Haja Vista (Veja) As Análises Inaceitáveis de Cândido e de Carneiro

Laudelino Freire: " Haja vista. É o idioma português riquíssimo de perifrases, que surdem a cada momento superando em poder de expressão as formas simples e isoladas.

As de formação verbal sobretudo parece que imprimem ao sentido da palavra que elas substituem, precisão mais direta e expressiva.

Entre as desta espécie figura a expressão haja vista, com a peculiaridade de encerrar singular forma de determinação, de que resultam normas diversas de análise das orações correspondentes.

Estabelecem-se com eles, por conseguinte, três modos diferentes de analisar o mesmo tipo sintático, o que é, pelo menos, perturbador.

Sem embargo de terem sido essas interpretações apresentadas com o selo da autoridade de grandes mestres, lícito é, todavia, reconhecer que duas delas assentam em raciocínio forçado e não de cunho meramente artificioso.

A primeira defendida é, e com ardor, por Cândido de Figueiredo.

Deparando-se-lhe num dos jornais de Lisboa o período: '... haja vista ao empenho com que o sr.Cristóstomo...' condena esta construção, dizendo textualmente:

' Haja vista ao empenho... pode ser erro de imprensa; mas como em muitos casos, por mim observados, é erro de sintaxe, nada se perderá em consignar a boa doutrina. O sujeito daquela oração... é emprenho e não vista. O haja tem ali a significação de tenha, e a oração corretamente escrita é assim: haja vista a folha oficial...; hajam vista os acontecimentos da África do nosso colega....' (Lições Práticas,5a ed.,v.I,55).

O que sustenta Cândido de Figueiredo é, pois, o seguinte: na expressão haja vista o verbo haver é o mesmo que ter, e, portanto, transitivo. O sujeito na oração é sempre a palavra ou palavras que vêm depois de haja vista, sendo vista o objeto direto.

Tomando-se,portanto,qualquer daqueles exemplos,seja o último, a sua análise seria assim desenvolvida: Sujeito: as alegações: Verbo:hajam: Objeto direto: vista.

É manifesto o artifício de que se prevalece o filólogo para adaptar à sua doutrina aquelas proposições. Viu-se forçado a separar na aludida expressão os seus dois elementos - haja e vista - absolutamente inseparáveis, decompondo haja vista, que é uma frase feita, expressão una e definida, com significação determinada, em dois elementos que passaram a ter funções sintáticas diversas da que realmente exerce aquela expressão: HAJA VISTA É UMA EXPRESSÃO VERBAL PERIFRÁSTICA, QUE EQUIVALE A VEJA.

Na sintaxe,porém,do mestre lusitano perde este caráter, deixa de ser o que é, para se transformar em verbo e substantivo, a que é dado exercer a função de complemento direto.

TUDO ARTIFÍCIO, E ARTIFÍCIO DE EVIDENTE INUTILIDADE, QUE SÓ TEM A VANTAGEM DE NOS MOSTRAR QUE É INACEITÁVEL O PROCESSO DE ANÁLISE engendrado pelo eminente gramático.

Inteiramente diferente da de Cândido de Figueiredo, mas IGUALMENTE INACEITÁVEL, é a interpretação que do caso dá o professor Carneiro Ribeiro.... É PROCESSO, COMO SE VÊ, DE COMPLICAÇÃO INDISFARÇÁVEL. Explique-o diretamente o próprio mestre:

' A nós parece-nos que a sintaxe usada por A. Castilho, Filinto e Camilo, e em que figura de complemento indireto o vocábulo que vem depois da aludida expressão haja vista, é preferível, atento o sentido que se liga a esse conhecido modo de dizer e a explicação natural da elípse que o resume.

Com efeito, na frase 'haja vista às tão graciosas fábulas de La Fontaine', segue-se uma sintaxe elíptica, que se desenvolve na seguinte : ' o leitor ou quem quer que seja haja (isto é, tenha) a vista lançada ou dada às tão graciosas fábulas, NOUTROS TERMOS, 'VEJA AS GRACIOSAS FÁBULAS'.

A frase 'haja vista a Plutarco e Xenofonte', de Filinto Elísio, tanto monta como a seguinte: ' O leitor ou quem quer que seja haja (isto é, tenha) a vista lançada ou dada a Plutarco e a Xenofonte', a saber, 'VEJA PLUTARCO e XENOFONTE.'

A frase de Camilo 'haja vista dos elos etc' assim se explica: 'O leitor ou quem quer que seja, haja (isto é, tenha) a vista dos elos', NOUTROS TERMOS, VEJA OS ELOS.' ( Serões,2a ed.,231.)

HÁ GRANDE CONFUSÃO [afirma-nos Laudelino] NO QUE AÍ EXPLICA O PROFESSOR CARNEIRO. Ao mesmo passo que considera como complemento indireto o vocábulo que vem depois de haja vista, remata o desenvolvimento da sintaxe dos exemplos que cita, tomados a Castilho, Filinto e Camilo, dando às palavras que vêm depois daquela expressão a função de COMPLEMENTO DIRETO. A SINTAXE DE TODOS [os exemplos] RESUME-SE a: ' VEJA AS GRACIOSAS FÁBULAS' -'VEJA PLUTARCO E XENOFONTE' - 'VEJA OS ELOS'.

.......Aplicada esta sintaxe aos exemplos acima exarados, ter-se-á SEMPRE A MESMA CONSTRUÇÃO:

' Haja vista (veja) os acontecimentos.

Haja vista (veja) as fábulas.

Haja vista (veja) Plutarco e Xenofonte.

Haja vista (veja) os elos.'

Como se faria aqui a análise gramatical? Toma-se a primeira oração: ' Haja vista os acontecimentos.' Sujeito - O leitor, ou o observador, o historiador, ou palavra indicada pelo sentido da frase;

verbo - haja vista, formado de uma perifrase, que SIGNIFICA veja, e [que] pede OBJETO DIRETO; - objeto direto - os acontecimentos.

É A SOLUÇÃO [afirma-nos Laudelino Freire] DE QUE RESULTA UMA SINTAXE FÁCIL, UNIFORME E ÚNICA EM CONFORMIDADE COM O SENTIDO EXATO DA EXPRESSÃO....

E assim escreveu SEMPRE o grande escritor [Rui]: ' Haja vista [veja] o artigo 182....(Répl.12). 'Haja vista [veja] a espécie de juras...' (idem,105). 'Haja vista [veja] as minhas cartas de Inglaterra...'(Idem,406).'Haja vista as Pandetas Francesas,...'(Idem,319). 'Haja vista [veja] os exemplos disso...'(Idem,572). 'Haja vista [veja] o que ocorreu com o artigo 130'. (Parecer,ed.do Diár. do Cong.,4). 'Haja vista [veja] o conhecido romance de Aluísio.' (Idem,35)." ( -Haja vista [veja] o livro Linguagem e Estilo, 3a edição, Laudelino Freire. Da Academia B. de Letras.)

-Logo, conforme nos ensina corretamente Laudelino, "... uma sintaxe fácil, uniforme e única em conformidade com o sentido exato da expressão" é: -"Haja vista [veja] o empenho." -"Haja vista [veja] as folhas." -"Haja vista [veja] Plutarco e Xenofonte." - "Haja vista[veja] os acontecimentos." -"Haja vista [veja] os elos." -"Haja vista [veja] as fábulas." - Haja vista [veja] as análises inaceitáveis de Cândido de Figueiredo e de Carneiro Ribeiro. Haja vista [veja] os dizeres de Laudelino Freire: "TUDO ARTIFÍCIO, E ARTIFÍCIO DE EVIDENTE INUTILIDADE, QUE SÓ TEM A VANTAGEM DE MOSTRAR QUE É INACEITÁVEL O PROCESSO DE ANÁLISE ENGENDRADO PELO EMINENTE GRAMÁTICO (Cândido)..., mas que é IGUALMENTE INACEITÁVEL A INTERPRETAÇÃO QUE DO CASO DÁ O PROFESSOR CARNEIRO RIBEIRO....

HÁ GRANDE CONFUSÃO NO QUE AÍ EXPLICA O PROFESSOR CARNEIRO..."

-Grande confusão e não menores erros, haja vista [veja] o que também nos diz Carlos Góis:

"....-Em frases como 'hajam vista os simbolistas', 'hajam vista os decretos', preceitua o lexicógrafo Cândido de Figueiredo que os sujeitos são 'os simbolistas', 'os decretos', e que 'vista' é objeto direto de hajam, sendo, em frases tais, o verbo haver pessoal e transitivo, e valendo o mesmo que ter: hajam vista os símbolos = hajam (tenham) vista, isto é, sejam vistos. É da mesma opinião o sr. Cândido Lago (vid. Correio da Manhã, de 30 de maio de 1912). De igual parecer se nos afigura o prof.Mário Barreto, conforme se prende desta sua frase colhida na pág.73 dos Ests. da Língua Port.: Hajam vista os mais que perfeitos....'

Nota - Opinião contrária era a de Júlio Ribeiro,....." E assim conclui o não menos eminente Carlos Góis: "......como tal fica no singular, pois a palavra no plural que se lhe seguir é complemento (OBJETO DIRETO), e não o seu sujeito.

É ESTA A OPINIÃO GERAL DOS GRAMÁTICOS,....." (Carlos Góis -Sintaxe de Construção -1951).

Dr.Napoleão: "HAJA VISTA É UMA LOCUÇÃO INVARIÁVEL, FORMA PERIFRÁSTICA TRANSITIVA, EQUIVALENTE A VEJA, QUE TEM POR OBJETO DIRETO PALAVRA OU PALAVRAS QUE SE LHE SEGUEM. Assim diremos:

-Haja vista [veja] os exemplos dos antigos.

-Haja vista [veja] as medidas tomadas pelo presidente.

FOI SEMPRE ESSA A CONSTRUÇÃO DE RUI E ESSA A CORRESPONDENTE INTERPRETAÇÃO SINTÁTICA A MUITOS EXEMPLOS SEUS".( Doutor Napoleão Mendes de Almeida. Dic.de Questões Vernáculas -1971 -Ed.Caminho Suave.)

Laudelino Freire:" HAJA VISTA É EXPRESSÃO VERBAL PERIFRÁSTICA, ABSOLUTAMENTE INSEPARÁVEIS, É UMA FRASE FEITA, EXPRESSÃO UNA E DEFINIDA, COM SIGNIFICAÇÃO DETERMINADA, EQUIVALE A VEJA, A QUE É DADO EXERCER A FUNÇÃO DE OBJETO DIRETO."

-Evanildo Bechara (37a. edição - Moderna Gramática Portuguesa - pág. 565): "A construção mais natural e frequente da expressão haja vista, com o valor de veja, é ter invariável o verbo, qualquer que seja o número do substantivo seguinte: Haja vista os exemplos disso em Castilho [RB. 1, 572]".

-Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Português (Editora Unesp, 2003), a locução "haja vista" não varia, mesmo que seja seguida de outras expressões no plural. Assim sendo, variações como "hajam vista" ou "haja visto" são consideradas incorretas...."

-Há um grupo que usa indiferentemente "haja visto" ao invés da locução "haja vista."

Há outro que não usa "haja visto" e recomenda corretamente que não se escreva assim, pois trata-se de uma locução feminina.

Porém, neste grupo, dizem ser correto escrever:

Haja vista o livro. -Haja vista os livros. -"HAJAM" vista os livros.-Haja vista "AOS" livros.Mas há ainda, segundo eles, outras maneiras de escrever, e uma delas é com a preposição de.

Eis outros membros que se afinam aqui: Cândido de Figueiredo.Francisco Fernandes.Cegalla etc.

Haja vista é locução INVARIÁVEL e significa veja:

Haja vista(=veja) o livro. -Haja vista(=veja) a carta.-Haja vista(=veja) os livros. -Haja vista(veja) as cartas.

HAJA VISTA É LOCUÇÃO INVARIÁVEL. E É NESTE GRUPO QUE EU ME ENCONTRO E ME POSICIONO.Antes, porém, ouçamos Cegalla:

" Esta expressão pode ser construída de três modos diferentes:

1) HAJAM vista os livros...(=tenham vista,vejam-se).

2) Haja vista os livros...(=por exemplo, os livros).

3) Haja vista AOS livros...(=olhe-se para,atente-se).

A primeira construção ( que é a mais aceitável ) analisa-se deste modo: Sujeito: os livros; verbo: hajam (tenham); objeto direto: vista."

Nada disso faz sentido.É "TUDO ARTIFÍCIO, E ARTIFÍCIO DE EVIDENTE INUTILIDADE," conforme corretamente nos escreveu Laudelino Freire.

Haja vista,homens de ciência, é locução invariável seja em gênero,seja em número ou seja no que for. Ninguém diz: Veja "aos" homens, e sim: Veja "os" homens. -Veja o quê? -Os homens: objeto direto - caso acusativo latino. Não cabe portanto nenhuma preposição:

Haja vista (veja) os homens. Haja vista (veja) os exemplos:

-Haja vista (veja) o livro.Veja (haja vista) o quê? O livro:obj.direto.

-Haja vista (veja) os livros. (Idem.)

-Haja vista (veja) a carta. (Idem.)

-Haja vista (veja) as cartas.( Idem.)

Posta sob esta luz,tal locução rege objeto direto e não objeto indireto.Haja vista [veja] os exemplos do verbo ver no Michaelis on:"Ver[lat.videre] VERBO TRANSITIVO DIRETO e INTRANSITIVO.... e também PRONOMINAL...."

Ora, se haja vista significa veja, veja significando haja vista não rege objeto indireto - caso dativo latino: Haja vista [veja] "aos" livros. O certo é: Haja vista [veja] os livros. Haja vista [veja] o quê? -Os livros: objeto direto - caso acusativo latino.

Haja vista as cartas, haja vista a carta. Haja vista os livros, haja vista o livro. Analisada sob esta luz, tal locução também não rege sujeito nenhum, caso nominativo latino. Esta locução,invariável, rege objeto direto,caso acusativo: Haja vista [veja] as cartas. Haja vista, veja o quê?- As cartas.

E aqui,uma vez lido e entendido o texto 2409850 e outros,como a Novíssima Gramática de Cegalla: "HAJAM vista os livros", fica a pergunta: Que temos em Rui: "HAJAM VISTA" as cartas da Inglaterra? -HAJA VISTA "às" ou "haja vista as cartas da Inglaterra"?

Haja vista é locução invariável, significa veja e o seu complemento é constituído por um objeto direto, o qual em latim tem de ir para o caso acusativo.

Eu aqui concluo: "Haja Vista",David,que tal ouvirmos o Doutor?

Quando o assunto é gramática,creia-me,não há solo mais seguro.

Américo Paz
Enviado por Américo Paz em 11/05/2012
Reeditado em 11/05/2012
Código do texto: T3662610
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