O ‘PEIXE’ QUE FOGE DO ANZOL PARECE SEMPRE MAIOR

O ‘PEIXE’ QUE FOGE DO ANZOL PARECE SEMPRE MAIOR

Salvo que a memória nos traia – procedimento inevitável à medida que as recordações necessitam vencer longas distâncias e as noites hibernais se tornam mais álgidas – nosso encontro primeiro com as figuras de linguagem deu-se, inconscientemente, ao ouvirmos, sob confidências, que um dos meninos que se punha às classes da frente, era “peixinho” da professora.

Não mais nos recordamos de quem se tratava, menos ainda por que merecera a consideração. Uma pontinha de curiosidade: ‘Peixinho’? À proporção que trocávamos de adiantamento, sempre alguém, com justiça ou não, era distinguido com especiais favores. E a vida mostrou-nos, particularmente, no segmento profissional, que talvez seja natural, em todo grupamento ou comunidade, a existência de ‘aquários’ e, por consequência, de privilegiados.

A presença do prefixo ‘inho’, certamente, configura as características fundamentais de delicado porte, comportamento, beleza, docilidade, entre tantas. Considerando o acréscimo sufixal em outros espécimes (coelhinho, gatinho, cachorrinho, pintinho...), o ‘peixe’ deve reunir, sem que consigamos divisar, peculiaridades que o tornem preferido.

Atentemos aos exemplos arrolados, sem que tenhamos por objetivo unicidade contextual, e constatemos o quanto o ‘peixe’ se faz presente em nosso acervo linguístico.

O substantivo adjetivado, no grau normal, está registrado no Dicionário Informal: “Astrogilda só conseguiu a vaga de secretária na repartição porque era ‘peixe’ do chefe.” Segundo linguistas, ultrapassa o beneplácito do afilhado, do apadrinhado, do protegido, do camarada, do parceiro, e chega ao ‘amante’.

A multiplicidade de comparações é realmente expressiva. Quando aludimos à mulher, encontramos no Dicionário Priberam – “Esta mulher é um ‘peixe’” (mulher vistosa). Fontes diversas consignam o uso trivial de ‘peixão’ a mulheres que se destacam por atraentes traços físicos, exuberantes, com formas avantajadas.

Como decorrência das medidas, do comportamento e da beleza, podemos identificar construções conotativas e denotativas. E o fazemos, com ironia, maledicência, (atualmente bullying), ao lançarmos mão da ‘baleia’ e da ‘piranha’. Cremos, salvo juízo incorreto, que a voracidade não é característica do meretrício: invertem-se os procedimentos de agente e paciente. Em contrapartida, a beleza, os traços físicos e longos cabelos ondulam na praia de nossos sonhos: somos náufragos nos braços das ‘sereias’.

Dando vazão a nossas ilações, constatamos o emprego, agregando comparativos de superioridade e inferioridade, particularmente quando o enfoque é apreensão de drogas e transgressores: Os policiais da 5ª Delegacia Especializada capturaram/apreenderam vários consumidores de cocaína. Em verdade, são ‘peixes’ pequenos. Os agentes objetivam, na próxima operação, apanhar os ‘peixes’ grandes. Ajusta-se também à hierarquia funcional: “Os prefeitos do interior do Rio Grande do Sul dirigiram-se à Brasília para audiências com o Ministro das Cidades. Foram recebidos, apenas pelos Secretários: ‘peixes’ pequenos.

Sulcando a impetuosidade das ondas, o barco veio à praia. As vagas amainaram-se, despiram o capelo e agora se revezam nas areias mornas. Os alares puxam as redes. A fertilidade do cardume enobrece as mãos do pescador, o fruto não alimenta apenas a carne.

A consecução de objetivos, embora empreendamos esforços que desafiem nossos limites, por vezes redunda em fracasso. Recomenda-se reiniciarmos a caminhada com prudência, tendo cuidado com os percalços, e contornando as pedras, total!!!: “nem sempre o mar está pra ‘peixe’”.

O incondicional, o inevitável, o intransferível faz-se presente ao declinarmos que “caiu na rede é ‘peixe’.” Adite-se à afirmação que tudo serve, tudo vale, tudo é bom, o que vier é lucro, tudo se aproveita. Equipara-se a: “caiu no saco é gato”. Nega-se, pela antítese: “Nem tudo que cai na rede ‘é peixe’”.

As semelhanças entre pais e filhos ultrapassam costumes, traços fisionômicos, comportamento, ideologias e gosto. Não se contesta o patrimônio hereditário. Contudo, de modo genérico, nem sempre corresponde à realidade. Perdem-se as similitudes, principalmente, quando a prole é expressiva. Tempos houve que o filho deveria exercer a mesma função do pai. Orgulho e honra postos à mesa. Cremos que a frase: ”Filho de ‘peixe’, ‘peixinho’ é.”, ainda se sustenta em algumas situações: na Medicina, no Direito, na Música. Identificam-se com a expressão: “Filho de ‘peixe’ sabe nadar”/ “Tal pai, tal filho” /”Filho de tigre sai pintado”.

A reunião trimestral de condôminos começara quarenta minutos após o fixado. Albino estava ali pela vez primeira. Sempre fora arredio a reuniões. Não tivera a preocupação nem mesmo de saber a pauta. A convocação não deixara margem à ausência. Alimentava a esperança de chegar a tempo ao churrasquinho dos colegas de repartição. A escolha da cor para a pintura das paredes externas dividira o grupo. Muitos falavam ao mesmo tempo. Ao síndico faltava objetividade. Quisera estar longe. Sentia-me “um ‘peixe’ fora d’água.

A imprecisão esgueira-se pelas fissuras. A isenção tenta equilibrar-se no muro da estabilidade. A verdade ou a mentira são posições assumidas. O pêndulo não reage. As pás do moinho holandês estão inertes. Quem não tem opinião definida, não é pró nem contra, nem bom nem mau, “não é carne nem ‘peixe’,” Alheio, inconfiável, sem querer comprometer-se pode tornar-se um “Maria-vai-com-as-outras”.

Cada um dos integrantes estava ciente de seu mister. A operação não poderia ter falhas. O vacilo, por menor que fosse, impediria que a estrutura metálica fosse erguida. A cobertura de lona seria estabilizada com estais. Caso chovesse, mesmo moderadamente, a passarela seria indispensável. Contudo, o vento foi implacável. Pelo chão, hastes contorcidas. Não faltaram críticas. Alguém deveria ser responsabilizado. A frase comum: “nada tenho a ver com o ‘peixe’”.

O banho, nas primeiras horas da tarde, tornara-se imperioso. O desgaste físico, pela fusão dos corpos, levava à transpiração. A água tépida, demoradamente, corria pelo alvo corpo, eliminando o perfume do pecado. O prazer sobrepunha-se à moral. Trocara hábitos e apurara as vestes. O diálogo, de há muito, cedera lugar ao monólogo. As palavras não passavam de monossílabos. Levada, inevitavelmente, a comentar atividades profissionais, vacilara, traíra-se nos detalhes. Não há o crime perfeito: “O ‘peixe’ morre pela boca”.

O pastor escolhera a dedo a mensagem motivadora. A comunidade compunha-se de homens e mulheres dedicados às lides campesinas. Os meninos entregavam-se ao esporte, corriam por entre o arvoredo. As meninas, recatadas,em longos vestidos, não ousavam ficar longe dos olhos maternos. Os jovens haviam trocado a zona rural pelas aparentes vantagens urbanas. As mãos calejadas e as faces marcadas testemunhavam árduos trabalhos. O culto, embora o esforço do religioso, não os sensibilizara. O distanciamento estava no olhar, perdido na distância. As palavras não convenceram: o orador “pregara aos peixes”.

Com frequência, apartava os interlocutores, manifestando-se frontalmente contra ou acrescendo pífias contribuições. Sua palavra deveria ser prioritária e predominante. Não aceitava contestação nem espera. A tolerância atingira extremos limites. Não restara aos parceiros de prosa outra atitude que não recomendá-lo que fosse “vender seu ‘peixe’ em outra em freguesia”. Felizmente, pela sutileza da recomendação (eufemismo), o inoportuno partícipe omitiu-se, afastando-se logo, logo.

Utópica é a pretensão de explorar o universo em que se insere nosso manancial de figuras. Algumas essencialmente restritas a regiões que foram passíveis de fluxos migratórios. Outras vão, paulatinamente, incorporando-se sem que possamos identificar o processo. Cabe-nos, como cultor do pátrio idioma, valorizar essas relíquias, “não dar o ‘peixe’,e sim ensinar a pescar. Ficar com um olho no ‘peixe’ e o outro gato.

Enquanto as caravelas lançam-se mar a dentro, banhadas pelo sol, assomam-se inocentes recordações: mãos entrelaçadas, riso incontido, e a voz esfuziante alimenta as brincadeiras de roda. Uma condição se impõe: “Caranguejo não é ‘peixe’, caranguejo ‘peixe’ é. Caranguejo só é ‘peixe’ na enchente da maré,

Jorge Moraes - jorgemoraes_pel@hotmail.com - setembro/ 2013