A crase, esta persona non grata
Antes eu até gostava dela. Mas ela começou a aparecer tanto, que me cansou. Aparece até onde não deve e onde não é chamada. E tudo que é demais, enche. Assim foi meu relacionamento com a crase.
Mas, mesmo tendo eu avisado que não aparecesse, ela veio literalmente À (grunf!) minha porta. E ainda está lá: "Centro de Educação À Distância - coordenação de Design".
Sim, mesmo tendo sido avisado que o termo "educação a distância" não tem crase, o cara que fez as placas de todas as salas, não sei por que cargas d'água, cunhou-a ali. E agora TODAS as salas de um estabelecimento de ENSINO mostram uma indesejada e errada crase em suas portas. Tô pra sair pincelando error-ex por aí.
Não é só isso. Se ela viesse para passar só umas horinhas, das duas às quatro, ou até mesmo de zero às 23 horas, tá certo. Mas, não, ela quer vir durante a semana toda, "de segunda À sexta". Ou, pior, de domingo À domingo. Não é pra encher o saco?
E quando ela resolve dar "graças à Deus"? Inconcebível. Ài, ài.
Assim, registro minha indignação contra a crase, essa intrometida e dissimulada, pois essa coisa que muitos despejam em qualquer "a" e pensam ser um acento, não é um acento, é uma situação, bem chatinha de se explicar, pois não é só uma junção do artigo "a" com a preposição "a". Ela pode ser usada também com as iniciais destes pronomes demonstrativos:
Aquela(s) - àquela (s)
Aquele(s) - àquele (s)
Aquilo - àquilo (s) ... ops, "aquilo" não tem plural, rsrs.
Ela também pode aparecer em conjunto com o pronome relativo "qual": à qual (às quais).
Se você estudar a evolução da língua portuguesa, verá que ela também é a contração de duas vogais: caatinga, alcoólico, água ardente (aguardente), e por aí vai.
E há casos de se usar a dita antes de palavras masculinas também, mas nem vou tentar dizer quais, que tô com preguiça. E nem venham me corrigir porque hoje quero ser bem coloquial. É "tô" mesmo.
Eu sei quando usá-la, mas a considero perfeitamente dispensável. Já o trema, escorraçado da escrita, sim, tinha seu valor. Eu sabia, antes, que em "tranquilo" se pronunciava o "u". Agora nossas crianças correm o risco de aprender a falar "trankilo". Coisa feia.
Veja que explicação mais mal feita pelo site BRASIL ESCOLA no site http://www.brasilescola.com/gramatica/crase.htm. Aliás, precisava ser "Brasil" escola, sendo a educação no Brasil como é? Mas, vamos À (grrrrr!) explicação:
"Como saber se devo empregar a crase? Uma dica é substituir a crase por “ao”, caso essa preposição seja aceita sem prejuízo de sentido, então com certeza há crase.
Veja alguns exemplos: Fui à farmácia, substituindo o “à” por “ao” ficaria Fui ao supermercado. Logo, o uso da crase está correto.
Outro exemplo: Assisti à peça que está em cartaz, substituindo o “à” por “ao” ficaria Assisti ao jogo de vôlei da seleção brasileira."
Ah, tá... nem teve "prejuízo de sentido", né?
E desde quando farmácia é sinônimo de supermercado? E desde quando assisto jogo de vôlei em teatro?
Pois bem: pelo que eu saiba, substituir na primeira frase o "à" por "ao" deixaria a frase assim: "Fui AO farmácia". E na segunda: Assisti AO peça.
Ou seja, para se explicar a situação dessa coisa não basta essa troca de "a" por "ao". A explicação deveria ser assim: Se trocarmos a palavra que sucede "a" ou "as" por uma palavra masculina e isso fizer aparecer o uso de "ao" ou "aos", então, há crase:
Ela está À mercê da vida = Ela está AO Deus-dará.
Pra encurtar o assunto: essa senhora é tão chata que até o acento que a indica se chama GRAVE. Grave mesmo. E gravem isso.
Às favas com a crase. Füi!