Preconceito Linguístico
Na visão preconceituosa dos fenômenos da língua, a transformação de L em R nos encontros consonantais como em Cráudia, chicrete, praca, broco, pranta é tremendamente estigmatizada e às vezes é considerada até como um sinal do “atraso mental” das pessoas que falam assim. Ora, estudando cientificamente a questão, é fácil descobrir que não estamos diante de um traço de “atraso mental” dos falantes “ignorantes” do português, mas simplesmente de um fenômeno fonético que contribuiu para a formação da própria língua portuguesa padrão. Basta olharmos para o seguinte quadro:
PORTUGUÊS PADRÃO ETIMOLOGIA ORIGEM
branco > blank germânico
brando > blandu latim
cravo > clavu latim
dobro > duplu latim
escravo > sclavu latim
fraco > flaccu latim
frouxo > fluxu latim
grude > gluten latim
obrigar > obligare latim
praga > plaga latim
prata > plata provençal
prega > plica latim
Como é fácil notar, todas as palavras do português--padrão listadas acima tinham, na sua origem, um L bem nítido que se transformou em R. E agora? Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem Cráudia, chicrete e pranta têm algum “defeito” ou “atraso mental”, seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu ingrês, pubricar, pranta, frauta, frecha na obra que é considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema Os Lusíadas. E isso, é “craro”, seria no mínimo absurdo.
*Do livro:Preconceito Linguístico de Marcos Bagno
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