BRAZUCA

BRAZUCA

Vigésima edição da Copa do Mundo – FIFA. Junho, dezessete, terça-feira, 2014. Ceará, Fortaleza, estádio Castelão. 16 horas – Brasil X México. Ao término do embate esportivo, o placar permaneceu inalterado. O empate em zero, naturalmente, frustrou esperanças mexicanas e, mormente, pelo favoritismo, verde-amarelas.

Embora estivéssemos apenas na segunda rodada da primeira fase, dia seguinte, como era de se esperar, a imprensa, em especial brasileira, dedicou considerável espaço crítico ao evento. A superioridade da equipe de Felipão, alardeada a quatro ventos, levou-nos a esperar, não só bom desempenho, como resultado favorável. Um de nossos jornalistas esportivos, lastimando a falta de melhor sorte, afirmou, através de um canal de televisão, que a seleção canarinho havia empatado com a seleção da terra dos mariachis.

Naturalmente, para que assertiva tivesse fundamento, a vantagem deveria estar com a seleção mexicana e a brasileira ter alcançado o mesmo patamar.

Ante o resultado: empate em zero, a afirmação também poderia ser a de que a muralha Azteca havia conquistado equilíbrio à seleção brasileira. Por certo, como a disputa foi realizada em solo brasileiro, o comunicador optou por priorizar a seleção cinco vezes campeã do mundo. Em assim o sendo, pressupõe-se que o México fez o primeiro zero, sendo seguido do conjunto brasileiro.

Se a equipe visitante usufruir de vantagem, prioriza-se o resultado. Portanto, o usual e convencional será: seleção ou equipe visitante dois, seleção ou equipe com mando de campo um. Jamais um a dois.

Para que a seleção do Brasil ou do México tenha empatado com seu contendor, deveria ter existido marcação de um ou mais gols. Empata quem está inferiorizado numericamente e atinge igualdade. Logo para que tenhamos ‘empate’ de uma seleção com outra é pré-requisito que não tenhamos ‘zero’. Se o Brasil estivesse em vantagem e o México chegasse à igualdade, o comentarista deveria expressar-se ‘México empatou com Brasil em um gol, dois gols... Assim sendo, deveremos consignar, como resultado, Brasil e México empataram em zero ou México e Brasil empataram em zero.

À medida que o torneio ensejava acirrados confrontos, colocando, face a face, históricos rivais, na defesa de seus postulados, de suas estratégias, de suas cores, de suas escolas, entusiásticos narradores, comentaristas e analistas do ‘país do futebol ???’, usaram e abusaram de surrados jargões e chavões esportivos.

Talvez a incidência predominante tenha se debruçado sobre “correr atrás do prejuízo”. Como se sabe, é uma expressão consagrada. Todavia, dividem-se os críticos quanto à coerência do emprego.

Quando se declara que a “A seleção brasileira está perdendo por 1x0 e tem que correr atrás do prejuízo”, o sentido é de “diminuir o prejuízo, acabar com o prejuízo, cobrir o prejuízo”. Naturalmente, ‘diminuir’, ‘acabar’,’cobrir’, ainda que ausentes, revelam desejos intrínsecos. Embora o fenômeno linguístico não seja o mesmo, – correr atrás do prejuízo – nas orações classificadas como ‘semióticas’, julga-se a presença de frases nominais, contudo o verbo encontra-se subtendido e sofrerá variações de acordo com a situação. Há inúmeras frases com o verbo mentalizado ou elíptico e nem por isso deixam de ser autênticas orações.

Vejamos alguns ditos populares:

“Um dia da caça, o outro do caçador.” – Um dia (é) da caça, o outro (dia) (é) do caçador.

“Longe da vista, longe do coração.” – (O que está) longe da vista, (está) longe do coração.

“Feliz no jogo, infeliz no amor.” – (Quem é ou está) feliz no jogo, (é ou está) infeliz no amor.

Notem que aparece a vírgula em todas essas frases. Ela assinala a elipse do verbo.

Outros exemplos com elipse do verbo:

“Que nojo!” – Que nojo (eu sinto/ senti)!

“Que maravilha!” – Que maravilha (é este trabalho, canção, pintura...)! Pode, também, expressar ‘ironia’.

“Que força!” – Que força (detém, é dotado)!

“Que bobagem!” – Que bobagem (tu disseste, você disse)!

“Na trave!” – (A bola bateu) na trave!

“Atenção!” – (Preste/m) atenção!

“Caramba!” – Caramba, (você fez isto, tu fizeste isto?’)

Em muitos períodos, aparecem frases em que o verbo fica claramente subentendido por já ter sido expresso. O verbo existe, mas, em virtude da figura de sintaxe “zeugma”, é omitido. A supressão também pode abranger outros termos:

“Eu estudo na Universidade Católica; ele, na Federal. (estuda na Universidade)

Não encontramos na língua portuguesa a expressão “correr atrás do lucro”. O que há é “correr atrás do prejuízo”, ou seja, “correr atrás para diminuir ou acabar com o prejuízo”. É incontestável que ‘correr atrás do prejuízo’ deve ser inocentado das contravenções que lhe conferem. Afirmam: ‘só um demente persegue o prejuízo’, o racional seria fugir dele. Contudo, lembremos que, por vezes, corremos atrás do que pretendemos destruir, anular, abater. Outras vezes, atrás do que queremos conquistar: há muito ele ‘corre atrás da fama’.

Respeitados os argumentos de quem defende e de quem crítica, julgamos que há diferença entre “correr atrás” com o sentido de almejar e o “correr atrás” no seu sentido denotativo que é o mesmo que se posicionar. Desta sorte, permitam-nos refletir sobre as colocações a seguir: Pela manhã, nosso cachorro sempre ‘corre atrás’ do ônibus que vai ao Arroio do Padre (posiciona-se). A associação dos fruticultores ‘corre atrás’ de um ônibus mais econômico (procura). O cachorro pode ‘correr à frente’ do ônibus, contudo, a entidade não pode ‘correr à frente’ de um ônibus mais econômico. Assim sendo, ‘correr atrás do prejuízo’ é posicionar-se ou pretender diminuir? Não cremos que evitaremos a expressão, acatados caprichos e arbítrios, uma vez que adquiriu direitos de cidadania e, salvo melhor juízo, não se configura como incorreta.

Nas entrevistas determinadas pela FIFA, oportunidade em que jogadores e comissão técnica eram questionados a respeito de desempenhos e perspectivas, dois de nossos conceituados atletas, comentando lances em que a sorte sorrira à seleção brasileira, aludindo ao pênalti desperdiçado pelo atleta chileno, afirmaram que tudo ’conspirava’ favoravelmente para que o Brasil conseguisse o hexa (?). Certamente já havia uma conspiração em andamento...

Nossa imprensa esportiva, particularmente dos grandes centros, tem empregado de maneira distinta o verbo ‘perder’. Ora uma equipe perde ‘de’, ora perde ‘para’. O conceituado gramático Domingos Paschoal Cegalla enfatiza que o verbo perder, ‘na acepção de ser vencido’, constrói-se comumente com a preposição ‘de’. Ex.: O Esportivo perdeu do Guarani. Quando se pretende quantificar, recomenda as opções: a) O Atlético perdeu do Vitória de 2 a 1; b) O Rio Grande perdeu do Farroupilha por 2 a 0. Conclui a lição, possibilitando a regência ‘perder para’. Exs.: A França perdeu para a Espanha por 3 a 1; Portugal perdeu de 2 a 1 para o Chile.

Considerada a orientação do insigne mestre, sempre ouvimos e empregamos ‘ganhar de/o/a’, ‘perder para’. Naturalmente há situações que merecem especial atenção: A seleção ‘X’ perdeu da seleção ‘Y’ de 2 a 0. Ainda que o uso esteja respaldado por Domingos Paschoal Cegalla, alguns conceituados dicionários não se posicionam quanto ao ‘perder de’. Parece-nos que se fere a sonoridade pela repetição da preposição ‘de’. Algumas gramáticas recomendam: O Cruzeiro perdeu de dois a zero. A equipe perdeu de WO. O Fiação e Tecidos perdeu de novo para o Arealense.

Quando afirmamos que reconhecemos ou fomos reconhecidos, é evidente que já houvera o ‘conhecer’. Divulgou-se que as seleções realizavam o ‘reconhecimento’ do gramado. Força de expressão? Talvez. Se não o conheciam, como reconhecer?

Exigir linguagem escorreita de comunicadores de esportes populares é fugir aos fundamentos da própria comunicação. Mesmo assim, a correção é indispensável em todos os níveis. O futebol contribui com um valioso acervo: rico em metáforas e precioso na etimologia, a tanto basta citar: ‘onde a coruja dorme’, ‘ficar na banheira’, ‘botar pra naná’, ‘chapéu/lençol’, ‘caneta’, ‘chaleira’, ‘chocolate’,‘firula’,’folha seca’, ‘gandula’ ‘drible da vaca’, ‘frango’, ‘pegar na orelha da bola’,‘trivela’. Cremos que muito em breve, em se considerando os resultados do Brasil na copa de 2014, alguns termos, por certo desairosos, irão enriquecer nosso patrimônio linguístico.

Jorge Moraes - jorgemoraes_pel@hotmail.com - julho de 2014