"Fazer dicionários sempre foi muito perigoso"
Ilustração: Capa do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea - Lisboa, Verbo, 2001
APRESENTAÇÃO
Cara(o),
Já postamos aqui no GUIMAGUINHAS textos sobre dicionários, como estes:
- Gustavo Barroso e o Dicionário da Língua Portuguesa
- Dicionários de regência
Pois bem, agora vamos falar sobre o "perigo que é fazer dicionário".
Vamos em frente!
"FAZER DICIONÁRIOS SEMPRE FOI MUITO PERIGOSO"
Se os ofícios da língua e literatura são extremamente árduos, sobre eles o de dicionarista constitui colossal trabalho de pesquisa, método e dedicação.
Imagine, por exemplo, que na feitura do Dictionaire de la langue française, um dos mais famosos daquele idioma, Littré consumiu 30 anos de sua vida, trabalhando quatorze horas por dia.
Com efeito, raramente haverá bons lexicógrafos se não houver dedicação quase apostólica à tarefa. Antenor Nascentes, por exemplo, na 2a. edição do seu dicionário etimológico, consignou que recebeu tantas críticas e nenhum reconhecimento pela sua desmedida pesquisa e dedicação àquela obra que quase não mais a republica.
Capa do Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes
Aurélio Buarque, no prefácio do Novo Dicionário Aurélio (Editora Nova Fronteira, 1975), menciona suas imensas dificuldades na construção da obra e diz que nem sempre o estrênuo trabalho do dicionarista é valorizado.
Para ilustrar esse fato, ele narra que os três responsáveis pela organização do Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa não puderam concluir a obra.
Durante período em que trabalharam, de 1779 a 1793, um deles morreu e dois ficaram cegos, e a obra foi interrompida no primeiro volume, que terminou com a letra A, em azurrar (= zurrar, de zurro, a voz do burro).
Pois bem. Por extrema infelicidade dos pobres lexicógrafos portugueses, “a piada estava madura, pronta para colher” e não tardou para o escritor Alexandre Herculano glosar, na lenda A Dama Pé-de-Cabra (do livro Lendas e Narrativas), o seguinte:
Meus(minhas) caros(as),
Vejam como está cheio de razão o prof. Cláudio Moreno, quando diz, parodiando Guimarães Rosa:
― Fazer dicionário sempre foi muito perigoso.
“222 anos depois...”
[José da Fonseca] “morreu de lentas e dolorosas enfermidades contraídas nas vigílias da mais opressiva tarefa.”
(RAMALHO ORTIGÃO, comentando a morte de um dos lexicógrafos do Dicionário da Academia)
Se podemos de alguma forma compensar a melancolia da nota acima, devemos registrar que, 222 anos depois, houve um “final feliz” para a infausta história do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa.
De fato, em 2001, após 12 anos de trabalho, coordenado por João Malaca Casteleiro, foi, finalmente, concluído Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, em dois volumes, 3.872 páginas, Editora Verbo, Portugal.
Voltado para o idioma não só de Portugal, mas para o que é falado em oito países por 200 milhões de pessoas, o dicionário constitui um passeio pela língua portuguesa. Contém acepções de todas elas, 6 mil brasileirismos, inclusive.
Referências
- Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa - Antenor Nascentes - Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1952
- Novo Dicionário Aurélio, Nova Fronteira, 1975
- Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea - Lisboa, Verbo, 2001
- A Dama Pé-de-Cabra. Alexandre Herculano. In Lendas e Narrativas - Bertrand - vol. 2 - Disponível aqui
Ilustração: Capa do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea - Lisboa, Verbo, 2001
APRESENTAÇÃO
Cara(o),
Já postamos aqui no GUIMAGUINHAS textos sobre dicionários, como estes:
- Gustavo Barroso e o Dicionário da Língua Portuguesa
- Dicionários de regência
Pois bem, agora vamos falar sobre o "perigo que é fazer dicionário".
Vamos em frente!
"FAZER DICIONÁRIOS SEMPRE FOI MUITO PERIGOSO"
Se os ofícios da língua e literatura são extremamente árduos, sobre eles o de dicionarista constitui colossal trabalho de pesquisa, método e dedicação.
Imagine, por exemplo, que na feitura do Dictionaire de la langue française, um dos mais famosos daquele idioma, Littré consumiu 30 anos de sua vida, trabalhando quatorze horas por dia.
Com efeito, raramente haverá bons lexicógrafos se não houver dedicação quase apostólica à tarefa. Antenor Nascentes, por exemplo, na 2a. edição do seu dicionário etimológico, consignou que recebeu tantas críticas e nenhum reconhecimento pela sua desmedida pesquisa e dedicação àquela obra que quase não mais a republica.
Capa do Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes
Aurélio Buarque, no prefácio do Novo Dicionário Aurélio (Editora Nova Fronteira, 1975), menciona suas imensas dificuldades na construção da obra e diz que nem sempre o estrênuo trabalho do dicionarista é valorizado.
Para ilustrar esse fato, ele narra que os três responsáveis pela organização do Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa não puderam concluir a obra.
Durante período em que trabalharam, de 1779 a 1793, um deles morreu e dois ficaram cegos, e a obra foi interrompida no primeiro volume, que terminou com a letra A, em azurrar (= zurrar, de zurro, a voz do burro).
Pois bem. Por extrema infelicidade dos pobres lexicógrafos portugueses, “a piada estava madura, pronta para colher” e não tardou para o escritor Alexandre Herculano glosar, na lenda A Dama Pé-de-Cabra (do livro Lendas e Narrativas), o seguinte:
“O onagro [uma espécie de jumento] fitou as orelhas e, em sinal de aprovação, começou a azurrar; começou por onde, às vezes, academias acabam.”
Meus(minhas) caros(as),
Vejam como está cheio de razão o prof. Cláudio Moreno, quando diz, parodiando Guimarães Rosa:
― Fazer dicionário sempre foi muito perigoso.
“222 anos depois...”
[José da Fonseca] “morreu de lentas e dolorosas enfermidades contraídas nas vigílias da mais opressiva tarefa.”
(RAMALHO ORTIGÃO, comentando a morte de um dos lexicógrafos do Dicionário da Academia)
Se podemos de alguma forma compensar a melancolia da nota acima, devemos registrar que, 222 anos depois, houve um “final feliz” para a infausta história do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa.
De fato, em 2001, após 12 anos de trabalho, coordenado por João Malaca Casteleiro, foi, finalmente, concluído Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, em dois volumes, 3.872 páginas, Editora Verbo, Portugal.
Voltado para o idioma não só de Portugal, mas para o que é falado em oito países por 200 milhões de pessoas, o dicionário constitui um passeio pela língua portuguesa. Contém acepções de todas elas, 6 mil brasileirismos, inclusive.
Referências
- Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa - Antenor Nascentes - Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1952
- Novo Dicionário Aurélio, Nova Fronteira, 1975
- Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea - Lisboa, Verbo, 2001
- A Dama Pé-de-Cabra. Alexandre Herculano. In Lendas e Narrativas - Bertrand - vol. 2 - Disponível aqui