A iluminação pela palavra “A”
A iluminação pela palavra “A”
Sabe quando alguém chega pra você e diz-lhe que encontrou Jesus. Olhamos para essa pessoa e até vemos que há algo diferente nela. Sei lá... Um olhar diferente. Um jeito meio esquisito do normal... Não sabemos dizer, mas, realmente, a pessoa não lhe parece a mesma. Seu rosto irradia uma luz estranha e uma alegria desmedida como que o brilho do ouro a estivesse iluminado.
Bom, algo parecido lhe ocorre quando você depois de velho, após várias passagens dentro dos vários diferentes níveis de ensino de tudo que é estudo e, mesmo assim, ainda se vê apanhando feito boi-fujão para as várias bancas que elaboram provas país a fora. E o que é pior, justamente, na matéria que mais se estuda nesse país e, aliás, já nascemos estudando-a – o tal do bendito “Português”. É bem assim, basta olhar os índices de erros cometidos naquilo que é o mais básico no “Português”, o sujeito deve concordar com verbo. Então, quando a gente descobre a mecânica por traz da gramática da língua portuguesa, a gente fica igual aos que encontram Jesus... “iluminados”.
Os caras das bancas estudando anos afinco, tornam-se filólogos e depois especialistas na arte de como lhe ferrar nas provas. Na verdade, pra eles isso é questão de sobrevivência já que os empregos deles dependem disso. E você, mero mortal, que estudou a forma geral e tradicional da gramática portuguesa que se aprende aí por essas escolas da vida, fica completamente indefeso na mão desses sádicos. Os arsenais e formas de variações que eles dispõem são quase infinitos. A verdade é que não há defesa, e ficamos, a inteira mercê da banca, rendidos e humilhados. Claro, a gente não estudou as quase infinitas formas de errar e, dentro do inferno gramatical, os caras das bancas se posicionam de maneira muita a vontade e divertida, parecem até o Rubinstein dedilhando o seu piano.
Todavia depois de várias humilhações, frustrações e sofrimento profundo, a gente passa por todo esse processo de expiação e sai do outro lado com várias marcas, no entanto, algo em nós não é mais o mesmo, estamos diferentes. Então, percebemos que o sofrimento nos trouxe escola. E, agora, é a hora do basta e dizemos conosco: “não mais”. Chega de tanto sofrer. Atitude de Homem!
Com alma lavada pelo sofrimento e despojada dos pecados de uma vida errante, batemos à porta do templo da palavra “A” , humildes e conscientes de nossos pecados e de joelhos os confessamos. Aplicadas as penitências. É chegada a hora da remissão dos pecados. Somos apresentados à religião da palavra “A”. Os mestres, então, nos colocam num processo de iniciação. Começamos aprender que o “A” não é somente o “a”, é algo além e transcendental. Aí vêm os primeiros ensinamentos do A na condição de preposição. Acreditem, é exatamente aí o ponto mais importante de toda aprendizagem, ou seja, saber diferenciar a preposição A átona das diversas formas de manifestação da palavra A faz toda a diferença. E veja, pelo fato de ser uma preposição átona, o “a” pode passar tranquilamente despercebido, ou seja, num verbo do tipo proceder ( no sentido de executar), ela pode passar sem ser notada como um fantasma que está ali mas ninguém o nota. Veja o exemplo: “João procedeu ( )o conserto do carro”. Viram que o “a” foi omitido na leitura da frase e não causou nenhuma espécie. Pois o certo seria “João procedeu ao ...”. Isso ocorre porque essa preposição é extremamente átona. Então, saber que existem formas do “ A” artigo definido feminino, preposição, pronome demonstrativo, pronome pessoal e as formas de suas associações A+A= À, DE+A=DA, EM +A = NA, POR +A = PELA e por aí vai, isso é, com certeza, o elemento que nos vai dar o subsídio necessário para saímos da selvageria em que nos encontrávamos.
Dá para perceber que munidos desses parcos conhecimentos e com uma informaçãozinha de que: o núcleo do sujeito jamais poderá vir preposicionado e que o sujeito é aquele com o qual o verbo concorda. Pronto, já temos a luz da pequena lanterna que vai nos permitir caminhar dentro do mundo místico da análise sintática das bancas de concursos.
Assim, quando estivermos diante duma construção do tipo: Aos políticos..., À escola... , A casas..., Do parque..., Na árvore... e coisas dos gêneros que começam com preposição sabemos que diante mão essas construções podem, em tese, ser tudo, todavia sabemos o que não podem ser, sujeito não é: uma vez que o núcleo do sujeito não pode vir preposicionado dentro da oração. Nós podemos até dizer, num momento mais avançado de nosso processo de iniciação, que aquilo que está precedido de preposição seja um objeto indireto, complemento nominal, adjunto nominal e etc., porém sabemos que não é sujeito, e isso apenas basta para que possamos avançar um pouco mais nesse campo de quebra-cabeça da análise sintática das bancas.
Então, vejamos, apenas como forma de exemplificação: “ Às escolas é dado o valor errado”. Se essa construção fosse uma questão de prova. Muitos incautos, no alto de sua selvageria, com certeza, diriam que o núcleo do sujeito na oração é “escolas”. Não hesitariam em marcar essa alternativa como errada em relação à concordância. Chegariam à casa felizes da vida:
- Pai, mãe, vovóóóóó... A prova tava melzinho na chupeta. Devo ter passado com louvor.
Coitado do infeliz, ainda não conhece a catedral da palavra “A”. Está em estado selvagem como índio pelado, à beira das margens dum rio, devorando com os dentes um peixe recém pescado com as próprias mãos. Garanto-lhes que, quando diante do resultado, o pobre infeliz vai querer questionar o resultado do gabarito. Vai pedir recurso. E para sua surpresa o resultado vai ser confirmado. Sem entender sua própria ignorância vai continuar errante no mundo de sua selvageria.
Veja que para acertar a questão proposta, bastaria ao pobre infeliz perceber que na questão aquele “Às” era o A (preposição) + as (artigo defino feminino plural) = ÀS, e que aquele sinal posto sobre o A era nada mais do que a denúncia da preposição, gritando a todos os cantos, qual um Pavarotti, sua presença dentro da construção oracional. O infeliz nem precisava saber que a construção era de voz passiva. Bastaria saber que a crase estava expondo a presença da preposição “A”, nua com todas as suas formas sedutoras, e que o núcleo do sujeito jamais pode ser preposicionado e pronto. O seu direcionamento seria desviado para outra estrutura da oração, ”o valor errado” cujo núcleo do sujeito é o ” valor”. Assim sendo, como o verbo concorda com sujeito: teríamos, escrevendo na ordem direta a mesma oração, “O valor errado é dado às escolas”. Então, “valor” é o núcleo do sujeito, estando no singular, o verbo concordando com núcleo deverá este estar também no singular. Por isso é que “é dado” e não “são dadas”. O resto não “ importa”; saber que a construção é de voz passiva e que “às escolas” é objeto indireto isso era secundário para o acerto da questão.
Dá para perceber como a banca nos humilha. Ela está sempre um passo a nossa frente nos fazendo atuar no papel de bobo o tempo todo. E Sabe do que mais, dentro dessa escola exotérica dos iniciados da língua portuguesa, existem algumas entidades que são místicas e quando nos depararmos com elas, devemos, por respeito, fazer reverência a elas. São os verbos haver, no sentido de existir, caber, fazer , faltar, assistir... Pois estes verbos subvertem a ordem lógica das coisas. Por exemplo: quando no início de uma frase encontrarmos o verbo “caber”, devemos baixar a cabeça em sinal de respeito, pedimos a devida vênia, prosseguimos com a nossa análise. Sabendo que diante do verbo caber a pergunta que se faz ao verbo para descobrir o sujeito vem numa lógica diferente das demais, ou seja, antes era a pessoa que praticava a ação: ” João canta a canção”. Quem canta? João, sujeito da oração, e, a canção, a coisa objeto da ação. Essa é a lógica que a gente aprende em todas as escolas. Sem problemas! Mas, agora, em relação ao caber, a coisa não pode ser entendida assim. Porque o sentido do caber, quando se refere a cabimento, introduz uma ordem contrária à lógica habitual. Na estrutura do verbo caber, é a “coisa” que cabe à “pessoa”, e não a “pessoa” que cabe à “coisa”. Veja que momento sutil e delicado que o verbo caber nos brinda. Essa inversão com sutileza na subversão da ordem.
Sendo assim, na seguinte construção: “ Aos políticos cabe a responsabilidade ética”. Veja que dá uma vontade danada de concordar o verbo caber com políticos. Porém sabemos do valor místico do verbo caber. Assim, acabando de passar por ele, fazemos nossas reverências, e o vendo lá na sua posição de sentido, com sua túnica marrom encapuzada, concentrado em seus afazeres transcendentais, pedimos a devida vênia e prosseguindo com nossa análise, sendo certo, que estamos agora sob outra lógica diferenciada, entendendo que no exemplo acima, não é” Aos políticos” que cabem, mas “a responsabilidade ética” que cabe “aos políticos”. Todavia porque agora fomos apresentados à palavra “A”, já, num primeiro momento, sabemos que diante mão o A do “Aos políticos” é uma preposição, portanto não comeremos do fruto pecaminoso. Assim, o sujeito da oração nunca poderá ser “Aos políticos”, pois o mesmo está preposicionado. Claro, com a devida vênia dos objetos diretos preposicionados, que nas construções de voz passiva passam a exercer função sintática de sujeito. Mas isso já é uma conversa para os mestres que estão em estágio transcendental.
Veja como nos transformamos em pessoas diferenciadas. Pois a maioria casaria logo com os políticos do exemplo anterior. E podem acreditar, consegue até ser feliz no auge de sua ignorância. Porém passamos agora a frequentar a catedral do “A”. Somos agora pessoas libertas do pecado mundano. Não estamos mais em estado de selvageria, pois sabemos que o “A” não é apenas o “a”. Finalmente, encontramos o “A” e o “A” nos libertará. Somos agora almas filhas da Iluminação da Palavra “A”. Noutro momento, alcançaremos outros templos que são mais densos e sagrados em termos de transcendentalidade: o "Que" e o "Se". Mas por ora ficaremos contemplando a catedral da palavra "A".
E, aí de peito aberto e de cara para o inferno gramatical produzido pelas bancas. Ousamos a enfrentá-las... Venham!!!
(Fábio Omena)