Ditos populares - Sentido conotativo (2)

COLHENDO “FLORES DO LÁCIO”

À medida que a vivência se acumula na brancura dos cabelos, e os músculos relutam em obedecer ao nosso comando, tornando-se peças que não mais se contraem, assim como a palidez da face revela suspiros e ais, e os netos deixam de ser crianças, as reflexões tornam-se mais intensas. As noites são vertentes de sonhos a transportar-nos por mananciais em que veleiros jamais aportam nas praias ou ancoradouros. Andamos sem rumo por “Ceca e Meca”. O lugar das nossas quimeras, muitas vezes inacessível, fica “pra lá de Bagdá”.

A alguns, a felicidade e as alegrias são tão efêmeras, duram tão pouco, esvaem-se por entre os dedos do tempo, e o próximo Natal começa no dia subsequente ao anterior. O distante cronológico está sensitivamente perto. O antes agrega-se ao depois. Nossa vaidade, nosso orgulho, nossas aspirações, às vezes são esquecidos, preteridos. Louváveis os que não se deixam abater, vivem e vestem-se “à grande e a francesa”. Reúnem forças além das próprias forças, e costumam “meter uma lança em África”.

A vida é uma pugna constante. Sem tréguas...não permite hesitações. Por natureza somos insatisfeitos. Nascemos para dividir, ceder, compartilhar. Na divisão, somamos afeto. Ao ceder, conhecemos a reciprocidade. Compartilhando, a multiplicidade torna-se una. E quando somos felizes, mesmo momentaneamente, defendemos a apologia de que “antes ser o segundo em uma aldeia que o primeiro em Roma”. E o rio de nossa aldeia, segundo Fernando Pessoa, é mais bonito que o Tejo.

Edificamos ontem o teto que hoje nos abriga. E almejamos, para o amanhã, uma cadeira de balanço, à sombra da varanda, onde sorveremos, em boa companhia, sob o murmúrio do zéfiro, o mate das reminiscências. Ao final do último ato, ao cessarem os acordes, com a anuência do maestro, ”sairemos à francesa”, quase imperceptível, de tal sorte que tenhamos agradado “a gregos e troianos”. Nem todos assistem ao final do espetáculo. A tragédia e a comédia ostentam a mesma máscara. Risos e lágrimas brotam no mesmo leito. Revoga-se o “jeitinho brasileiro”.

Contudo, nem sempre se harmonizam o ser e o querer. A semente lançada, por vezes fenece, quem sabe até por falta da rega ou desígnios imutáveis, e resta-nos tirar a cobertura de um “presente grego”. Revela-se a sagacidade de Odisseu na imponência ardilosa do “cavalo de Troia”. Talvez seja esse o preço da solidão.

A idade não deve ser passaporte para o incontestável, mas reconhecimento do legado e respeito aos olhos turvos. Os ombros caídos, os trôpegos passos não mais comportam a rigidez da “disciplina espartana”, a precisão da “pontualidade britânica” ou a “arrogância farisaica”. Repudiam-se “filas indianas”. Mesmo assim, não se lhes neguem o direito de tentar, pois o eco dos sorrisos de descaso pode ensurdecer ouvidos moucos. Prudência com quem professa “a Cascais nunca mais” ou “de Espanha, nem bons ventos, nem bons casamentos”.

A juventude, entorpecida nas benesses da matéria, não dimensiona os limites do provável, do casuísmo, do acidental. Preocupa-se com a morada, sem saber como proteger-se da ventania. Os jovens contemplam o mar, mas ignoram as borrascas e as procelas. Apregoam, indiferentemente, que as mazelas da idade são apenas engodos “para inglês ver”. Não se creem ter vocação a “bom samaritano”.

Tal qual Dario I, justificando “ser lembrado dos atenienses”, precisamos, constantemente, realimentar manifestações de fraternidade, de amor, de crescimento intelectivo e espiritual, lembrando que mesmo aos aquinhoados a vida não é um eterno “negócio da china”, menos ainda sedutoras “paisagens das arábias”. Indiferente a nossas pretensões, muitos conhecem as agruras de um “corredor polonês” ou o vilipêndio da “tortura chinesa”, e só se redimem quando chegam, humildemente, aos patamares da “pobreza franciscana”. Aí pode ser muito tarde. “Inês é morta”. De nada vale inocentar-se declarando que “isto pra mim é grego”.

O beijo que seduz pode levar à traição. A vela que ilumina pode ser a causa da queima.

Com a agulha das recordações, vou costurando os retalhos do passado. Assomam-se aos olhos baços os versos líricos do vate romântico Álvares de Azevedo: “Beijaria até uma caveira / Se espumante o “madeira” corresse. E se não o tiver, sorveria uma taça do capitoso e borbulhante “champanha” ou ainda gordos goles de um autêntico “porto”. Enquanto isso, dormitam empoeirados, num móvel centenário, uma caixa de “havanas” para brindar nascimentos, uma bengala com punho de madrepérolas e um legítimo “panamá”. “A media luz”, inspirado em Gardel, nossa imaginação troca passos com ilusão.

Jorge Moraes – jorgemoraes_pel@hotmail.com