O MEC começa a combater o preconceito linguística
É muito triste constatar que as pessoas mais educadas, mais ilustradas e que ocupam os melhores cargos na sociedade, são as mais ignorantes no que diz respeito à língua. Fico me perguntando se é realmente ignorância ou se simplesmente elas não querem abrir mão do status que lhes confere o uso “certo” da língua. Um caso recente de preconceito faz-me concluir que as duas hipóteses podem estar certas.
Refiro-me à repercussão que teve na mídia e nas academias a aquisição feita, por parte do MEC, do livro da professora Heloisa Ramos, Por uma vida melhor, livro que será distribuído nas escolas públicas. Jornalistas, professores, escritores, políticos e muitos outros se dizem indignados porque, segundo eles, o livro está repleto de “erros de português” e vai estimular os alunos a falarem “errado”. Essas pessoas acreditam ser representantes da língua certa e se envaidecem, sem perceber o quanto são preconceituosas.
O meu objetivo não é convencer essas pessoas de que estão erradas (elas precisariam viver mais cinquenta anos para se livrarem da farda do alferes), desejo apenas apresentar a versão científica do assunto para que pais e alunos não sejam influenciados pelo senso comum e pelo preconceito fomentados pela mídia. É isso mesmo, por mais que as pessoas acreditem que aprender a língua portuguesa é simplesmente decorar a gramática normativa, existe uma ciência da linguagem denominada linguística que vai além dessa visão simplista. Baseado nos pressupostos desta ciência, alisto abaixo alguns benefícios que o aluno pode derivar ao estudar a obra de Heloisa Ramos:
1) O aluno aprende que não existe língua homogênea; que a língua varia por diversos fatores e que toda variação tem sua lógica própria, perfeitamente explicável.
2) Aprende que a escrita é uma pálida tentativa de representar a fala e não o contrário.
3) Aprende que, cientificamente, não há erro na língua e sim formas diferentes de dizer a mesma coisa e que ele deve saber escolher a forma mais adequada de uso da língua conforme o contexto.
4) Aprende que, socialmente, existe erro na língua porque ele vive numa sociedade preconceituosa que legitima as formas de falar dos mais prestigiados e desconsidera as demais.
5) Aprende que ele deve aprender a gramática normativa não apenas porque é uma das diversas teorias linguísticas, mas porque existe uma demanda social pela “língua certa” e que essa sociedade usa a língua não só como meio de comunicação mas também como meio de controle e exclusão.
A escola sempre reproduziu as ideologias e os preconceitos das classes dominantes. A adoção de obras como a de Heloísa Ramos por parte do MEC pode ser o primeiro passo para livrar a escola desta sina e garantir aos educandos uma educação libertadora. Há muito que ser feito ainda, mas no momento, devemos reconhecer a atitude do MEC e desejar que o ministro Fernando Haddad resista às pressões políticas e sociais que ele sofrerá por tal decisão corajosa.