Considerações sobre o emprego do presente do indicativo

O presente do indicativo, como o próprio nome diz, traduz em princípio os fatos que ocorrem no momento da fala. Trata-se do presente momentâneo, que ocorre, por exemplo, em “Cai chuva lá fora”, enunciado por mim proferido no exato momento em que escrevo estas anotações.

O usuário da língua tem, entretanto, uma percepção muito mais ampla do que possa ser tomado como presente, o que repercute nos usos desse tempo verbal. Fatos que ocorreram no passado, pela necessidade de enfatizá-los, ou até mesmo que ainda estão por acontecer, por se realizarem muito proximamente, podem ser verbalizados sob forma de presente.

Assim, por exemplo, quando se diz que “Em 1970, o Brasil vive a euforia do tricampeonato”, a forma verbal “vive” realça esse fato de nossa história futebolística, enfatizando-o, trazendo-o para o momento presente. Em uma palestra sobre futebol, por exemplo, essa declaração tem um poder de envolvimento maior sobre a plateia do que teria se fosse usada a forma verbal no pretérito perfeito. Já observaram que as manchetes de jornal empregam quase sempre as formas verbais no presente do indicativo? Com isso se procura engajar o leitor no processo narrado, tendo, portanto, um forte apelo a que se leia o texto e, logicamente, a que se compre o jornal. “Brasil ganha o penta” (manchete nossa) é certamente mais enfático do que “Brasil ganhou o penta”, em que, com a forma de pretérito perfeito, os atores do processo comunicativo se distanciam mais do fato narrado. Os gramáticos chamam de presente histórico ou narrativo a essas construções. Já em “Viajo amanhã bem cedo” o presente está empregado por um futuro prestes a se realizar.

E não acabam aí os matizes semânticos do presente do indicativo. Já notaram que os provérbios são citados no presente? Se eu conseguir terminar estas anotações (refiro-me ao projeto de um livro, fruto de leituras e leituras durante alguns anos), é possível que diga “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Veja que as formas verbais estão no presente. O que se pretende com isso é mostrar a universalidade do provérbio. A esse presente atemporal, cujos tentáculos atingem o passado e o futuro de uma forma indefinida, alguns autores chamam de universal, durativo ou acronístico. Seu emprego encontra-se na redação das leis, verdades científicas e dogmas como nos enunciados “Todos são iguais perante a lei”, “A Terra gira em torno de seu próprio eixo” e “Cristo está presente na eucaristia”.

Valemo-nos, também, de formas verbais no presente quando nos referimos a processos verbais que se realizam habitualmente, sem que necessariamente ocorram no momento em que se fala. Trata-se do presente frequentativo ou habitual em construções como “De manhã ele faz caminhadas” e “Não fumo, nem bebo”.

Observem, finalmente, que “Você me faz o trabalho” é uma forma de cortesia, que suaviza a rudeza do correspondente imperativo “Faça-me o trabalho”. Trata-se de outro emprego muito comum do presente do indicativo, forma de que o falante se vale para tornar suas ordens mais polidas.