RESGATANDO LINGUAGENS
RESGATANDO LINGUAGENS
Certamente quem ouve, transpostos vinte ou trinta anos e por vezes mais, trilhas sonoras de mensagens comerciais, (slogans, propagandas, anúncios, emissões publicitárias ou reclames) em se considerando distintos níveis de assimilação, bem como respeitando características próprias das vertentes de divulgação, recebe, de pronto, aos ouvidos, olhos e lábios a linguagem escrita ou falada. Ao mínimo esforço recorda-se, até com particularidades, da afetividade, da jocosidade e de atributos ou não que tornam a proposição inesquecível. Igualmente, confirma-se o inverso: através da asserção descortinam-se a clave e a pauta.
Que mecanismos são acionados a fim de que linguagens permaneçam latentes ou quebrem, de imediato, a letargia temporal? Sem ter, não mais do que sutis percepções, albergadas no branco do cabelo, e balouçadas em ondas poéticas, acreditamos que algumas são e sejam relevantes e preciosas.
Tendo em vista a simplicidade vocabular, sem que signifique pobreza, a mensagem requer, em especial, correção, clareza e criatividade para que alcance, indistintamente, todas as camadas sociais. Aditem-se impacto, sonoridade, dentre outros.
“Dura lex sed lex, no cabelo só Gumex”. Pérola jornalística do extraordinário Ary Barroso. A frase em latim, tão cara aos legisladores da Roma antiga, “A lei é dura, mas é a lei” talvez tenha permanecido, em se considerando a estrutura morfológica, salvo aos que escalam montanhas, na indiferença. A expressão elitizada não foi obstáculo ao consumo. A latinização não alterou, embora o contexto não revelasse a natureza do produto, a aceitação. Também não houve, conscientemente, respeito ou descrédito à imposição legal. A palavra ‘cabelo’ estabelece a natureza do artigo. Saliente-se ainda a omissão do verbo (elipse), quem sabe ‘usar’. Orações declarativa, imperativa (use), formal, função conativa. “No cabelo somente use Gumex.” Brilhantina, gel, fixador... O Gumex fixou rebeldes pelames, enquanto isso a rima fixou-se nos ‘recuerdos’.
“Fogos Caramuru, os únicos que não dão xabu.” É provável que muitos jamais tenham sabido o significado de ‘xabu’(explosão ou estouro do foguete ao queimar a escorva, algo que deu errado, que saiu do controle), contudo, a negativa (não) leva-nos a inferências positivas, ou seja, pretensões alcançadas. Outros tantos jamais souberam da personagem lítero-histórica Caramuru (tupi) significa homem do fogo. Por que sabê-lo? Cremos que não foi obstáculo a efusivas comemorações. Oração declarativa. Rima de substantivo/adjetivo.
“Phimatosan, Phimatosan... quando você tossir e a tosse repetir, Phimatosan renova seu apetite, afastando a bronquite. Melhor não tem. É o amigo que lhe convém. Phimatosan...” Rima pobre, fácil assimilação, em especial de verbos no infinitivo ‘ir’, e ‘em’, menos comum com a terminação ‘ite’. Infere-se que se não houver repetição da tosse, não há razão para o uso. Se repetir..., oração declarativa.
“Cole com Tenaz e descole se for capaz”. A comprovação de resultados, integralmente satisfatórios, verifica-se por um desafio, fundamentado em verbos contraditórios, ou seja, a antítese. A sentença curta e impactante reforçou-se com a presença da rima. Oração imperativa. Função apelativa. Revelou tanta eficácia que se agregou às lembranças.
“Se você comeu demais, fez mal. Se você bebeu demais, fez mal. Mas todo o mal, remédio tem, tome Sal de uvas Picot, faz bem.” Rima alicerçada em palavras de categoria gramatical distinta: verbo e advérbio. Os advérbios formam antítese (bem e mal). Sentenças condicionantes, emprego do imperativo (função conativa). Para atender à rima, inverteu-se (tem remédio/remédio tem).
“Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado, e, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o Rhum Creosatado.” Reclame fixado nos bondes cariocas no início do século vinte. Creditem-se os verbos ao extraordinário poeta Bastos Tigre. Palavras de categorias gramaticais distintas constituem a rima (passageiro/faceiro, acredite/ bronquite, lado/ Creosatado). Função formal. A polidez na linguagem é um retrato da época. O imperativo solicita e não ordena. A leitura levou muitos a olhar ao ‘tipo faceiro’ que viajava ao lado.
“Quem bate? É o frio. Não adianta bater, eu não deixo você entrar. As Casas Pernambucanas é que vão aquecer o meu lar. Vou comprar flanelas, lãs e cobertores, eu vou comprar nas Casas Pernambucanas. E nem vou sentir o inverno passar.” O jingle, ao propalar confecções, destinadas a amainar ou eliminar os rigores do inverno, direciona-se à estação e regiões de baixa temperatura. A rima, mais uma vez, torna-se elemento de consolidação. Fixam-se às terminações ‘ar’ e ‘ão’, rima pobre, expressivo número de vocábulos de fácil assimilação. Oração declarativa.
“Alka Seltzer existe apenas um e como Alka Seltzer não pode haver nenhum.” Constata-se o emprego, eufonicamente adequado, dos verbos ‘existir’ e ‘haver’. Em tese o uso seria indiferente, contudo, o emprego de um pelo outro ou a repetição, comprometeria a sonoridade. Vejamos: ’existe/há apenas um (a/a: hiato)... e não pode haver/existir (de/há: elisão). Lembrando que o verbo ‘existir’ é sempre pessoal, ou seja, temos a presença do sujeito. O verbo ‘haver’, quando substituível pelo verbo ‘existir’ é impessoal, ou melhor, sem sujeito. Exemplifiquemos: Não podem existir outros. Podem (no plural) em razão de outros, e verbo pessoal. Não pode haver (substituível pelo verbo ‘existir’/ pode: singular) outros. Embora tenhamos duas negativas ‘não’ e ‘nenhum’, a substituição, comprometendo a rima, alteraria a mensagem. Oração declarativa. Mais uma vez a rima facilita-nos a memorização.
“Já é hora de dormir, não espere mamãe mandar! Um bom sono pra você, e um alegre despertar! Saudosos tempos em que a inocência ia ao leito entre 20 e 21 horas. Convite de um indiozinho, símbolo da TV Tupi, chancela comercial – Cobertores Parahyba. Fácil assimilação, não só pela presença de rima corriqueira de verbos no infinitivo, mas, em especial, pela terna e ingênua trilha musical.
“O tempo passa, o tempo voa, e a poupança Banmerindus continua numa boa”. O bordão, de maneira subliminar, leva-nos à confiança na instituição bancária. Se continua ‘numa boa’, sem perigo de voar,... O tempo é ascendente (passa/voa). Desta vez trabalha-se com a rima rica (voa/boa: categoria gramatical diferente).
“Haiti, Haiti, Haiti, tá fazendo na cozinha, tá cheirando aqui!” Novamente a marca, pela repetição, é ressaltada. O uso da aférese (metaplasmo de supressão no início da palavra) – está/tá caracteriza a linguagem trivial. Quando não é possível identificar o sujeito (quem?) o recomendável é usar a 3ª pessoa do plural, (eles ou elas). Ex.: Batem à porta. O emprego de ‘tá/está’ – leva-nos a ele ou ela. A expressão ‘tá cheirando aqui’ também identifica a forma coloquial, uma vez que ‘feito na cozinha, (passar o café) o cheiro chega a outras peças’. Rima rica, ainda que pobre na sonoridade e identificação gramatical.
“Vem pra Caixa você também.” Criação do talentoso trio Sá, Rodrix & Guarabyra. De pronto percebe-se, na forma imperativa, convite a ser cliente da instituição bancária. “Vem” – imperativo afirmativo, 2ª pessoa do singular (oriunda da 2ª pessoa do singular presente do indicativo “vens”). “Você” – pronome de 3ª pessoa do singular. Sob a rigidez gramatical: incorreção. Contudo, como reagiríamos diante de “Venha pra Caixa você também”: falta da eufonia pela ausência da rima. Caso seguíssemos os preceitos gramaticais, optando pela segunda pessoa do singular: “Vem pra Caixa tu também”: aliteração (tu/também), quebra de eufonia e emprego do pronome (tu), segunda pessoa do singular, restrito a alguns estados da federação. Portanto, em nome da liberdade poética, em favor do bom senso, consagra-se a criação.
Algumas mensagens, acentuadamente criativas, quem sabe ao sopro do vento, com ou sem rima, líricas ou triviais, continuarão conosco. “As rosas desabrocham com a luz do sol, e a beleza das mulheres com o creme Rugol!”;“Pílulas de vida do doutor Ross fazem bem ao fígado de todos nós. Pílulas de vida do doutor Ross trazem saúde a todos nós.” (Na prisão de ventre que é coisa atroz, pílulas da vida do doutor Ross); “Cânfora no pé, adeus chulé!”; “Quem bebe grapette, repete”;” Regulador Xavier, o remédio de confiança da mulher”;“Melhoral, melhoral, é melhor e não faz mal!”; “Se Veramon existe, a dor não insiste”,“Gente boa, gente minha, aguardente praianinha”,“Se é Polar só pode agradar”. E se a tanto não fora, “O primeiro sutiã agente nunca esquece”, “Pai, não esquece a minha Caloi”, “Não é uma Brastemp’, contudo, E não é por menos que “O que é bom já nasce Diesel”.
Jorge Moraes – janeiro de 2016 - jorgemoraes_pel@hotmail.com