O VERBO “CHAMAR” NO SENTIDO DE “APELIDAR” [OUTRO ENFOQUE]

Depois de muito refletir sobre o entendimento do ilustre recantista AMÉRICO PAZ acerca de uma específica regência do verbo CHAMAR, resolvemos, como simples estudioso da Língua Portuguesa, expressar nossa humilde opinião a respeito do tema, ou seja, de que na acepção de “apelidar”, “tachar”, “cognominar”, “qualificar”, etc., o verbo “chamar” PODE também ser classificado como TRANSITIVO INDIRETO, segundo emana dos ensinamentos que se seguem.

Com todo respeito e admiração que nutrimos pelo amigo e recantista Américo Paz, na acepção de “apelidar”, “tachar”, “cognominar”, “qualificar”, etc., JAMAIS sustentaríamos que o verbo CHAMAR, na referida acepção, seria tão somente TRANSITIVO DIRETO.

O notável e imortalizado professor SOUSA DA SILVEIRA, com a autoridade acadêmica que lhe é peculiar, ensina:

“‘Chamar’, significando ‘apelidar’, ‘dar um nome a’, usa-se com objeto direto ou indireto: ‘nasceu em 1822, na véspera da independência, tanto que o pai, por brincadeira, entrou a chamá-la Ipiranga, e ficou-lhe esta alcunha entre as amigas.’ (M. de Assis, Hist. sem data, 258). ‘Ouviu que lhe chamavam homem de bem.’ (M. de Assis, Hist. sem data, 181).” (Lições de Português, Livros de Portugal - Rio de Janeiro, 6ª ed., 1960, p. 208).

O renomado gramático e imortal EVANILDO BECHARA, numa extensa relação de regências de alguns verbos e nomes, acerca do verbo CHAMAR, sentencia:

“No sentido de ‘mandar vir’ é transitivo direto; no de ‘dar nome’ é transitivo indireto...” (Moderna Gramática Portuguesa, Editora Lucerna, 37ª ed., 2004, p. 573).

O mesmo imortal e gramático EVANILDO BECHARA, em outra obra de sua autoria, sustenta:

“No sentido de ‘dar nome’, ‘apelidar’ pede objeto direto ou complemento preposicionado e predicativo do objeto, com ou sem preposição: Nós ‘lhe’ chamávamos Caçula. / Chamam ‘a isso heroísmo’. / Chamavam-‘lhe tolo’. / Chamavam-‘lhe de tolo’. / Nós ‘o’ chamamos ‘tolo’. / Nós ‘o’ chamamos ‘de tolo’.” (Gramática Escolar da Língua Portuguesa, Editora Lucerna, 1ª ed., 6ª reimp., 2006, p. 454).

O não menos culto filólogo VITTÓRIO BERGO leciona:

“CHAMAR-LHE — No sentido de dar nome a alguém o verbo ‘chamar’ se usa geralmente, na linguagem literária, com objeto indireto e predicativo: “Dito isto, ele pediu perdão por demais, ‘chamou-lhe criança’ e má cabeça, abraçou-a por força, chamou o cocheiro e partiu.” (CCB, Fani, 104). — Não é raro todavia o emprego com objeto direto, vindo geralmente o predicativo precedido da preposição ‘de’: “E se ‘o chamo de’ filho, perdoe: é balda de gente madura. Poderia ‘chamar-lhe irmão’, de tal maneira somos semelhantes, sem embargo do tempo e do pormenor físico.” (CDA, Bolsa e Vida, 114).” (Erros e Dúvidas de Linguagem, Livraria Francisco Alves Editora, 7ª ed., 1988, p. 90).

Para os grandes HAMILTON ELIA e SÍLVIO ELIA:

“Chamei de cigano”. No sentido de “dar nome”, “pôr nome de”, “apelidar”, o verbo chamar admite a regência direta e a indireta. Diz-se “chamá-lo alguma coisa”, “chamar-lhe alguma coisa” ou “chamá-lo de alguma coisa”. A última sintaxe, que se arcaizou em Portugal, é viva entre nós. (Sousa da Silveira). (100 Textos Errados e Corrigidos, Livraria Francisco Alves Editora, 27ª ed., 1985, p. 188).

Ainda sobre essa acepção do verbo CHAMAR, leciona o Prof. RENATO AQUINO:

“Transitivo direto ou indireto, indiferentemente, com o sentido de “qualificar”, “apelidar”; nesse caso, terá um predicativo do objeto (direto ou indireto), introduzido ou não pela preposição de:

Chamei-o bobo.

Chamei-o de bobo.

Chamei-lhe bobo.

Chamei-lhe de bobo.

Nota: A palavra bobo, nos dois primeiros exemplos, é predicativo do objeto direto; nos dois últimos, predicativo do objeto indireto.” (Gramática Objetiva da Língua Portuguesa, Editora Campus, 1ª ed., 2007, p. 248).

E, finalizando, para o Prof. MANOEL PINTO RIBEIRO:

“Chamavam-lhe maluco. Chamavam-lhe de maluco. Chamavam-no maluco. Chamavam-no de maluco: com o sentido de dar nome, apelidar, pede objeto direito ou indireto e predicativo do objeto, com ou sem preposição.” (Gramática Aplicada da Língua Portuguesa, Metáfora Editora, 15ª ed., 2005, p. 282).

Nada obstante, jamais deixaremos de atentar para o fato de que “As razões da divergência são mais úteis do que as da concordância, porque suscitam reflexão e o reexame de nossas opiniões.” — B. CALHEIROS BOMFIM.

Nota: Salvo engano, a regência do verbo CHAMAR na acepção de “apelidar”, “tachar”, “cognominar”, “qualificar”, etc., é a única da Língua Portuguesa que admite um predicativo para um objeto indireto.

É ou não curiosa e apaixonante nossa inigualável Língua Portuguesa?

David Fares
Enviado por David Fares em 07/04/2012
Reeditado em 23/04/2012
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