“Que precisamos” ou “de que precisamos”? Regência verbal!
Se você abrir um manual de gramática da língua portuguesa encontrará uma parte intitulada “regência”. A regência estuda as relações de dependência que as palavras têm umas com as outras. Esse estudo pode se subdividir em dois: regência nominal e regência verbal. A regência nominal – como o nome indica - estuda a relação de dependência entre um nome e sua preposição. Quando você diz, por exemplo, “estou apto a dirigir”, o adjetivo “apto” rege a preposição “a”. Já quando se estuda a regência verbal, o que se observa é a relação entre o verbo e a preposição que ele rege (quando há uma, é claro). Por exemplo, quando você diz “vou à casa da minha tia” (se é que você fala assim! O mais natural seria “na casa da minha tia”), o verbo “ir” rege a preposição “a”. Lembramos até da regrinha dita por nossos professores e nossas professoras de gramática: “quem vai vai a algum lugar, pessoal”.
O estudo da regência, é claro, não fica só nisso. É um pouco mais abrangente. No entanto, para o entendimento deste artigo, a explicação do parágrafo acima é mais que suficiente.
Um dos livros publicados pela Editora Central Gospel, intitulado “O avivamento que precisamos hoje”, do pastor Silas Malafaia, é um exemplo de desvio da regência ditada pela gramática normativa. Por quê? Porque a gramática normativa defende a regência clássica, isto é, aquela sancionada pelos literatos, pelos escritores “de peso”, tais como Machado de Assis, José de Alencar, Rachel de Queiros, etc. Ou seja, na grande maioria dos casos (e, claro, em se tratando de língua culta escrita) o verbo “precisar” rege a preposição “de”.
O verbo “precisar” é chamado de transitivo indireto. Os verbos transitivos indiretos são aqueles que necessitam de uma preposição para se ligar a um nome. O verbo que acabo de usar aqui, por exemplo – necessitar -, rege a preposição “de” também, do mesmo modo que o verbo “precisar”. Quem necessita necessita DE alguma coisa; quem precisa precisa DE alguma coisa. Há melhores exemplos no “Dicionário Prático de Regência Verbal”, de Celso Luft, Ed. Ática, 4ª Ed 2002.
Por outro lado há verbos (assim como também há nomes - substantivos) que se ligam ao seu complemento sem nenhuma preposição. Nesse caso, os verbos recebem o nome de transitivos diretos. Na frase “vou comer uma torta”, por exemplo, o verbo “comer” não rege preposição alguma. Ele se relaciona diretamente ao seu complemento “uma torta”. Frases como “comer de garfo e faca” é outro assunto. Comentarei em outra oportunidade.
Em suma, o título do livro do pastor Silas Malafaia comete um desvio gramatical. Mas o fato é que, hoje, é natural que as pessoas falem assim, e em alguns casos é até natural que escrevam assim. Até acho que essa informalidade (marca de livros evangélicos) é uma forma de aproximação com o público leitor: os evangélicos. Não se trata de um erro, mas de um desvio da norma, que – assim entendo – tem a ver mais como uma forma de aproximação do livro (metonimicamente, de seu autor) com o público alvo. Se fosse um erro, teríamos de rasgar a Gramática Pedagógica do Português Brasileiro, de Marcos Bagno. E jamais faríamos isso!
Walan Araujo