CLÍTICOS

CLÍTICOS

Não se o negue que a língua materna, desde o balbucio, é um manancial inesgotável à comunicação. Sempre nos inquirimos, uma vez cultor desse portentoso filão linguístico, quanto à qualidade do que ministramos, e como a fazemos.

Fundamentalmente, reserva-se à escola a nobre missão de direcionar o aluno ao uso correto, respeitadas as adequações, dos recursos idiomáticos. É importante observar que também devem concorrer nesse mister a família, os veículos de comunicação, a comunidade religiosa, os núcleos recreativos, os livros doados pelo governo : o universo em que estejamos inseridos.

Observemos, de pronto, que a correção não implica prolixidade, menos ainda preciosismo. O mínimo que se almeja, mesmo sob o manto da simplicidade, ou às auras do trivial, reside na coerência, na objetividade e na revelação do inovador. É inquestionável que a sinonimia e os recursos de linguagem enriquecem o texto, mas que não o sejam exacerbados, sob pena de violarmos a face rítmica, incorrermos em ambiguidades e não chegarmos a lugar algum. Não se queira dar à linguagem escrita, salvo os níveis em que gravitam, as mesmas características da linguagem oral.

A preservação dos valores gramaticais: grafia, acentuação, concordâncias, regências e vocábulos, dentre outros, sem que se sobreponham à mensagem, cabe a todos nós, não só aos professores de Português. Caso o avaliador não seja de Língua Portuguesa, rebelam-se os alunos quando lhes são subtraídos pontos no cometimento de erros crassos. Muitos professores, quer por desconhecimento, quer por evitar conflitos, omitem-se: lastimável.

Nosso tema, dessa vez, é bastante comum, mas a denominação é estranha: clíticos.

Em síntese, é um elemento gramatical que indica um comportamento intermediário entre o de um morfema e uma palavra. Sintaticamente, apresenta similaridade ao de palavras, contudo fonologicamente é dependente de outras palavras adjacentes.

Os clíticos não podem aparecer isoladamente no discurso sem estarem ligados a outra palavra ou elemento. Pertencem a uma classe fechada de morfemas: pronomes, preposições, verbos auxiliares e conjugações.

Com frequência nos questionamos quanto ao emprego de “inicia” ou “inicia-se”. Para simplificar, fixemos: alguém ou uma entidade “inicia”, e alguma coisa “inicia-se”. Ex.: O titular da Secretaria de Desenvolvimento Rural “inicia” a recuperação das estradas da Colônia Osório. A Universidade Federal de Pelotas “inicia” o ano letivo de 2014 com intensa programação cultural. No entanto: A inscrição dos candidatos à bolsa de estudos no exterior “iniciou-se” no mês de janeiro de 2014. A inscrição dos agricultores, a serem contemplados com empréstimos, “inicia-se” hoje, no Sindicato Rural de Turuçu. A Justiça Eleitoral “inicia”, em breve, o recadastramento biométrico dos eleitores do Arroio do Padre. “Inicia-se”, em breve, o recadastramento biométrico dos eleitores do Arroio do Padre, pela Justiça Eleitoral. Atente-se que não devemos começar a frase com o pronome. Temos incorreção em: “Se inicia amanhã a mostra fotográfica sobre a praia do Laranjal”. Se empregarmos o verbo no futuro, iniciando a oração, teremos mesóclise: “Iniciar-se-á”, amanhã, a mostra fotográfica... A sensibilidade fonética será suficiente para a inclusão do “se”.

Mesmo comportamento reserva-se ao verbo “inaugurar”. Alguém ou alguma entidade “inaugura” e alguma coisa “inaugura-se.” Ex.: Leandro “inaugura” a loja de material de construção na quarta-feira. “Inaugura-se”, na quarta-feira, a loja de material de construção, de Leandro. Embora a concretização seja prevista para o futuro (inaugurará), às vezes, respeitando a eufonia, opta-se pela forma no presente do indicativo (inaugura). Sem dúvida, devemos evitar o pedantismo, mantendo liberdades ao declinarmos nuances de nossos falares e da intimidade coloquial.

Inclua-se em nossa lista o verbo “encerrar”. Logo, alguém ou alguma entidade “encerra” e alguma coisa “encerra-se”. Entendamos: A Receita Federal “encerra” dia 30 de abril o prazo para a entrega da declaração de rendimentos de pessoas físicas. “Encerra-se” dia 30 abril... A Receita Federal “deverá encerrar”... “Deverá encerrar-se” dia 30 de abril... Como se percebe, podemos lançar mão do verbo no infinitivo.

Permitam-nos, ainda, destacar o verbo “realizar”. Ratificando, teremos: Alguém ou alguma entidade “realiza” e alguma coisa “realiza-se”. Tomemos como exemplos: O Corpo de Bombeiros “realiza” vistoria em dependências de clubes sociais, igrejas e escolas, objetivando a obtenção do certificado de aprovação. Vistoria em clubes sociais, igrejas e escolas “realiza-se”...

Finalizemos, atentando a um aspecto que julgamos muito importante. Ex.: O titular da Secretaria de Transportes normatizou os quesitos necessários à licitação. Sujeito = O titular... Voz= Ativa. Transpondo à voz passiva analítica, teremos: Os quesitos necessários à licitação foram normatizados pelo titular da Secretaria de Transportes. O que antes era objeto direto, agora é sujeito e sofre a ação. A mudança no número do sujeito pluraliza a forma verbal (normatizou/normatizaram). Caso tivéssemos: Normatizaram-se os quesitos necessários à licitação, o “se” seria indispensável uma vez que o sujeito “quesitos” sofre a ação verbal. O “se” é partícula apassivadora. Se não empregarmos o “se”, teremos: Normatizaram os quesitos necessários à licitação (voz ativa). A princípio, parece que não foi alterado. Entretanto, quem “normatizaram”? foram eles ou elas. Quesitos, antes sujeito, agora objeto direto. Levando-se à voz passiva analítica, obteremos: Os quesitos necessários à licitação foram normatizados (por eles ou por elas).

O número de verbos que merece esse procedimento é expressivo. Chama-nos atenção o uso que a mídia impressa adotou: “se inicia”, “se encerra”... A posição habitual dos pronomes átonos, na língua portuguesa, é depois do verbo, ou seja, (ênclise), salvo que tenhamos categorias de pronomes, conjunções subordinativas, casos especiais que exerçam atração (próclise).

No arremate, observemos: Obedeçam ao recomendado no regulamento. Naturalmente, temos: Quem obedeçam? Vocês. Voz Ativa. Obedeça-se às normas regimentais. Normas está plural, o verbo obedecer, com a introdução do “se” fica no singular. O verbo obedecer é transitivo indireto. Não vai nos permitir a transposição para a voz passiva (normas regimentais sejam obedecidas). Estamos, então, com voz ativa, sujeito indeterminado.

Indiferente à correção, certamente alguém dirá que, com ou sem o “se”, a mensagem chegará a seu destino e a vida não interromperá seu curso: verdade incontestável. Entretanto, aos que se identificam com a normatização linguística, a correção é imprenscindível.

Jorge Moraes – jorgemoraes_pel@hotmail.com – abril de 2014

Jorge Moraes
Enviado por Jorge Moraes em 01/04/2014
Reeditado em 04/04/2014
Código do texto: T4752613
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