O ensino do verbo
6.1 INTRODUÇÃO
“A necessidade de estudar as atividades de ensino da gramática de modo sistemático e organizado se justifica pela obtenção de resultados mais amplos em menos tempo, na verdade, no pouco tempo que o professor dispõe para trabalhar as competências de diversas naturezas (comunicativa, cultural, descritivo-analítica, de trato social) que o aluno precisa desenvolver para suas ações com a língua [...]” (p.155)
O ensino da gramática se reveste de uma pluralidade que se configura tanto pela diversidade das competências a serem desenvolvidas pelo aluno, quanto por outros aspectos envolvidos tais como:
a) questões de política educacional e seu reflexo no ensino da língua materna e de gramática;
b) opções que tangenciam a questão da qualidade de vida em relação com o desenvolvimento de habilidades comunicativas e o ensino da gramática;
c) a necessidade de uma educação linguística;
d) “a questão do trabalho com a forma [...]” (p.156)
e) a sistematização do ensino de gramática a partir tanto da observação do desempenho do aluno quanto da consideração de suas necessidades linguísticas;
f) “o fato de que o falante de uma língua tem tanto uma competência ativa ( como produtor de textos orais e escritos) quanto uma competência passiva ( como recebedor e compreendedor de textos orais e escritos) [...]” (p.156)
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“Diante dessa pluralidade do ensino de gramática, pode-se, por vezes sentir uma perplexidade que causa hesitação na ação. Todavia, não podemos deixar nos bloquear pelas dificuldades que encontramos e elas têm de ser suplantadas por uma ação que estabeleça e desenvolva, em sala de aula, as atividades necessárias à execução de nossa tarefa de professor de língua materna [...]” (p.156-157)
“[...] Para isto, utilizando a sustentação de tudo que já propusemos como base de suporte e direcionamento para dar forma ao ensino da gramática, buscamos estruturar um tópico (o ensino do verbo) de modo a se exemplificar como se pode implementar o estudo [...]” (p.157)
Não damos um exemplo destinado ou vinculado a qualquer série ou período escolar específico. Tratamos o ensino do verbo buscando:
a) evidenciar o que a escola tem trabalhado no estudo do verbo, como e quando;
b) “apresentar e pôr em discussão uma proposta do que seria interessante que o aluno estudasse na sua passagem pela escola. Naturalmente os itens a serem trabalhados em cada momento teriam de ser selecionados em função do nível dos alunos, de suas necessidades, da oportunidade que acontece em sala de aula [...]” (p.157)
Vamos ao exemplo, que se espera, ajude o professor a trabalhar com a pluralidade do ensino da gramática.
6.2 COMO TEM SIDO O ENSINO DE VERBOS: O CASO DOS LIVROS DIDÁTICOS DE 5ª A 8ª SÉRIES
O que a escola tem trabalhado nas atividades de ensino de verbo? Para responder esta pergunta vamos nos valer dos estudos feitos por Nunes, G. (2001)
“Partindo do pressuposto de que os professores ensinam basicamente o que está proposto pelo livro didático [...] Nunes, G. (2001) fez um levantamento do que tem sido ensinado sobre verbo nas escolas de ensino fundamental (5ª a 8ª séries) [...]” (p.158)
Para fazer seu levantamento Nunes usou quinze coleções de livros didáticos num total de sessenta volumes (quinze de cada série). Dez dessas coleções eram classificadas pelo MEC com três, duas ou uma estrela como forma de orientação do professor na adoção ou não dos livros didáticos e cinco não contavam da relação de coleções analisadas pelo MEC. Segundo Nunes, G. (2001) não há diferença notável entre as primeiras e as segundas no que dizem respeito ao ensino do verbo.
“O estudo é predominantemente teórico e voltado quase exclusivamente para as formas (flexão, identificação e denominação), pois o trabalho com a significação é raro. Na verdade, a preocupação com a significação parece ocorrer só com uma coleção em atividades de gramática reflexiva em que o autor busca incorporar sugestões feitas por Travaglia 1996), todavia sem maior amplitude de aplicação [...] suas possibilidades significativas e sua adequação à produção de efeitos de sentido e às situações de uso, nem mesmo ao que diz respeito ao já registrado nas Gramáticas tradicionais e nos estudos de Estilísticas. (p.160)
“Outro aspecto que se pode observar e que não se leva em conta as descobertas dos estudos lingüísticos mais modernos [...] Dá-se muita atenção à metalinguagem voltada quase exclusivamente para a morfologia do verbo [...] Os aspectos sintáticos ficam restritos às recomendações das Gramáticas Normativas sobre regência e concordância [...] é como se a linguística, nestes anos todos, não tivesse dito nada sobre o verbo, suas formas e categorias, suas possibilidades significativas, seu funcionamento textual-discursivo tanto para a coesão, coerência, a argumentação e a preservação de faces [...]” (p.160)
“Parece-nos o ensino do verbo, como tem feito e por razões já expostas , fica a desejar, sobretudo no que respeita ao desenvolvimento da competência comunicativa [...]” (p.161)
6.3 O QUE ENSINAR SOBRE O VERBO
6.3.1 Preliminares
Nos itens anteriores ficaram sugeridos alguns tópicos sobre o verbo que pensamos poderia ser objetos das atividades de ensino / aprendizagem no Ensino Fundamental e Médio.
“Vamos, a seguir, elencar de forma mais explícita e organizada uma série de itens que podem ser objeto de atividades de ensino / aprendizagem do tópico “verbo” dentro do ensino de gramática.[...]”( p.161)
1) Trabalhar os itens, elencados em 6.3.2, nos diferentes planos da língua, quando este for o caso e se isto for possível ou, pelo menos, com consciência sobre a qual plano determinado o fato se refere:
a) fonológico: por exemplo, a flexão do verbo e a alternância vocálica: eu durmo, tu dormes, ele / você dorme;
b) “morfológico: por exemplo, a flexão do verbo e os morfemas flexionais [...]” (p.162)
c) “sintático: por exemplo, a flexão do verbo e a concordância com o sujeito e outras formas de concordância [...]” (p.162)
d) “semântico: por exemplo, a flexão verbal e a categoria que expressa ( tempo, modalidade, número, pessoa) [...]” (p.162)
2) Mostrar o funcionamento dos verbos nos níveis lexical, frasal e textual .
a) lexical: itens como classe de palavras, significado de itens lexicais ( por exemplo, distinção de verbos sinônimos)
b) frasal: itens como regência, concordância, predicado com seus argumentos, transitividade, etc.;
c) ”textual, em que os fatos como: a) coesão ( continuidades de tempo e aspecto ); b) relações entre categorias e tipologia de textos e estruturas [...]” (p.162)
d) verbos usados como marcadores conversacionais e ordenadores de elementos no texto; e) formas e categorias verbais estabelecendo relevo etc.
3) Na organização da atividade, como proposto no capítulo 4, usar duas formas básica:
a) organizar pelo tipo de recurso;organizar pela instrução de sentido;
b) organizar pela instrução de sentido.
6.3.2 O que trabalhar
“Em nenhum momento queremos sugerir que a listagem abaixo contém um levantamento de tudo o que se pode trabalhar a respeito do verbo [...] Considerando apenas o básico sobre o verbo e que não pode ser esquecido no ensino / aprendizagem sobre o mesmo.” (p.163)
1) Tipos de verbo
Há diversas classificações, como a de Borba (1990), a tradicional usando o critério de transitividade, a de Travaglia (1981 e 1991).
A) verbos lexicais: “expressam situações identificáveis no mundo biopsicofísicossocial, funcionando como lexemas: 1) de situação dinâmica: de ação ( comprar, escrever, andar etc.); b) de acontecer [...]” (p.163)
B) verbos gramaticais: “não expressam situações, mas exercem outras funções tais como: 1) marcar categorias verbais ( tempo, modalidade, aspecto e voz) [...] 2) se simplesmente um “carregador” ou “suporte de categorias [...] 3) indicar noções gerais e abstratas em relação a uma situação apresentada por outro verbo [...] 4) exercer funções ou papeis textuais-discursivos determinados [...] tais como: a) marcar relevância ( Foi Maria que limpou a casa / / Importa ou É importante/fundamental/crucial fazer justiça); indicar tempo ( Faz duas horas que ele chegou) [...]” (p.163)
2) Formas verbais X categorias verbais
Ao trabalhar com o verbo é preciso:
a) “distinguir coisas como: tempos flexionais do verbo [...] tempo verbal [...] modalidade [...]” (p.165)
b) no que respeita às formas verbais, trabalhar as flexões dentro dos grupos de conjunção, tanto dos chamados verbos regulares, quanto irregulares, anômalos, defectivos e abundantes.
c) confrontar flexões de variedade culta , como flexões das variedade não-cultas da língua tais como: seja/seje, tesse/tivesse, ponhá/pôr etc.
3) Número
“Neste tópico, não só mostrar a flexão de número em singular e plural, que na verdade é uma flexão de nome que se “reflete” no verbo pelo processo da concordância, mas também fazer com que o aluno: a) saiba usar automaticamente as desinências [...] b) ao estudar a concordância, possa discutir as diferenças de efeitos de sentido nos textos [...] c) distiga certos efeitos do uso no plural pelo singular e vice-versa em termos de determinados usos [...]” (p.166)
4) Pessoa
“No trabalho com a pessoa mostrar que: a) as pessoas estão relacionadas como o discurso em termos de sujeitos envolvidos [...] b) como o número, a pessoa é mais uma categoria dos nomes (substantivos) e dos pronomes que “passa” para o verbo no processo da concordância; c) algumas pessoas (segunda do singular e plural) tem pouca produtividade no Português do Brasil, ficando mais restritas a alguns dialetos regionais [...]” (p.166)
5) Tempos
Trabalhar com o tempo enquanto categoria verbal mostrando:
a) ”o que é uma categoria dêitica de tempo [...]” (p.167)
b) “que o Português faz ( 6 ) seis marcações temporais distintas [...]” (p.167)
c) as noções temporais que cada forma verbal pode exprimir;
d) “as perífrases que podem expressar a categoria de tempo [...]” (p.167)
e) “usos textuais dos tempos, como, por exemplo: e.1) o de ordenador de situações e elementos do texto; e.2) formas de passado [...] e.3) formas de presente marcando relevo emocional em narrativas passados etc.;” (p.167)
6) Modalidade
Trabalhar as modalidades mostrando:
a) que são indicações de atitudes do falante em relação ao que diz;
b) “os recursos para expressão da modalidade [...]” (p.167)
c) os usos argumentativos da modalidade;
d) “um quadro sempre o mais completo possível de modalidade [...]” (p.168)
7) Voz
Trabalhar a voz mostrando basicamente:
a) “que é a categoria verbal através da qual se marca a relação entre o verbo e seu sujeito [...] “(p. 169)
b) ”[...] pode considerar a existência de até quatro vozes [...]” (p.169)
c) “os recursos de expressão da voz do Português contemporâneo do Brasil [...]” (p.169)
d) a existência da passividade do sujeito sem haver voz passiva;
e)“as diferenças significativas de dizer a “mesma coisa”, usando uma voz ou outra. [...]” (p.169)
8) Aspectos
Trabalhar o aspecto mostrando basicamente:
a) “que é uma categoria de tempo, não-dêitica, que marca a duração da situação [...]” (p. 169)
b) “as noções aspectuais e os aspectos correspondentes. [...]” (p.169)
c) as principais formas de expressão do aspecto ( veja Travaglia, 1981);
d) os papéis textuais do aspecto na coesão textual e na caracterização de tipos de textos ( veja Travaglia, 1991: cap. 6);
e) “os papéis textuais do aspecto na ordenação de situações [...]” (p.169)
9) Concordância verbal
Trabalhar a concordância verbal mostrando basicamente:
a) “as regras de concordância entre sujeito e verbo da norma culta [...]” (p.170)
b) “que nestas regras de concordância entre sujeito e verbo, o que se observa é quase sempre a possibilidade de opção entre duas ou mais possibilidades de concordância. [...]” (p.170)
c) “a variação da concordância entre verbo e sujeito de acordo com a variedade linguística [...]” (p. 171)
10) Regência verbal
Trabalhar a regência verbal, atendendo a critérios de frequência, sempre dentro dos seguintes parâmetros:
a) “observar a regência pela norma culta, confrontando com as regências autorizadas em outras variedades da língua [...]” (p.171)
b) “trabalhar sempre com a regência, tendo em vista uma variedade linguística contemporânea. [...]” (p.171)
c) no caso de regências alternativas, trabalhar a diferença de significação, quando ocorre.
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6.4 EXEMPLOS DE ATIVIDADES PARA O ENSINO DO VERBO
“Os exemplos de atividades que aqui são apresentados, visam, tão somente, mostrar de modo mais concreto como poderiam ser abordados alguns itens do tópico “verbo” [...]” (p.173)
6.4.1 Tipos de atividades
“Como já sugerimos, pode-se fazer uma abordagem teórica ou uma abordagem não teórica dos fatos da língua [...]” (p.174)
6.4.2 Exemplos de atividades
“ As atividades (1) do capítulo 1 e (1) do capítulo 2, são exercícios para: a) trabalhar com as diferentes possibilidades de dar ordem, de determinar e conseguir que alguém faça algo que se deseja seja feito; b) mostrar que os diferentes recursos cumprem esta função de modo diferente [...]” (p.174)
“o professor pode desenvolver uma atividade voltada, sobretudo para a competência de recebedor do aluno, numa espécie de aula de leitura [...]” (p.175)
COMENTÁRIO:
O ensino da gramática torna-se imprescindível para qualquer estudante, ou não, que deseja possuir uma boa escrita e bom entendimento dela. O contrassenso é que o professor dispõe de um tempo muito curto para o ensinamento dela que é muito ampla.
Por isso no atenhamos ao tópico verbo, que envolve intrinsecamente o entendimento do sentido de um texto. Neste estudo ora apresentado fica evidente que a primeira preocupação é que haja uma boa compreensão dele e que exista, por parte do professor, uma forma interessante de ministrá-lo à turma.
Partindo do pressuposto que os professores se baseiam nos livros didáticos para o ensinamento do verbo, o que de certa forma configura uma maneira de ensino mecanicista de princípio educacional. Cabe a eles contar com suas experiências acerca do tópico a ser ministrado.
Sem uma forma diferenciada do ensinamento do verbo os alunos terão, em sua carreira educacional, muitas dificuldades na comunicação oral e escrita. Pois os verbos funcionam como dêiticos de extrema importância em um texto.
Eles devem ser conhecidos de forma clara pelos educandos, porque terão enorme importância na constituição fonológica, semântica, sintática de qualquer texto que se pretenda coerente.
Não há como se construir uma frase bem estruturada sem que haja uma boa concordância verbal.
Vejamos:
Nós vai ao cinema. Nós vamos ao cinema.
Vemos que podemos entender o enunciado, porém fica extremamente fora de concordância o verbo ir, com o restante da frase. Por isso a importância da correta concordância.
Ao se trabalhar a questão verbal, o professor, deve mostrar aos seus alunos as flexões verbais de tempo, modalidade e assim por diante.
Mostrar as flexões de variedades cultas e não-cultas, para que os alunos saibam distinguir entre o correto e a forma popular distorcida dele.
O ensino da questão do verbo é de extrema importância, pois sem ele não haverá subsídios para o aluno construir bons textos e até mesmo acarretará falhas em sua comunicação oral. Por isso o professor deverá possuir uma boa maneira de ensinar este tópico que é de extrema importância à boa escrita e fala.
Também podem se apropriar dos estudos feitos no livro “Gramática, Ensino plural”, que pode ser uma ferramenta de grande auxílio para os professores que visam um crescimento para seus alunos na construção de bons textos e no bem falar.
Portanto em um tópico que é bastante extenso por suas variáveis, não basta o professor possuir um grande conhecimento acerca do verbo, mas sim, uma maneira didática de fazer com que seus alunos assimilem o conteúdo.
Referência bibliográfica:
TRAVAGLIA, Luiz Carlos, Gramática, Ensino Plural. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2004.