O ARTIGO
Para quem deseja escrever bem, estilística e conscientemente, conhecer o artigo é de suma importância.
Primeiro, pergunto: Estas palavras O, A, OS, AS são artigos? Absolutamente! Mas, elas podem, sim, tornarem-se artigos, contanto que sejam antepostas a substantivos, ou a outras vocábulos, que, devido à presença delas, tornam-se substantivos (palavras substantivadas). Cuidado para não supor que, toda vez que tiver algumas delas antes de uma palavra, esta necessariamente se torna substantivo. Pode se tratar de outra classe gramatical. Exemplos: a) Os que se arrependerem de seus pecados, ganharão a salvação. “OS” aqui é pronome demonstrativo (= aqueles). b) O “que” é uma palavra que tem gerado muitas polêmicas no Recanto das Letras. Aqui a palavra “que” é substantivo, pois O é artigo (“o que” é sujeito desta oração: “O que é uma palavra...”).
A função do artigo é determinar (o, a, os, as) ou indeterminar (um, uma, uns, umas) os substantivos. Morfologicamente, ele pode ser flexionado conforme o núcleo do sintagma (a vaca, as vacas).
Quando o substantivo já é conhecido, usa-se o artigo definido; quanto não, o indefinido. Vejamos esta oração: UM transeunte achou UM relógio na rua. O transeunte entregou O relógio a UM mendigo.
O artigo definido, portanto, particulariza um ser entre tantos de determinada espécie.
Um substantivo usado sem artigo fica em sentido indeterminado e generalizado: Cachorro ataca criança. Vejam a diferença: O cachorro ataca a criança.
O artigo pode tornar comum um substantivo próprio: Lula banalizou a corrupção no Brasil. E há muitos lulas na política brasileira.
O artigo pode ter valor intensificador: Ela me direcionou um olhar, que me enervou.
Pode determinar o gênero e número dos substantivos: O estudante e a estudante foram assaltados. O Amazonas é um rio grande. As amazonas foram derrotas por Hércules. O pires caiu. Os pires caíram. O médico acha difícil a cura do cura. O lente deixou de ler depois que perdeu as lentes. O cabeça da rebelião perdeu a cabeça ao ser preso.
Os artigos podem se combinar com algumas preposições. Alguns casos: Com EM: No, na, nos, nas, num, numa, nuns, numas. Com DE: Do, da, dos, das , dum, duma, duns, dumas . Com A: ao, à, aos, às.
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Vejam este texto do gramático Evanildo Bechara sobre o artigo:
“Leitor assíduo desta coluna pergunta-nos se está certa sua crítica aos dizeres de placas de sinalização que lê na Via Dutra, no trajeto Rio-São Paulo: REDUZA VELOCIDADE. “No meu entendimento, ela pede à velocidade que reduza, certo? Não seria REDUZA A VELOCIDADE a mensagem correta?”
A primeira mensagem que a placa assim escrita comunica aos motoristas que trafegam pela Via Dutra é que, naquele trecho, têm de diminuir a velocidade para evitar acidentes. Se houver consciência de todos, serão evitados vítimas e prejuízos materiais. Não resta dúvida de que a interpretação da placa proposta pelo leitor exigiria maneira especial de entoar a frase e até de pontuá-la, interpretação que parece não ser a natural dos usuários da estrada. É mais natural, conforme propôs corretamente o leitor, interpretar REDUZA VELOCIDADE como equivalente a REDUZA A VELOCIDADE, isto é, como se nela estivesse escrito o artigo definido A.
E agora cabe a pergunta: estará correta a frase sem o artigo? É claro que sim. A língua permite uma série de frases que se constroem com verbo e substantivo sem a presença de artigo. Em linhas atrás empregamos “não resta dúvida”, e entre o verbo [resta] e o substantivo [dúvida], desacompanhado de um modificador, não há o concurso do artigo. Citar exemplos do tipo “ter razão”, “ficar a ver navios”, “sentir dúvida”, “criar encrenca” seria enfastiar o leitor pela grande quantidade deste uso. O emprego do artigo definido não fica apenas restrito à oposição “conhecido” (definido) e “desconhecido” (ausência do artigo definido ou emprego do indefinido). Há sutis situações de que o falante tira partido com admiráveis resultados expressivos.
Por acaso, outro dia, relíamos substancioso comentário de um excelente conhecedor de nosso idioma, o professor cearense Martinz de Aguiar, que, no livro “Notas de português de Filinto e Odorico” (Organização Simões, Rio de Janeiro, 1955), lembrava os versos de Gonçalves Dias do poema “Harmonias”:
Ao par amante, que inocente vaga,
Sou eu quem prendo em derretido enleio:
– Secura ou fogo, ardente devaneio
Que dá morte a paixão, que sempre afaga.
O clássico maranhense deixou na edição dos “Segundos Cantos” (Tipografia Clássica de José Ferreira Monteiro, Rio de Janeiro, 1848) o objeto indireto ‘a paixão’ com a respectiva preposição ‘a’, mas o substantivo ‘paixão’ sem artigo, utilizando o mesmo recurso de ter o substantivo não precedido do artigo definido feminino ‘a’. Desconhecendo esta possibilidade do idioma, ou passando por cima de uma sutil – mas correta – intenção estilística do poeta, seus editores modernos resolveram optar por introduzir o artigo ‘a’ que o poeta não usou, e fundir por crase ‘a’ preposição com o ‘a’ artigo (‘à’), alterando a gramática do verso para “Que dá morte à paixão, que sempre afaga”, destruindo o paralelismo sintático desprovido de artigo em ‘morte’ e ‘paixão’. Por consciência editorial anotaram os editores modernos “Está a paixão”, como fez Manuel Bandeira, na sua prestimosa “Obras poéticas de Gonçalves Dias”, 2 vols., Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1944.
Sutilezas do emprego e do não emprego do artigo definido fazem parte da riqueza do nosso idioma e, por isso mesmo, devem merecer a atenção daqueles que desejam enriquecer-se com esses tesouros expressivos. Concluindo, nada há para mexer na placa da rodovia.”
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Artigo antes de nomes de cidades: Só se esta vier determinada: Estou EM Roma. Estou NA antiga Roma. Isso tem implicações no uso da crase: Vou A Roma (venho de Roma). Vou À antiga Roma (venho da Roma antiga).
Com o numeral AMBOS, o artigo é usado entre ele e o substantivo: Ambos os réus foram condenados.
Usado com a palavra TODO, significa inteireza, totalidade: Toda A cidade sabe do ocorrido. Sem o artigo, significa cada, qualquer: Toda cidade sabe do ocorrido. (NOTA: Verificar este ponto nos comentários do amigo correcantista, o ilustre AMÉRICO Paz, profundo conhecedor da "Úlima Flor do Lácio").
Antes de possessivos, é facultativo, exceto se o substantivo não vier explícito: Elogiaram ( ) teu desempenho. Elogiaram TEU desempenho, mas não O meu (aqui o artigo O é obrigatório). Esse fato torna facultativa a crase antes de pronomes possessivos: Dei à minha namorada um brinco de ouro. Dei a minha namorada um brinco de ouro.
Se o artigo indefinido estiver anteposto a um numeral, indica quantidade aproximada: Chutei umas 200 vezes. Ele há uns 30 anos não vai ao teatro. Comprei uns quarenta ingressos.
Não se repete o artigo antes e depois do substantivo, ao se usar o superlativo MAIS: Fiz obras AS mais importantes. Fiz AS obras mais importantes. Errado: Fiz AS obras AS mais importantes.
Antes de um infinitivo, não se pode combinar DE+ARTIGO: Chegou o momento de a minoria protestar. Explicação: DE se relaciona com O MOMENTO e não com MINORIA. Além disso, “A MINORIA”é sujeito de PROTESTAR, e o sujeito jamais pode se introduzido por uma preposição.
O artigo anteposto a obras cujos nomes se iniciam com artigos: Ou não se faz a contração, ou a fazemos com o uso do apóstrofo: A Paraíba é dona de A União (ou: d’A União). A reportagem saiu em O Globo (ou: n’O Globo).
Usa-se o artigo e não o possessivo antes de nomes de partes do corpo, peças de uso pessoal e faculdade do espírito : Caí e quebrei a mão. Quando pulei, a calça se rasgou. Viajei e esqueci a escova. Os pensamentos indicam que estou vivo.
O artigo definido não se usa antes da palavra CASA (lar) se esta não tiver qualificada, mas usa-se se ela significar “prédio” ou estabelecimento: Estou em casa, pensando na casa que meu amigo constrói.
Numa série de substantivos, se o primeiro tiver um artigo, este deve se repetir com o demais: Trabalha para a mãe, a filha, o pai, a irmã, o irmão e o sobrinho. Também se repete o artigo se dois adjetivos unidos por E e OU qualificam opostamente o mesmo substantivo: A boa ou a má safra dependem do tempo. Li o novo e o velho testamento. Ou quando os adjetivos não vierem unidos por aquelas partículas: Era o exigente, o carrancudo, o pernóstico diretor. Era o feio, o magro, o horroroso pato. Ainda se repete o artigo se o mesmo substantivo vier qualificado por uma série de superlativos relativos: Ela é a mais amada, a mais elegante, a mais séria da escola.
Por ter o artigo definido uma função limitadora do substantivo, normalmente seu uso é evitado quando o gênero e o número de um substantivo já estão determinados por outras classes de palavras: ( ) Dois novos fatos vieram à tona. Quando se deseja usar um substantivo na sua plena significação: Não se vive sem ( ) água.