A vírgula antes de etc.
Do Sr. E. B., de Belo Horizonte:
__«Tenho notado que o Dr. Littera-Lu costuma usar vírgula antes do etc., ao passo que toda a gente letrada e não letrada, a dispensa antes do etc. Por que é que prefere aquela forma, em que se usa a vírgula? O Ciberdúvidas, cuja autoridade todos acatam, é contra a vírgula antes do etc.» ___
Em primeiro lugar, não é verdade que toda a gente letrada dispensa naquele caso a vírgula: pelo menos no Ciberdúvidas, há três ou quatro consultores linguísticos que a não dispensam, habitualmente; e, se…, veremos, logo ao Capítulo 21 (p. 435) da “Breve Gramática do Português Contemporâneo (versão abreviada da Nova Gramática do Português Contemporâneo)”, a frase «depois do vocativo que encabeça cartas, requerimentos, ofícios, etc.» e não «depois do vocativo que encabeça cartas, requerimentos, ofícios etc.»; nos mesmos autores da “Breve Gramática”, no Capítulo 6 (p. 86), lá temos «(…) como organizações internacionais, partidos políticos, serviços públicos, sociedades comerciais, associações operárias, patronas, estudantis, culturais, recreactivas, etc.» e não (…) como organizações internacionais, partidos políticos, serviços públicos, sociedades comerciais, associações operárias, patronas, estudantis, culturais, recreativas etc.»; na “Gramática Portuguesa” __ 2.ª Edição revista, actualizada e aumentada (p. 17) de José Maria Relvas, Primeira Parte, Regras da Acentuação, depara-se-nos «(…)água, águia, álcool, carícia, célebre, diário, espécie, ginásio, etc.» e não «(…)água, águia, álcool, carícia, célebre, diário, espécie, ginásio etc.»; num texto de 1926 (do gramático Cândido de Figueiredo), colhido algures, leio: ««De toute sorte», «à toute occasion», «tout élog imposteur», »tout bourgeois est soldat»,, «à toutes moments», «de toutes parts», etc.» e não «De toute sorte», «à toute occasion», «tout élog imposteur», »tout bourgeois est soldat»,, «à toutes moments», «de toutes parts» etc.»; no mesmo texto, há: «(…)Coimbra, Lisbôa(*), Setúbal, Braga, Silves, etc.», e não «(…)Coimbra, Lisbôa, Setúbal, Braga, Silves etc.»; etc.
E estes fa[c]tos não são eventuais nem meros caprichos: obedecem a certos princípios sintá[c]ticos, hoje quase desconhecidos ou desprezados. Registemo-los ao menos.
A vírgula antes de etc. é geralmente observada; mas da sua DISPENSA até eu tenho medo, não porque não seja exa[c]to, mas porque não gosto de dar escândalo; e, neste caso, é talvez escândalo a verdade, embora esta verdade esteja até no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.
O Ciberdúvidas, cuja autoridade acato, argumenta:
«(…) Os que escrevem: «Li jornais, revistas etc.» (sem vírgula entre revista e etc.) baseiam-se no facto de etc. significar "e mais coisas". Portanto, havendo já um e, dispensa-se a vírgula.»
Um mesmo consultor do Ciberdúvidas, todavia, discorda e argumenta:
«Embora etc. signifique e mais coisas, o geral é desconhecer-se que "et" significa e.
«Mesmo as pessoas que têm conhecimentos de latim, nem sempre se conscientizam da presença de "et" (=e), por um lado, porque não vêem "et" separado; por outro lado, porque etc. aparece à vista como uma palavra, à maneira da última palavra duma frase como esta, por exemplo: "Comprei maçãs, peras, cebolas, batatas."»
Poucos consultores do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, em todos os tempos, conheceram tão profundamente a nossa língua como JOSÉ NEVES HENRIQUES. Pena que esse mestre erudito já não esteja entre nós para dar continuidade a seu excelente trabalho (se é que me entendem).
Nas questões de sintaxe o que lave é uma convenção mais ou menos aceite pela maior elite intelectual duma língua.
Já disse isto algures, em tempo, e ao depois verifiquei que Pasquale Cipro Neto tinha dito, mais ou menos, a mesma coisa.
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(*)Manteve-se a grafia de origem.