A HESITANTE LOCUÇÃO “HAJA VISTA”

Lemos recentemente, neste nobre espaço, um excelente trabalho de pesquisa do recantista e amigo Américo Paz, acerca dessa, digamos, “fossilizada” locução [HAJA VISTA].

É fato inquestionável que, entre nossos grandes escritores e cultores do idioma, nunca houve consenso no emprego dessa locução. Uns a têm como sempre INVARIÁVEL; outros, como VARIÁVEL.

Ensina, a propósito, TASSILO ORPHEU SPALDING:

“Há muita indecisão a respeito do emprego desta usual expressão. De forma geral, há três opiniões, todas defendidas por gramáticos de renome: “Hajam vista os feitos heroicos do Gama”; “Haja vista aos feitos heroicos do Gama”; e “Hajam vistos os feitos heroicos do Gama”. A palavra “vista”, na locução, é objeto direto e por esta razão deve ficar sempre no singular. Portanto, são corretas as formas: “Hajam vista os feitos heroicos do Gama”; “Haja vista a travessura do menino”; “Haja vista o feito do explorador”; “Hajam vista os erros cometidos”. (Dicionário Brasileiro de Gramática, Editora Cultrix, 1ª ed., 1971, s/d, p. 105).

Vejamos o que nos diz o incomparável Dr. ERNESTO CARNEIRO RIBEIRO:

“Entre os bons escritores varia muito a sintaxe da frase em que figura a locução ‘haja vista’.

Assim é que nos oferecem os exemplos seguintes:

“‘Haja vista às’ tão graciosas e admiráveis fábulas de La Fontaine” (A. Cast. – A Primavera). “‘Haja vista ao’ seguinte passo” (Idem. – Liv. Clássica). “‘Haja vista ao’ Soares de Passos, que enterrou a musa sob os autos forenses e morreu; ‘haja vista ao’ Alexandre Braga, que está mudo, ‘ao’ João de lemos, e ‘ao’ Pereira da Cunha, ‘ao’ Palmeirim..., (lá tornava eu...), enfim ‘a’ tantos e tantos, que estão mudos” (Idem – Convers. – Preamb. no D. Jayme). “‘Haja vista dos’ elos que eles representam na cadeia da criação” (Camilo – Trad. do Gênio do Cristianismo). “‘Haja vista a’ Plutarco e ‘a’ Xenophonte entre os Gregos, e ‘a’ Valério Máximo entre os Latinos” (Filinto Elisio – Obr. Comp. T. 9). “‘Haja vista ao’ minuete de Belorma misera, que vem nas Óperas do Judeu” (Idem). “‘Haja vista minhas Cartas de Inglaterra’, o último livro meu em cuja revisão alguma diligência empreguei” (Ruy Barbosa – Réplica 70, n.º 297). “‘Haja vista’ os exemplos disso” (Idem-Ibid. Nota ao § 472).” (Serões Gramaticais, Livraria Progresso Editora, 6ª ed., 1956, pp. 594-595).

O notável Padre JOSÉ F. STRINGARI – profundo e autorizado conhecedor do idioma pátrio –, sentencia com a mestria que lhe é peculiar: “ninguém se deixe entrar de receios sobre a vernaculidade destes torneios de linguagem”, anotando, por fim, que “nos mestres da língua costumam achar-se exemplos deste jeito: a) ‘Haja vista os modelos’; b) ‘Hajam vista os modelos’; c) ‘Haja vista aos modelos’; d) ‘Haja vista dos modelos’”. (Canhenho de Português, Editorial Dom Bosco, 1961, p. 29).

Por oportuno, anote-se que, em lição repetida por JOSÉ DE SÁ NUNES, já lembrava ERNESTO CARNEIRO RIBEIRO que “entre os bons escritores varia muito a sintaxe da frase em que figura a locução ‘haja vista’”. (Aprendei a Língua Nacional, Consultórios Filológico, 1ª ed., Saraiva, 1938, vol. I, p. 156).

Ensina, por sua vez, o grande HAMILTON ELIA:

“haja vista — pode-se usar esta expressão com o verbo impessoal (haja vista as minhas cartas), ou fazendo-o concordar com o sujeito (hajam vista os exemplos). Também aparece, mas raramente, com a preposição a (haja vista ao autor da obra).” (Dúvidas de Nossa Língua, Iozon + Editor, 2ª ed., 1965, p. 93).

Das três formas acima, vai-se preferindo e fixando a primeira “haja vista”. Entretanto, JAMAIS se deve dizer e escrever “haja visto”. Quem diz e escreve “haja visto” deveria, por questão de coerência e lógica, dizer e escrever “ponto de visto”, “tendo em visto”, etc.

Observação: Não se deve confundir a hesitante expressão “haja vista” com a forma verbal composta “haja visto”. “Haja visto”, na Língua Portuguesa, só existe como forma verbal composta, equivalente a “tenha visto”.

Exemplo:

A bela e estonteante Filisbina poderá divorciar-se, caso ela realmente “haja visto” [= tenha visto] Cordúncio nos braços de outra mulher.

Nada obstante, jamais deixaremos de atentar para o fato de que “As razões da divergência são mais úteis do que as da concordância, porque suscitam reflexão e o reexame de nossas opiniões.” — B. Calheiros Bomfim.

É ou não intrigante nossa Língua Portuguesa?

David Fares
Enviado por David Fares em 09/05/2012
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