COMO SE CONJUGA O VERBO "HAVER"?

“TENHO DÚVIDAS EM ALGUMAS CONJUGAÇÕES VERBAIS, PRINCIPALMENTE DO VERBO HAVER”.

Vindo do latim Habere, o verbo HAVER é simultaneamente irregular fraco e forte, já que sofre, na sua conjugação, alterações tanto no presente quanto no pretérito perfeito do indicativo. E é também, não se considerando derivações, um dos dois verbos da nossa língua terminados em AVER. O outro é PRECAVER. Ambos com conjugações bem distintas. Apresenta dois empregos básicos: um como típico verbo auxiliar e outro com o sentido de existir, ocorrer, acontecer, e tempo.

1) Como auxiliar, vem sofrendo intensa concorrência do verbo TER, que o vem substituindo há mais de três séculos, tomando-lhe o espaço. Razão pela qual sua conjugação talvez seja menos conhecida.

Verbo irregular, no presente do indicativo, só a 1ª e a 2ª pessoas do plural mantêm a letra V: nós havemos, vós haveis. As demais são todas formas irregulares, isto é, não seguem o seu radical hav: eu hei, tu hás, ele há, eles hão. Já no pretérito perfeito do indicativo, a conjugação é toda irregular e, por ser pouco usada, muito estranha aos ouvidos atuais: eu houve, tu houveste, ele houve, nós houvemos, vós houvestes, eles houveram. Nessa conjugação, a 3ª pessoa (houve, houveram) são as mais usadas. Pior do que o verbo haver, nesse pretérito, é o seu derivado reaver: eu reouve, tu reouveste, ele reouve, nós reouvemos, vós reouvestes, eles reouveram. Dos poucos que ousam usá-lo, a maioria faz algo como: eu reavi, ele reaveu, eles reaveram, etc.

Em qualquer língua, a eufonia (som agradável) é um fator importante na preservação de palavras. Em oposição, a cacofonia (som desagradável) é fator de exclusão de certas formas e palavras. Essas formas “esquisitas”, cacofônicas, do verbo HAVER têm-no relegado a segundo plano nas conjugações compostas, sendo substituído pelo verbo TER.

Até princípio do século XVIII, os escritores ainda preferiam o auxiliar HAVER: hei amado, havia partido, hei sido, etc. De lá para cá, HAVER vem perdendo prestígio como auxiliar. Hoje, poucos o preferem a TER e só usam o HAVER para dar mais esmero, mais elegância à frase. A linguagem familiar quase não o usa.

Porém, há um caso em que o auxiliar HAVER é imbatível: nas formas verbais que expressam um forte desejo, uma forte vontade, seja em que tempo for: HEI de vencer!; HAVEREI de conquistá-la!; HAVERIA de conseguir um dia!; HOUVERA de amá-la um dia! Nesse tipo de frase volitiva, não cabe o verbo TER. É bem possível que esse emprego do verbo HAVER nessa forma que expressa vontade, desejo, é que ainda o venha mantendo com seu estatuto de auxiliar.

2) O outro emprego do verbo HAVER, com o sentido de existir, ocorrer, acontecer e com idéia de tempo, possivelmente seja o que traga a maior complicação, porque é, atualmente, impessoal e muitas pessoas o usam como pessoal, flexionando-o para concordar com aquilo que acham que é seu sujeito mas que, de fato, é seu objeto direto. Assim, em vez de Houve muitos elogios à ilustre atriz, muitos escrevem Houveram muitos elogios à ilustre atriz. Muitos elogios aí não é sujeito de haver, mas sim objeto direto, razão por que o verbo não vai para o plural. HAVER, nesses casos, é defectivo, impessoal, isto é, sem sujeito, sem conjugação completa, o que o faz ficar sempre na 3ª pessoa do singular.

Com idéia de tempo, HAVER refere-se ao passado e também não pode pluralizar. Nesse caso a identificação do seu sentido temporal é fácil: basta substituí-lo pelo verbo FAZER, que também não se pluraliza com essa acepção. Assim: Ela partiu há 30 dias! ou Ela partiu faz 30 dias! Ou ainda: Naquela época já havia 30 dias que ela tinha partido! ou Naquela época já fazia 30 dias que ela tinha partido!

Com essas explicações, esperamos ter ajudado a grande e engajada atriz Lucélia Santos a entender um pouquinho mais do verbo HAVER. E aos leitores também.

Prof. Leo Ricino

Artigo publicado na sessão CELEBRIDADES da Revista LÍNGUA PORTUGUESA, nº 8, Editora Segmento, esclarecendo uma dúvida da ótima atriz LUCÉLIA SANTOS.

Leo Ricino
Enviado por Leo Ricino em 17/08/2010
Reeditado em 19/06/2011
Código do texto: T2443742