Causalidade: relativizando o erro

Professores de português, não poucas vezes temos dificuldades para transmitir aos alunos a semântica das orações subordinadas adverbiais. Ante os empecilhos, os estudantes acabam decorando as conjunções, fazendo um ato de fé e aceitando que certas conjunções são causais, outras finais, outras condicionais etc. Na verdade, acaba-se memorizando um conjunto predefinido de conectivos, e pronto!

Não poucas vezes, os alunos respondem como consequência o que, para a gramática, é finalidade, por exemplo; ou como causa o que, para os gramáticos, é condição. Por que isso ocorre?

Isso ocorre, porque conjunções causais, condicionais, consecutivas e finais se enquadram num grupo semântico mais abrangente, que José Carlos de Azeredo, autor de Fundamentos de gramática do português, rotula de grupo da causalidade, uma vez que entre orações introduzidas pelas citadas conjunções ocorre uma relação de causa e efeito. Vejamos a exemplificação seguinte:

A rua está molhada / porque choveu. Na ordem, as orações expressam o fato (efeito) e sua causa; a conjunção ‘porque’ se classifica como causal.

Se vocês estudarem / terão bons resultados. As orações expressam, na ordem, condição e consequência. A conjunção ‘se’ é classificada como condicional. Ocorre que a condição nada mais é do que uma causa hipotética. Portanto, quando um aluno classifica a primeira oração como causal, ele pode estar raciocinando muito corretamente, embora sua resposta não tenha amparo no rótulo tradicional.

O professor falou tão alto / que ficou rouco. As orações expressam, na ordem, causa e consequência. A conjunção ‘que’ classifica-se como consecutiva. Semanticamente, essa oração traduz um efeito natural.

O professor falou alto / para que fosse ouvido. As orações expressam, na ordem, causa e consequência. A conjunção ‘para que’ classifica-se como final. Semanticamente, essa oração traduz um efeito intencional. A classificação da segunda oração como consecutiva, portanto, está longe de ser um absurdo.

Como veem, em estruturas com orações causais, condicionais, consecutivas e finais, ocorre, entre as orações, um nexo semântico de causa e efeito, razão por que se pode considerar o conjunto como grupo da causalidade. Resumindo e, ao mesmo tempo repetindo, a causa é a motivação, a condição é a causa hipotética, a consequência é o efeito natural e a finalidade é o efeito intencional.

Acredito que, dessa forma, fique claro por que os estudantes, às vezes, têm dificuldades na identificação precisa dessas relações gramaticais, que, em última análise, representam, por parte da gramática, especificações semânticas de uma relação mais abrangente, qual seja, a causalidade.

Finalizando, cito Azeredo: "O termo causalidade refere-se [...] a qualquer relação de causa e efeito entre duas orações. Os conectivos empregados neste grupo tanto podem assinalar a causa (conectivos causais e condicionais) como o efeito (conectivos finais e consecutivos)".