Língua estranha II
Língua estranha II
- Filho, vem sentar na mesa para almoçar.
...
- O que você está fazendo aí?
- Estou sentado na mesa, como você pediu.
- Então desce da mesa e senta na cadeira.
- Mãe, a gente diz “sentar-se à mesa” e não “na mesa”.
- Tá bom, então vai sentar-se à cadeira e obedece sua mãe.
- Mãe, a gente diz “sentar-se na cadeira” porque a gente se senta em cima da cadeira e diz “sentar-se à mesa” porque a gente se senta junto à mesa.
- Outra coisa, mãe, é masssss e não “mais”: “mas” obedece. Eu posso “obedecer a você”, mas não dá para obedecer você. Você precisa aprender essas coisas. É a nossa língua!
- Hoje ele tirou o dia prá me aborrecer. Para de assistir TV e senta logo para almoçar.
- Mãe, a gente “assiste à TV”; esse “a” tem crase, lembra?
- Lembro: não é crase; é classe. A gente precisa ter classe.
- “Classe” é uma coisa e “crase” é outra. Por exemplo, você vai à feira. Esse “a” é craseado.
- Eu vou mesmo é na feira.
- Não, mãe. Você está “na feira” porque foi “à feira”. Você está “no banco” porque foi “ao banco”.
- Mais ... “massssss” ... ninguém fala assim!
- Mãe, eu posso assistir você depois, com a louça.
- Ué, assistir eu prá quê? Não quero ninguém me xeretando.
- Não, aqui “assistir” é como ajudar. Eu “assisto você com a louça” significa que eu ajudo na hora de enxugar ou guardar as coisas. É diferente de “assistir ao filme” ou “assistir à TV”.
- Também não se diz “assistir eu”. É me assistir.
- Tá bom. Agora come se não esfria.
...
- Ih, o feijão ficou sem sal; tá sonso.
- Não mãe. O feijão está “insosso”; sem sabor, faltou sal.
- E o que está bom prá você hoje, meu filho?
- Você, mãe. O seu coração de mãe que eu amo mesmo falando tudo errado.
- Então come tudo prá ensinar sua mãe a melhorar nessa língua estranha.