SENTINELAS DA LÍNGUA (Ou: Nem João Ribeiro escapou...)


Extraído da Coletânea TEXTOPr@tico

Número 1

Mas os gramáticos são impiedosos, turrões, irredutíveis e intransigentes.  Fora da gramática, para eles, nada mais existe. E o estilo deixa de ser o homem e passa a ser a gramática...
                                                                                                 (Miguel Timponi)
 
                                      Censuraram-me a sintaxe “importar em” na acepção:
 
[Um fato não importa  em nenhuma definição, e vice-versa.]
 
É uma construção moderna, que já tem o beneplácito do Rui
(...) é a maneira moderna de falar e escrever.
                                       (Cândido Jucá (filho). A evolução Sintática)
 
                                                  Em tudo o que eu digo há o que  não digo.
(João Ribeiro)

João Ribeiro [1] foi mestre da língua portuguesa, membro da Academia Brasileira de Letras, professor do Colégio Pedro II, historiador, filólogo, folclorista, ensaísta, crítico literário, tendo pontificado em todas essas atividades, como nos informa o Larousse. Apenas para dar pálida ideia da qualidade literária de João Ribeiro, mencione-se que seu livro Frases Feitas é obra tão extraordinária que o grande filólogo Antenor Nascentes, anos mais tarde, ao escrever o seu precioso Tesouro da Fraseologia Brasileira, anotou, reverente, no prefácio:

Não foi grande a minha tarefa. Mestre João Ribeiro quase nada deixou para os que viessem após ele.

Sobre a mesma obra, com igual e justa reverência, R. Magalhães Júnior na introdução do seu Dicionário Brasileiro de Provérbios, também elogia as qualidades do livro.

Marcos de Castro  [2] diz que João Ribeiro era realmente um sábio, um dos poucos que o Brasil tem tido, na acepção da palavra. Esse autor informa também que o nosso admirável João Ribeiro foi escritor de qualidades notáveis em toda a extensa área cultural em que atuou, além de ter sido, já no início do século, um pioneiro na compreensão e julgamento do nosso Modernismo — um defensor intransigente da necessidade de renovação e do modo brasileiro de cultivar a Língua Portuguesa. Diz ele que foi João Ribeiro que nos ensinou a deixar os complexos de lado e parar de escrever e colocar os pronomes à maneira lusitana.

Mas a história continua. Mário Barreto [3], no livro Através do Dicionário e da Gramática, diz que um crítico duma folha carioca, “guarda cioso e implacável da pureza do nosso idioma”, saiu a desancar o livro Notas de um Estudante, que João Ribeiro publicara em 1922. Entre as "cincas de maior vulto", o "aristarco fluminense" havia criticado a construção “se lhes parece”. E Barreto, com abono em Manuel Bernardes, defende a redação de João Ribeiro, dizendo ser essa uma construção clássica do verbo “parecer-se”

Cito esse caso registrado por Mário Barreto e os fatos que atestam a extraordinária capacidade cultural e literária de João Ribeiro para ilustrar a velhíssima praga do patrulhamento gramatical, movimento que, igualmente aos seus congêneres, sempre encontra leais servidores, como o pechisbeque citado.

É..., se nem ao João Ribeiro os sentinelas da língua perdoaram,  o que se dirá de nós...


(1) [1860-1934] De vasta cultura e espírito liberal, é o autor da famosa Grammatica Portugueza  Curso Superior, e de  longa bibliografia da qual se destacam: Dicionário Gramatical (1889); História Antiga, I. Oriente e Grécia (1892); História do Brasil (1900); Estudos Filológicos (1902); Páginas de Estética (1905); Frases Feitas (1908); O Folclore (1919); Floresta de Exemplos (1931).

(2) No livro A Imprensa e o Caos na Ortografia

(3) Professor do Colégio Pedro II e do Colégio Militar do Rio de Janeiro, profundo conhecedor dos clássicos e um dos melhores sintaticistas da língua.