“Eu fiz o acabamento final” - o tal do pleonasmo vicioso

Os professores de língua portuguesa falam muito, em suas aulas, de um fenômeno que é denominado pelos gramáticos de “pleonasmo vicioso”. As gramáticas normativas dão como exemplo de pleonasmo vicioso as frases “descer para baixo”, “entrar para dentro”, “sair para fora”, etc.

Esses dias, conversando com um de meus tio, ouvi-o dizer: “... ma[i]s, então, o que tá faltanu é só o acabamento final...”. Fiquei pensando se poderia existir algum acabamento que não fosse final. Como sabemos, os gramáticos condenam essas “redundâncias” que servem (estou sendo redundante agora) para repetir ideias já apresentadas anteriormente – outro pleonasmo!

A obra de Eduardo Martins, intitulada “Os 300 erros mais comuns da língua portuguesa”, Ed. Bf&a, traz uma parte em que o autor comenta alguns exemplos de “redundâncias”. Martins nos dá as seguintes frases: a) “Há dois meses atrás”, b) “Já não há mais motivo”, c) “Entrar para dentro”, d) “Encarar de frente os desafios”, e) “Elo de ligação”, f) “Saiu cedo, mas não conseguiu, no entanto, pegar o ônibus”, g) “A temperatura estava quente” e, por fim, h) “O preço do carro é barato”.

Em a, temos a repetição de “há” e de “atrás”, ideias que se repetem (vejam-me ser redundante!); em b, “já” e “mais” são equivalentes, por isso uma das palavras poderia ser eliminada; em c, não há necessidade de comentar; em d, encarar só pode ser de frente; em e, elo é algo que liga, o que faz-nos prescindir da palavra “ligação”; em f, existem duas expressões que trazem ideia de oposição, quando é necessário somente uma e, por fim, em g, a palavra temperatura, segundo os dicionários, já traz a ideia de quente ou de frio.

Voltando ao que disse meu tio, podemos dizer se tratar de um pleonasmo vicioso (redundância). Mas, vamos refletir um pouco. Quando uma pessoa diz subir para cima ou descer para baixo, ela o faz tendo como objetivo justamente uma reafirmação do que é dito. Por isso, podemos imaginar que “acabamento final” é uma – obviamente – reafirmação e detalhamento, nada mais. Não é nenhum pecado dizer acabamento final. O ruim mesmo seria sair por aí escrevendo “acabamento final”, ou, quem sabe, até mesmo dizer isso em momentos inapropriados, como em uma palestra. Afinal de contas a língua está aí para ser usada com sabedoria.

Não acho que quem “repete” suas ideias comete pecado, afinal todo mundo faz isso. A única coisa que deve ficar clara é que se deve ter conhecimento desses ditos pleonasmos viciosos para que não os escrevamos e, por isso, venhamos a sofrer discriminação. Nossa sociedade mostra-se bastante moderna no que diz respeito às formas de exclusão. Condena a discriminação contra os homossexuais, contra os idosos e contra várias práticas fundadas em ideias elitistas. Mas quando o assunto é a discriminação pela linguagem, aí a coisa muda e todo mundo, se não tomar cuidado, acaba sofrendo essa praga...

Fique registrado: repetir ideias (pleonasmo “vicioso”) não é errado, mas devemos saber bem quando e como o faremos. É por aí...

Walan Araujo

Walan Gomes de Araujo
Enviado por Walan Gomes de Araujo em 18/08/2013
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