SEDE...ÇÃO ou SEDUÇÃO?
SEDE...ÇÃO ou SEDUÇÃO?
A partir do momento que as transações comerciais, prioritariamente, condicionaram-se a sofisticados veículos de divulgação, atendendo aos clamores do processo de globalização, ficamos, mais do que nunca, atrelados aos efeitos advindos de uma linguagem alicerçada na criatividade. A ortodoxia não se coaduna com quem objetiva conquistas.
Desde o folclórico carroceiro, a valer-se de recursos parcos – e que ainda o faz nas regiões periféricas – que divulgava seus produtos através de rouquenhos brados e batidas fortes numa tábua ao alcance do cabo de relho, até as imagens tridimensionais, terminologia científica e intrincados efeitos mirabolantes, engendrados em berços virtuais, as estratégias mercadológicas passaram por mudanças imensuráveis.
A mensagem impressa, gráfica, sonora ou televisiva, nem sempre respeitando princípios e postulados gramaticais, prioriza, em espaços físicos e temporais diminutos, conquistar, principalmente por mecanismos solertes, um público que sempre fez sua opção através da espontaneidade. E poucos não alteraram seu “modus acquirendi”. Na limitação de nosso julgamento, cremos que a falta de adesão imediata ocorre por insensibilidade ao apelo, desconfiança, conservadorismo ou defesa de sua liberdade opcional.
Tomemos como ponto de partida as campanhas publicitárias alardeadas pelas indústrias e empresas cervejeiras. Durante muitos anos, a embalagem convencional esteve às mãos do mercado consumidor em garrafas de 600ml. No início dos anos 90, chega ao Brasil a lata de alumínio. Fontes confiáveis afirmam que em 2011, 30% do consumo de cerveja deu-se através de embalagens metálicas de 269ml, 350ml e principalmente 473ml. Tendo-se como referência a lata de 350ml, passou-se a denominar, sem que haja deslize gramatical, uma vez que o enfoque é substantivo, “latinha” e “latão”. Naturalmente, se tivermos como opções embalagens de 350ml e 473ml, a de menor volume será considerada “latinha”.
O consumidor de cerveja, quando sozinho, em grande parte, restringe-se a uma ou duas latas, ou talvez a uma garrafa de 600ml. Os comedidos satisfazem-se com a embalagem long neck 355ml. Uma vez reunida a confraria, a descontração, os petiscos, a sedução olorífera e visual de bons cortes, o acompanhamento musical, despertam nossa sensibilidade e ingerimos, talvez, mais do que o recomendado.
Citem-se, dentre outras marcas de cerveja, a alemã/holandesa Heineken com 330ml; as uruguaias Patricia e Norteña, com 960ml; a argentina Quilmes com 960ml; a belga Stella com 960ml; a Bohemia Pilsen com 990ml.
Nossa indústria cervejeira, a buscar inovações ao mercado, investe maciçamente, também, na embalagem próxima a 1000ml, ou seja quase um litro. E mais, as agências publicitárias fundamentam expressivas vantagens, classificando o litro como “litrão”. Arrolando, como não poderia ser diferente, múltiplas vantagens.
Não fora uma estratégia de venda, a levar-nos a crer que um litrão possui mais líquido que um litro, a denominação estaria completamente inadequada. Isto porque se um “litrão” aproxima-se de 1000ml, quanto terá o litro convencional? E o curioso é que a prática não se efetiva com outras embalagens. Não empregamos um “litrão” de leite, um “litrão” de água mineral, um litrão de azeite. E ainda que tenham quase dois litros ou mais, embalagens de refrigerante são chamadas de “litrão”. E hora de nos perguntarmos qual é o volume exato de um litro? Quem sabe, em breve, conheceremos o “litrinho”. Lembremos que as unidades de medida (SI: Sistema Internacional) não podem ser passíveis de flexões. E percebam como é curioso – segundo a matemática Magda Sievert – o “litrão” possui menos volume que o “litro”, nesse caso.
Talvez seja questionável sabermos se o consumidor influenciou a mídia, ou por ela foi influenciado?
Permitam-nos enfatizar que quando desejamos aludir a espaços temporais reduzidos, temos por vezo encontrar minutos com, provavelmente, menos de sessenta segundos. Caso nos convenha, diremos: Somente cinco minutinhos nos separaram do fechamento da porta.
Mudemos o foco de nossa análise. Temos ouvido, frequentemente, alguns vocábulos e construções bizarras e/ou jocosos, e uma vez proferidos por comunicadores de notoriedade artística, mesmo que cometam atrocidades ao idioma pátrio, de pronto se tornam máximas incontestáveis. Encontram guarida em torpes seguidores, que os repisam, temendo, pelo desuso, falta de identificação com os fluxos vigentes.
Em alguns programas televisivos, que se atêm a comentar nuances da intimidade de personagens que habitualmente estão em evidência, quer pelo glamour, quer pela celeuma, quer pela competência, quer por comportamentos desairosos ou conquistas honoríficas, divulga-se a glorificação da maternidade, afirmando que esta ou aquela atriz está gravidíssima. Naturalmente, são programas que possuem público fiel aos fuxicos que envolvem os famosos.
Convém recordar que dois são os graus do substantivo: aumentativo e diminutivo. Os adjetivos fazem flexão em estruturas comparativas e superlativas. Em o sendo superlativos (grau máximo), apresentam-se como absolutos e relativos. Sendo relativos, podem ser de superioridade (analíticos ou sintéticos) e de inferioridade. Quando absolutos, classificam-se como analítico – A estátua é muito bela. – ou sintéticos – A estátua é belíssima. – Alguns adjetivos absolutos sintéticos, considerados eruditos, vão buscar nas vertentes grega e latina fundamentação radicular. Dessa forma, teremos paupérrimo (pobre), magérrimo ou macérrimo (magro), nigérrimo (negro), dulcíssimo (doce). Predominam os sufixos “imo” (facílimo), “íssimo” (fortíssimo). Os advérbios, mesmo classificados como invariáveis, por vezes apresentam flexão: pertinho, cedinho.
Algumas palavras, em se considerando o enfoque sintático, mudam de categoria gramatical (derivação imprópria). Examinemos a palavra “grávida” em: A grávida compareceu à ginecologista. É óbvio que é substantivo (sujeito), e mesmo o sendo, não aceita aumentativo ou diminutivo. Não obstante, se a empregarmos em: Maria está grávida, teremos, agora, Maria como sujeito, e grávida evidencia o estado qualificativo. Para que não tenhamos dúvidas, podemos substituir, quem sabe, por Maria está cansada. Entretanto, “cansada” aceitará os graus do adjetivo, inclusive cansadíssima. Na colocação “gravidíssima” , à semelhança de outras palavras, tais como “morto”, “vítima”, o superlativo, gramaticalmente, não encontra respaldo. Não teremos mulheres mais ou menos grávidas que outras, bem como não teremos mortíssimo. A colocação “mortinho”, para o substantivo ou adjetivo, enquadra-se nas liberdades afetivas.
Parece-nos, salvo que estejamos equivocados, que ao afirmarem: Maria está grávida! não possuem certeza plena. Recorrem, destarte, ao superlativo, ainda que violentando a castidade da língua pátria. Não faltarão, bem sabemos apologistas dos exemplos “Os menino saiu daqui agorinha mesmo.” e “Eles foi buscar as marmita.”, preconizados no livro Por uma vida melhor. Segundo o professor Sírio Possenti, “trata-se de uma espécie de experimento mental, para que fique mais clara a relação entre fazer gramáticas que levam em conta construtivamente certa tradição escrita e cultural e fazer gramática que não incluam tais elementos”.
Nosso receio fundamenta-se na constante descaracterização da racionalidade idiomática, em beneficio de agravos que põem em risco a visão lógica de nossos vocábulos e estruturas. Não se aconselhe ou defenda, na prática trivial, o preciosismo Machadiano, entretanto, não cheguemos a afirmar que Maria tomou um litrão de dois litros de refrigerante, ficando com o ventre inchado como se estivesse gravidíssima.
Jorge Moraes – jorgemoraes_pel@hotmail.com - março de 2012