O EMPREGO DE “POSTO QUE” COM SENTIDO DE “UMA VEZ QUE”

“Pouco vale o melhor estilo sem correção de linguagem. A língua tem uma disciplina que importa respeitar. Um dos traços mais distintivos entre o grande escritor e o escritor vulgar é a frase estreme.” (JOSÉ OITICICA, Manual de Estilo, Livraria Francisco Alves, 1959, p. 11).

A conjunção “posto que”, ao contrário do que muitos atualmente vêm sustentando, expressa a ideia de “concessão”, “permissão”, “transigência” e equivale, assim, a “embora”, “ainda que”, “se bem que”. Seu desatento emprego em lugar de “uma vez que”, apesar de frequente hoje, é inadequado porque a referida conjunção NÃO indica relação de “causa/consequência”.

Exemplos:

Craquilda foi aprovada, posto que não tivesse obtido boa nota. [certo]

Não compareci à entrega dos prêmios uma vez que não fui convidado. [certo]

Não compareci à entrega dos prêmios posto que não fui convidado. [errado]

Posto que é locução concessiva, equivalente a “embora”, “ainda que”, “se bem que” e não causal nem explicativa. Erra-se comumente ao empregar “posto que” com sentido de “porque”, “visto que”, “visto como”.

No Dicionário de AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, notavelmente aberto a novas expressões, comprova-se que a locução conjuntiva “posto que” é usada errônea e equivocadamente, pois, como registra o ilustre lexicógrafo, “posto que” significa “ainda, se bem, embora, posto”. E “posto”, segundo o mesmo Dicionário, tem o mesmo sentido de “posto que”.

O grande dicionarista AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA abona a observação com exemplo de Machado de Assis, em A ressurreição (p. 32): “Como caráter, fazia-lhe a mãe grandes elogios, e eram fundados, posto fossem de mãe”. Ou seja, os elogios maternos tinham fundamento, embora (conquanto, se bem que) fossem elogios de mãe.

Ensina o notável e imortal gramático NAPOLEÃO MENDES DE ALMEIDA:

"Posto que – É locução conjuntiva, de sentido concessivo, e não causal; significa ainda que, bem que, embora, apesar de: “Um simples cavaleiro, posto que ilustre” – “E, posto que a luta fosse longa e encarniçada, venceram”. (Dicionário de Questões Vernáculas, Editora Ática, 4ª ed., 1998, p. 432).

O conhecido e moderno gramático LUIZ ANTONIO SACCONI, por sua vez, leciona:

“posto que

Esta locução conjuntiva equivale a embora, apesar de que, e não a “porque”: Viajei, posto que chovesse. O preço dos automóveis subiu, posto que não houvesse nenhuma razão para tal. Orografia correta é uma combinação aceitável, posto que redundante. Há quem construa assim, principalmente advogados malformados: Não viajei, “posto que” choveu. O preço dos automóveis subiu, “posto que” a inflação continua alta.” (Dicionário de Dúvidas, Dificuldades e Curiosidades da Língua Portuguesa, Editora Harbra, 2005, p. 296).

Outro moderno e conhecido gramático, DOMINGOS PASCHOAL CEGALLA, ensina:

“posto que. Locução equivalente de ainda que, se bem que, embora: “Embora o primeiro a entrar no jardim, e pisava firme, posto que cauteloso.” (Carlos Drummond de Andrade, Obras Completas, p. 439) / “Posto que estivesse mais ou menos a par da situação, Emília, vendo a irmã em tal estado, começou também a oferecer resistência.” (Ciro dos Anjos, O Amanuense Belmiro, p. 137) / “Abismo sem fundo e caldo quente são expressões aceitáveis, posto que redundantes em face da etimologia.” (Mário Barreto, Novos Estudos, p. 309) — Esta locução não tem o sentido de porque, visto que. Não serve, portanto, para exprimir idéia de causa.” (Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira, 2ª ed., 1999, pp. 324/325).

É ou não cercada de mistérios nossa adorável e insubstituível Língua Portuguesa?

David Fares
Enviado por David Fares em 05/12/2011
Reeditado em 05/12/2011
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