A DIFERENÇA ENTRE “TODO” COM ARTIGO E “TODO” SEM ARTIGO
Do jornalista H. V. Z., do Rio de Janeiro:
__«Costumo escrever todo mundo, e não TODO MUNDO, porque TODO O MUNDO só pode ser usado em referencia ao Mundo Inteiro»___
Com o português “todo” sucede o mesmo que com o francês “tout”, quando significa qualquer, cada; isto é, não se acompanha com o artigo. E assim se escreve: «De toute sorte», «à toute occasion», «tout éloge imposteur», «tout bourgeois est soldat», «à tout moments», «de tout parts», etc., e não «de toutes «les parts», «à touts les moments», «tout le bourgeois», «tout l' éloge», «tout l’occasion», «de tout la sorte», etc.
Nas tradições da nossa língua, e na prática de muitos mestres, observa-se o mesmo fa[c]to: «toda parte», «todo homem», «todo caso», quando “caso”, “homem”, “parte”, designam “qualquer” parte, homem ou caso.
Mas, se “todo” designa um determinado conjunto, é chamado o artigo para essa determinação ou limitação. Assim, não poderíamos dizer: «tout peuple de Paris» (todo povo de Paris», mas sim: «tout “le” peuple de Paris» (todo o povo de Paris»); não poderíamos dizer «tout Europe» (toda Europa), mas, sim: «tout l' Europe» (toda a Europa».
Não se o jornalista H. V. Z.percebeu bem a diferença entre “todo” com artigo e “todo” sem artigo.
Descendo porém às tristes realidades da vida prática, reconheço que, ao passo que os Franceses mantêm a diferença de forma e de sentido nas expressões “tout peuple » e « tout le peuple », nós, os que falamos e escrevemos português, chamamos geralmente o artigo para ambas as hipóteses; e, embora nos refiramos a casos indeterminados ou genéricos, escrevemos «todo o povo», «todo o caso», como se tratássemos de um “caso” conhecido ou do “povo” de uma dada localidade.
Reagindo sempre contra tudo que se me figure abusão, vou escrevendo «em todo caso», sem artigo; mas nem por isso ouso capitular de erro a forma «em todo o caso», visto que ela, “hoje”, é subscrita pela maior parte da gente que escreve, e até sem reclamação dos gramáticos.
Não vale a pena desmanchar prazeres, de que não vem mal ao mundo.
FONTES:
Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Cândido de Figueiredo, “Falar e escrever”, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 3. Edição melhorada, 1926.