QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO DA LETRA

Na antológica O Mundo É Um Moinho, do mestre Cartola (1908-1980), há um trecho que exige a atenção, mormente dos intérpretes, quanto ao seu real sentido. Vejamos:

Ouça-me bem, amor

Preste atenção, o mundo é um moinho

Vai triturar teus sonhos, tão “mesquinho”

Vai reduzir as ilusões a pó.

Coloquei entre aspas a palavra que pretendemos analisar.

Para concordar com sonhos o correto seria a utilização do plural, mesquinhos. Contudo, encontramos no próprio registro gravado, Cartola cantando “tão mesquinho”.

Ainda assim, alegando a suposta falta de concordância, não é difícil encontrarmos, garimpando na internet, o mesmo trecho da belíssima composição grafado com a palavra “mesquinhos” e muitos intérpretes também providenciam essa “correção” ao interpretar a canção.

Ora, os sonhos não são mesquinhos _ pelo menos não os de Cartola. Mesquinho é o mundo, que como um moinho (na analogia poética do compositor), tritura os sonhos e destrói as ilusões. Dessa maneira, segundo Cartola, os sonhos não são mesquinhos, o mundo é que é estreito, pequeno, mesquinho.

Outro exemplo está no trecho final da letra da canção A Cura, grande sucesso do cantor Lulu Santos do final da década de 80, que se não for bem interpretado, pode induzir-nos facilmente ao erro. Confiram:

Existirá

E toda raça então experimentará

Para todo mal, a cura.

Muitas pessoas acreditam que para todo mal, doença, flagelo etc. deve existir um antídoto ou uma cura, nesse caso podemos afirmar seguramente que “para todo mal há (o verbo haver traz o sentido do existir) cura”. No entanto, os versos da canção têm outra interpretação, que justifica o emprego do “a” no lugar de “há”.

Toda a raça que hoje experimenta a dor como efeito do mal, no futuro experimentará a cura. Ou seja, de acordo com os versos, quem experimenta o mal também experimentará a cura.