

II Da organização dos capítulos --------------------------------12

CAPÍTULO 1 – Da relação entre organicidade lingüística e enunciação -------------------------- 14

1.1 A enunciação na estrutura da língua ---------------------- 14

1.2 Uma sintaxe de bases enunciativas ------------------------------------------------- 15

1.2.1 O fundamento da noção de acontecimento ------------------------------- 16

1.2.2 Princípios gerais -------------------------------------------------------------- 18

1.2.3 Os lugares sintáticos --------------------------------------------------------- 22

1.3 Sobre a referência --------------------------------------------------------------------- 25

CAPÍTULO 2 – Fundamentos metodológicos --------------------------------------------------------- 29

2.1 A questão do ponto de vista --------------------------------------------------------- 29

2.2 Do tipo de sentenças em análise ---------------------------------------------------- 33

2.3 Procedimentos ---------------------------------- 35

CAPÍTULO 3 – Um olhar sobre a sintaxe e a semântica de sentenças proverbiais: análises de

bases enunciativas ------------------------------------------ 37

3.1 Comparando os lugares sintáticos de sujeito e de objeto: as categorias de

referência ---------------------------------------------- 37

3.2 A interface sintaxe-enunciação em sentenças proverbiais ---- 41

3.2.1 A configuração do lugar de sujeito ----------------- 41

3.2.2 A configuração do lugar de objeto ----------------- 44

3.2.3 Fazendo um balanço ------------------------------- 45

3.3 O modo de enunciação proverbial ------------------ 47

3.3.1 A construção de um índice de referência --------- 53

3.3.2 A questão da temporalidade ---------------------- 56

3.3.3 A estruturação implicativa -------------------------------------------------- 62

3.3.3.1 Da discrepância entre o material e o simbólico ----------------- 62

3.3.3.2 Da constituição material e simbólica do sentido implicativo -- 63

3.3.4 Sentenças generalizantes: estabelecendo um breve contraste ---------- 71

3.3.5 A questão da metaforicidade --------------------- 76

3.3.5.1 A visão tradicional ------------------------------ 76

3.3.5.2 Breve retomada de uma visão comunicativo-cognitivista ----- 78

3.3.5.3 A metáfora como um fenômeno sintático e enunciativo ------- 79

3.4 “Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga” -------------------- 86

CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------ 88

I Síntese ------------------------------------------------- 88

II Perspectiva ----------------------------------------- 89

REFERÊNCIAS --------------------------------------------------------- 90

____________

REFERÊNCIAS

Dissertações defendidas

Clique em: http://www.poslin.letras.ufmg.br/diss_defesas_listagem.php

Priscila Brasil Gonçalves Lacerda

Luiz Francisco Dias

Sentenças Proverbiais: um estudo sintático- semântico de bases enunciativas

20/02/2009

FONTE ACIMA EM:

http://www.poslin.letras.ufmg.br/defesas/1278M.pdf

_

REFERÊNCIAS

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Yara Rosa Bruno da Silva

Fábio Bonfim Duarte

AS CAUSATIVAS SINTÉTICAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL: NOVAS EVIDÊNCIAS A FAVOR DA ESTRUTURA BIPARTIDA DO VP - 01/06/2009

Diretrizes para Intervenções e Preservação - Igreja do ... - Issuuissuu.com › thiagotorina › docs › tfg_ii_thiago_torina_issuu

4 de dez. de 2017 - ... Divino e recentemente o tombamento do sotaque ''Caipiracicabano''. ... Segawa (1998) destaca a afirmação do engenheiro G. R. Gabaglia ...

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“MAIS VALE QUEM DEUS AJUDA DO QUE QUEM CEDO MADRUGA”

64 Esta sentença foi-me lembrada pela Professora Maria Luisa Braga durante os comentários que fez sobre o meu

trabalho após minha apresentação no I SETED – I Seminário de Teses e Dissertações, promovido pelo Programa

de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras da UFMG, em 2008.

(p. 86)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

... diferentes configurações desse lugar conferem

às sentenças a condição de constituir espectros de referência distintos.

... a metáfora se constitui em um “jogo sobre as regras” da língua.

(p. 88)

Além disso, acreditamos que as direções que percorremos em nossa análise,

sobretudo ao delinear o nosso escopo segundo o modo de enunciação em que se configuram

as sentenças, podem contribuir para abrir pertinência para outros estudos sintáticos.

(p. 89)

J B Pereira e http://www.poslin.letras.ufmg.br/diss_defesas_listagem.php & http://www.poslin.letras.ufmg.br/defesas/1278M.pdf
Enviado por J B Pereira em 28/02/2020
Reeditado em 03/03/2020
Código do texto: T6876563
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