Aprendendo e ensinando o difícil idioma português

Prólogo

"Não há língua definitiva e inalteravelmente formada. Todas se formam, reformam e transformam continuamente." – (Rui Barbosa).

"Eu não me envergonho de corrigir meus erros e mudar as opiniões, porque não me envergonho de raciocinar e aprender." – (Alexandre Herculano).

“Ensinar e aprender são tarefas difíceis. Digo isso por ser autodidata, eterno aprendiz e, por tentar, de modo intimorato e recalcitrante, sem pejo do ridículo, ensinar o que pouco sei.” – (Wilson Muniz Pereira).

ESCLARECIMENTOS PERTINENTES E OPORTUNOS

É oportuno esclarecer que as perguntas formuladas pelos leitores são encaminhadas para mim, via "e-mail", ou à redação da “Gramatigalhas” que as seleciona e publica em seu blog intitulado “Migalhas”. Trata-se de um Portal jurídico, com doutrina, jurisprudência e legislação; artigos, notícias, eventos, vídeos, reportagens e tudo mais que você precisa para ficar por dentro de todos os assuntos correlatos com as Ciências Jurídicas e Sociais.

É evidente que faço pesquisas em boas gramáticas e outros excelentes compêndios para melhor responder as questões propostas. Brinco com as palavras, faço terapia ocupacional, estudo, aprendo e ensino o difícil idioma português. Eu seria leviano se NÃO INFORMASSE que as respostas às inúmeras dúvidas dos leitores TAMBÉM SÃO DADAS por um dos colaboradores desse conceituadíssimo Portal – Migalhas –. Claro que estou me referindo ao eminente Doutor e Mestre JOSÉ MARIA DA COSTA. Eis sua resumida biografia:

Graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Doutorando e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP.

O notável colaborador também é escritor e autor do Manual de Redação Jurídica. É nesse compêndio que o renomado Doutor faz um Trasladando de sua vasta experiência de professor de Língua Portuguesa e Língua Latina, José Maria da Costa traz nesta obra um verdadeiro tira-dúvidas da língua portuguesa.

Atualizado pelo Novo Acordo Ortográfico, o livro trata, com clareza e didatismo, de numerosas questões de linguagem, cujo emprego tem suscitado dúvidas. Adquiri esta obra e por isso Eu a recomendo com louvor!

PERGUNTAS E RESPECTIVAS RESPOSTAS

A leitora Bianca de Souza Silva enviou a seguinte mensagem:

"Caro Professor, Qual seria o correto: ‘... executar os serviços objeto desse contrato' ou '...executar os serviços objetoS desse contrato', com a concordância no plural (como fazemos, por exemplo, na expressão 'Nem tudo são flores', ainda que a estrutura das orações não seja a mesma)? Obrigada." – (SIC).

DIRIMINDO A DÚVIDA DE BIANCA E OUTROS LEITORES

Vários leitores indagam sobre um mesmo assunto, em estruturas como as que seguem: a) "... serviços objeto do contrato..."; b) "... serviços objetos do contrato..."; c) "... as matérias que foram objeto de apreciação..."; d) "... as matérias que foram objetos de apreciação..."?

Ora, ora, ora...Quando se tem uma estrutura com verbo de ligação, nos moldes dos exemplos dados, e o sujeito é plural, o complemento (predicativo do sujeito) pode ficar no singular ou no plural, independentemente de haver alguma variação no sentido.

Exemplos: a) "Os escândalos do Congresso foram assunto do dia"; b) "Os escândalos do Congresso foram assuntos do dia"; c) "Os novos produtos foram sucesso instantâneo"; d) "Os novos produtos foram sucessos instantâneos". Viu? Como na propaganda dos carros flex ao se referir ao combustível utilizado. Álcool ou Gasolina? Tanto faz!

E, quando no predicativo do sujeito se tem o vocábulo alvo ou a palavra objeto, a situação não se altera, de modo que são corretos todos os exemplos a seguir: a) "As matérias foram alvo de apreciação"; b) "As matérias foram alvos de apreciação"; c) "As matérias foram objeto de apreciação"; d) "As matérias foram objetos de apreciação".

Voltemos aos exemplos das consultas: a) “... executar os serviços objeto desse contrato" (correto); b) "...executar os serviços objetos desse contrato" (correto); c) "... imóveis objeto do contrato..." (correto); d) "... imóveis objetos do contrato..." (correto); e) "... as matérias foram objeto de apreciação..." (correto); f) "... as matérias foram objetos de apreciação" (correto). Mais uma vez vale o "tanto faz" singularizando ou plurarizando a palavra "objeto".

O leitor Luiz Alberto Kuchenbecker enviou a seguinte mensagem:

"O art. 5º da Constituição Federal, em seu inciso X, dispõe que 'são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito A INDENIZAÇÃO pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;' (grifo nosso). Pergunto: a expressão 'direito a indenização', no caso, não exige crase? Muito obrigado." – (SIC).

RESPONDENDO AO CONSULENTE LUIZ ALBERTO

Num primeiro aspecto, quando se substitui indenização por um correspondente masculino (ressarcimento, por exemplo), vê-se que a nova expressão pode ficar de dois modos: I) "... assegurado o direito a ressarcimento pelo dano material ou moral..."; II) "... assegurado o direito ao ressarcimento pelo dano material ou moral...".

No primeiro caso, o sentido resultante é mais formal e genérico. No segundo, a acepção é de algo mais definido e específico. Independentemente de qual seja o sentido final, porém, o certo é que, no campo estritamente gramatical, estão corretas ambas as expressões: “direito a indenização” ou “direito à indenização”. Chamamos a esse caso de crase facultativa.

Ah! Por falar em crase... Vendemos à vista possui a crase. Quer saber o por quê? Vou explicar: Normalmente, diz-se haver crase quando se fundem duas vogais idênticas. Nos casos que despertam maior problema, um a (preposição) se encontra com outro a (artigo, pronome ou o início do pronome demonstrativo aquele, aquela etc.). Seu símbolo é o acento grave. Exemplos:

a) "Vou à cidade" (preposição + artigo);

b) "Esta situação é semelhante à anterior" (preposição + pronome);

c) "Dediquei-me àquela tarefa" (preposição + início do pronome aquele ou similar).

Esclareça-se, por oportuno: o acento não é a crase, mas apenas o indicador de que ali ocorreu esse fenômeno. Por isso, o usuário não emprega a crase, mas o acento que representa sua ocorrência. Porém, por facilidade, costuma-se dizer que se "usa a crase", e não que se "usa o acento indicador de ocorrência do fenômeno da crase”, embora tal seja tecnicamente o que ocorre.

No que interessa para o caso da consulta, todavia, há um caso excepcional, em que não se usa a crase por motivos técnicos, e seu acento indicador não reflete a existência de uma contração de vogais idênticas, mas ele é utilizado apenas para evitar a ambiguidade, a duplicidade de sentido.

Assim, escreve-se:

I) "Matar à fome" (deixar sem comer) para diferenciar de “Matar a fome” (dar de comer);

II) "Receber à bala" (receber atirando) para diferenciar de "Receber a bala" (ganhar uma guloseima);

III) "Pintar à mão" (pintar com a mão) para diferenciar de "Pintar a mão" (passar tinta na mão);

IV) "Cheirar à gasolina" (exalar o cheiro de gasolina) para diferenciar de "Cheirar a gasolina" (aspirar o cheiro da gasolina).

Em todos esses casos, uma análise técnica demonstra que não existe o fenômeno da crase, e a justificativa de seu emprego se explica exclusivamente pelo argumento de afastar a ambiguidade, a duplicidade de sentido. É também desse rol um exemplo como "Venda à vista" (Venda a dinheiro, venda sem parcelas), em que também se dá a inexistência de motivos técnicos para crase, e basta a substituição por um substantivo masculino para verificar essa realidade: "Venda a prazo" (e não Venda ao prazo).

Mas, analisando melhor o exemplo "Venda a vista", vê-se como possível a ambiguidade, por se poder entender vista (o olho) como substantivo e alvo da própria venda. Pelo sim e pelo não vou melhorar minha resposta:

A VISTA = refere-se ao substantivo vista; olho; órgão visual; paisagem. Exemplos: - A vista daquele homem parece triste. - Ela tem uma bela vista de seu quarto.

À VISTA = na presença de; a dinheiro; pagamento da mercadoria adquirida; diante. Exemplos: - Você vai pagar à vista? - Eu me sinto bem à vista da luz solar. - À vista dele você fica esquisito.

MAIS UMA DÚVIDA DE UMA LEITORA

A leitora Larissa Waldow enviou a mensagem abaixo:

"Prezado professor, existe diferença entre o uso das denominações 'Requerente' e 'Autor'? Se diferentes, quando cada uma deve ser usada? Grata." – (SIC).

A RESPOSTA ESCLARECEDORA

É claro que esse “Autor” pode ser especificado de acordo com a modalidade da medida judicial manejada: em execução é o Exequente; em ação desconstitutiva de título judicial ou extrajudicial é o Embargante; em reconvenção é o Reconvinte; em mandado de segurança é o Impetrante. E aquele contra quem se manejam tais providências judiciais também pode ser especificado: Executado, Embargado, Reconvindo, Impetrado.

De modo específico para o caso da consulta: a) Requerente é vocábulo que se deve evitar em petições judiciais, porque, longe de se amoldar à técnica processual, constitui generalidade que confunde (nada impede, por exemplo, que o próprio Réu de determinada ação seja o requerente de certa petição); b) Autor é termo técnico genérico, que pode ser usado para indicar todo aquele que promove uma ação judicial civil (não importando sua especificidade) ou de uma denúncia penal; c) nada impede que haja o emprego de termos mais específicos que se amoldem à medida judicial manejada: Autor (para ações de conhecimento em geral), Exequente, Embargante, Reconvinte, Impetrante.

O leitor Diogo Dias Macedo enviou a seguinte mensagem:

"Caros colegas, trabalho no Tribunal de Justiça do Maranhão e, no momento de expedir um mandado de intimação, ocorreu-me a seguinte dúvida: I) 'Intimar Fulano e Sicrano na pessoa de seu advogado': II) 'Intimar Fulano e Sicrano nas pessoas de seus advogados'?. Qual seria a forma gramaticalmente correta, sabendo que apenas um advogado representa os dois réus ou autores?" – (SIC).

RESPONDENDO AO CONSULENTE DIOGO DIAS

Em verdade, duas hipóteses, em tese, podem ocorrer em tais circunstâncias: a) um mesmo advogado patrocina os interesses de ambas as pessoas; b) cada advogado patrocina os interesses de uma delas. Ora, quando um mesmo advogado defende os interesses de ambas as pessoas, estas serão intimadas em uma só pessoa, que é o seu advogado comum. Por isso: "Intimem-se Fulano e Sicrano na pessoa de seu advogado".

Todavia, quando cada advogado patrocina os interesses de uma das pessoas a serem intimadas, cada qual destas será intimada na pessoa de seu respectivo advogado, de modo que ambos os advogados haverão de receber a intimação. Assim: "Intimem-se Fulano e Sicrano nas pessoas de seus advogados".

CONCLUSÃO

Quantas vezes já ouvimos alguém dizer que houve um "consenso geral"? Ora, consenso é a opinião geral. É o mesmo problema que ocorre com a "opinião individual de cada um", “minha opinião pessoal”. Um radialista muito conhecido em Campina Grande/PB, cidade onde nasci, falava frequentemente a expressão “minha opinião pessoal” durante o noticioso matutino que garbosamente e com empáfia comanda até hoje.

Certa ocasião alguém (Não fui Eu) o beliscou forte para ele se corrigir. Parece que o muxicão surtiu o efeito desejado, pois, o matinal Jornal Integração, agora, está ótimo de ser ouvido. Todavia, esse mesmo editor chefe não sabe, ainda, que o plural da palavra 'rosto' é pronunciado com o som fechado. Rosto NÃO FAZ um plural metafônico!

Quando o plural é chamado de METAFÔNICO é porque há uma variação na forma de pronunciar o termo depois que ele se pluraliza. Exemplos: PORCO (com som fechado Ô) fica NO PLURAL com o som aberto (Ó), “PORCOS”, FORNO (com som fechado Ô) quando plurariza fica com o som aberto "FORNOS" (Ó).

Ora, nas palavras: ROSTO//ROSTOS; DESGOSTO//DESGOSTOS; MORRO//MORROS; BOLSO//BOLSOS… [Todos esses permanecem com o som FECHADO, sem metafonia]. E quando ele (O eminente editor chefe do Jornal Integração) pronuncia 'rostos' com o som aberto (Ó) é como se Eu recebesse um tiro de 9 mm, à queima-roupa, no ouvido esquerdo que, hoje, está chiando mais do que nunca.

Cuidado e muita atenção neste aviso: "Unanimidade de todos", “acordo amigável”, "encarar cara a cara", "repetir de novo", "enfrentar de frente" são tão redundantes quanto o "juiz julgador", "erário público" e o "vereador municipal".

O poeta alemão Goethe dizia com muita propriedade: “Com o conhecimento nossas dúvidas aumentam.”. Alguém de sã consciência duvida disso? Eu nunca duvidei! Todos nós continuaremos cheios de dúvidas e por isso incito a todos para adquirirem o gosto pela pesquisa, aquisição de boas obras e estudo sem esmorecimento.

Explico que os mais simples, os adolescentes e assemelhados não se preocupam (e não poderia ser diferente) com o que dizem ou escrevem porque a linguagem coloquial é a tônica (PARA ELES). É o ponto de destaque, de maior ênfase quando se debate sobre determinado assunto. Não há o compromisso de falar ou escrever utilizando-se de uma linguagem correta, formal.

Todavia, os diletos leitores, mais esclarecidos, assim como os que fazem do idioma pátrio sua ferramenta principal de trabalho deverão estar sempre alerta ao falar e/ou escrever. Tudo com o fim de evitar a galhofa dos seus pares e, o que será pior, tornar nebulosa ou incompreensível a tentativa de uma comunicação.

RESUMO DA CONCLUSÃO

Você, caro e perspicaz leitor, viu como fiz a concordância com a palavra "alerta"? Eu escrevi no parágrafo acima: "deverão estar sempre alerta ao falar e/ou escrever." – Antes que me deem um forte muxicão ou safanão explico essa polêmica concordância.

EXPLICANDO A CONCORDÂNCIA COM A PALAVRA ALERTA

Carlos Drummond de Andrade, em seu poema "Passagem do ano", empregou a palavra ‘alerta’ da forma clássica (Eu também prefiro essa forma), isto é, deixando-a invariável por considerá-la advérbio. Leia abaixo:

"As coisas estão limpas, ordenadas.

O corpo gasto renova-se em espuma.

Todos os sentidos alerta funcionam."

Embora se refira a sentidos, alerta não está no plural. Por outro lado, vimos e vemos, frequentemente, manchetes nos jornais: ‘Hospitais alertas’ e ‘Ressurge febre amarela - comunidades alertas’. Está errado fazer essa concordância? Não, de acordo com padrões mais modernos de linguagem. Houve uma evolução no emprego desse termo e alguns dicionários registram tal fato.

Na sua origem italiana, ‘alerta’ é interjeição (Alerta!) que passa a ser também advérbio em português (além de substantivo, o que não está em discussão). Portanto, como todo advérbio, é palavra invariável, ou seja, não há singular nem plural, nem flexiona no feminino.

Assim consta nos dicionários de Cândido Figueiredo (1949), Antenor Nascentes e Francisco Fernandes, e nas gramáticas de Evanildo Bechara e Luiz Antonio Sacconi. Estes autores não mencionam ‘alerta’ como adjetivo e exemplificam: "Estejamos alerta" / "São pessoas alerta".

Já o VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), o Dicionário Aurélio, Laudelino Freire (1954), Napoleão Mendes de Almeida e outros registram as duas possibilidades: advérbio (‘em atitude de vigilância, de sobreaviso’; ‘atentamente’) e adjetivo (‘atento, vigilante’), quando então acompanha o substantivo em número.

Exemplos: homens alertas, hospitais alertas. Havendo, pois, controvérsia, a matéria não deve de modo nenhum fazer parte de concursos e provas. Seu uso é pessoal e a escolha depende muitas vezes do contexto.