História da L. Portuguesa - Fichamento dos Livros (apoio a estudantes de Letras)

HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA I

Parte 1

Capítulo 1

“A origem e o desenvolvimento de tão diferentes e numerosas línguas no mundo são um problema tão complexo e discutido quanto o da gênese humana. É possível que a linguagem se tenha desenvolvido independentemente em vários centros, ou, única, se tenha ramificado em evoluções divergentes, na história dos povos.”

“ Sabe-se, com certeza, que a língua portuguesa os demais idiomas românicos são o resultado de uma lenta e conturbada transformação, através dos séculos, de uma outra língua, o latim...”

“ ...pesquisas realizadas no começo do século XIX pelo filólogo alemão Franz Bopp demonstraram, pelo método da gramática comparada, o parentesco lingüístico das línguas indo-européias, e provaram...a existência do indo-europeu.”

“O latim era a língua dos latinos, povo de costumes simples e rudes que habitava o Lácio, região d Itália central.”

“ Depois da queda do Império Romano do Ocidente, as regiões se isolaram, e cada uma teve um desenvolvimento peculiar; formaram, então, numerosos reinos bárbaros..”

“ A língua literária, no contato com civilizações mais adiantadas, como a grega, vicejou extraordinariamente na vasta e rica literatura latina...”

“ Enquanto a língua literária assim se transformava, o sermo vulgaris, levado pelos soldados e pela plebe às mais longínquas regiões do Império Romano, também se modificava.”

“ Como língua falada o latim vulgar evidentemente se transformou com o tempo entre uma conquista e outra, muitas vezes decorriam séculos, e a língua imposta nas diversas regiões se apresentava, com certeza, distinta.”

“ Na Lusitânia pré-romana foram os celtas o elemento de maior valor lingüístico para a estruturação do português.”

“ Invasões sucessivas fragmentaram o território e provocaram a ebulição lingüística que vai determinar, a partir do séc. I, a formação dos diversos romanços.”

“ Quando a violência das invasões germânicas foi aos poucos decrescendo, os bárbaros passaram a se romanizar...Contribuíram, porém, para acelerar a evolução da língua. Assim, encontram-se, no vocabulário português, vários termos de origem germânica...”

“ Com a invasão dos árabes, no séc. VIII, acentua-se a influência do superstrato no processo da dialetação românica. Mais de duas mil palavras de origem árabe estão no léxico português...”

“ Da interpretação do árabe e da língua popular de estrutura românica resultou o moçárabe, falado pela população cristã que viveu sob o jugo islamítico.”

“ Delineado Portugal politicamente, a língua falada naquela faixa de terra continuo sendo o galego-português até o séc. XIV, quando fatores políticos, sociais e lingüísticos determinaram a quebra da relativa unidade lingüística galego-portuguesa.”

“ A partir do séc. XIV, já com feição própria, distinta dos outros falares da região e com características que a destinguiam do galego, a língua portuguesa, levada pelas conquistas das epopéias marítimas a outras partes do mundo, continuou evoluindo, transformando-se sob ação de inúmeros fatores, e repetindo, através dos séculos, a sua história.”

Capítulo 2

“ A época pré-histórica é o período de evolução do latim falado na Galiza e na Lusitânia, desde a conquista da Península Ibérica até formação dos romanços...”

“ Na época proto-histórica, documentos escritos em latim bárbaro atestam já palavras e expressões do romanço galaico-português...”

“ Assim a língua desse período só pode ser reconstituída pelo todo histórico-comparitivo e pelo testemunho dos documentos em latim bárbaro.”

“ A época histórica... subdivide-se em duas partes, a arcaica e a moderna, tendo como marco divisório o séc. XVI.”

“ Só depois do séc. XIV, com o desenvolvimento da prosa histórica, é que a ‘lingoagem’ adquiriu características essencialmente portuguesas. Na fase arcaica a língua era...o galego-português, denominação dada à expressão oral e escrita do romanço galego-português.”

Capítulo 3

“ A romanização da Península Ibérica, as invasões dos bárbaros e dos árabes e os fatos políticos, sociais e lingüísticos deles decorrentes constituem uma perspectiva de estudo indispensável para a compreensão da relativa unidade e da latente diversidade do romanço galego-português, que explicam o desenvolvimento paralelo dos dois idiomas neolatinos: o galego e o português.”

“ Pelo prestígio do poder, pela superioridade da cultura e pelo parentesco da língua latina com a língua céltica, ambas de origem indo-européia, a romanização foi quase completa.”

“... o Rio Minho separava tribos pertencentes à mesma raça e com dialetos afins: ao norte os nórios, artabros e tamáricos e , ao sul, os galaicos, que tinham como fronteira meridional o Rio Douro. Os romanos, reconhecendo a identidade étnica dessas tribos, uniram toda região noroeste, acima do Douro, numa só província, a que chamaram Gallaecia...”

“ Supõe-se, pois, que eram celtas os povos pré-romanos da Gallecia(Galiza)...”

“ Por ocasião das invasões germânicas, Galiza e parte da Lusitânia, exatamente onde floresceu, séculos mais tarde, o galego-português, foram o território onde os suevos se fixaram e conseguiram manter um domínio estável por quase dois séculos.”

“ Quando Portugal se separou da Galiza, no séc. XII, era o galego-português o idioma falado em toda região da Galiza e da nascente nação portuguesa e, por três séculos, ainda, foi o veículo da produção poética trovadoresca em toda Península Ibérica.”

Capítulo 4

“ Antes do séc. XIII, além dos cartórios, só nos conventos se permitia o trabalho de produção dos manuscritos. Em Portugal, os conventos com oficinas de manuscritos foram principalmente os de Lorvão, Santa Cruz de Coimbra e Alcobaça. Neste último formou-se a maior livraria medieval portuguesa.

Capítulo 5

“A língua portuguesa, desde que foi fixada pela escrita até nossos dias, tem sofrido várias e significativas modificações, reflexo que é de uma cultura sempre dinamizada pela força convergente de inúmeros fatores.”

“Ortografia- A ortografia arcaica era essencialmente fonética, embora raramente transparecessem tendências etimológicas na pena de alguns escribas, acostumados a transladar e redigir documentos em latim medieval.”

“ As deficiências gráficas arcaicas justificam-se, afinal, por não traduzirem ‘mais de que a natural hesitação numa escrita desprevenida de quaisquer tradições.”

“Alfabeto- Na primeira fase do português arcaico, utilizavam-se as letras simples do alfabeto latino (menos o k) e as geminadas ss e rr (quase sempre comas mesmas funções).”

“...não havia letras inúteis (exceto nos dígrafos gu e qu); o h etimológico ou não e as geminadas com valor de singelas de um modo geral desapareceram.”

“...confusão de grafias: indistinção entre i-u (vogais e semivogais) e j-v (consoante).”

“...nos primeiros documentos da língua, já se apresentava abrandado em d o t da 2ª pessoa do plural dos verbos latinos.”

“...a síncope do n intervocálico e conseqüente nasalização da vogal anterior registrava-se com uma forma menor do n, sobreposto à vogal nasalada. Posteriormente, do afastamento das extremidades deste n, convertido em sinal diacrítico, nasceu o til, cujo emprego se estendeu a outros casos de nasalização da vogal, substituindo muitas vezes o m e o n.”

“ Fonética- Para a reconstituição da prosódia e da ortoépia arcaicas são elementos de grande valia os princípios da técnica versificatória trovadoresca, principalmente os da rima e da contagem silábica.”

“Na 1ª fase do português arcaico fazia-se perfeita distinção entre o valor do s e ç, s (intervocálico) e z, ch e x.”

“ No português arcaico predominavam as palavras paroxítonas. No galego-português as raríssimas proparoxítonas que existiam, de origem grega, geralmente se tornavam paroxítonas pelo uso...”

“ Os monossílabos, hoje átonos, e (conj.), ca (conj.=porque), se (conj.) e que (conj. ou pron.), quando a palavra seguinte começava por vogal, não se elidiam, na 1ª fase; conservam-se, portanto, o hiato. Na 2ª fase elidiam-se todos.”

“ Parece que na 1ª fase não se constatara a metafonia nos substantivos, adjetivos, pronomes e verbos, ao contrário do que se verificou na 2ª fase. Assim, no galego-português, o pronome pessoal ela apresentava e fechado e na 2ª fase do português comum, aberto; os pronomes demonstrativos esto, esso, aquelo pertenciam à 1ª fase, e isto, isso, aquilo, à 2ª...”

“ Morfologia- O léxico galego-português, amálgama lingüístico da Galiza e Lusitânia, já transformado em romanço, foi, a partir do século XIII, enriquecido com inúmeros estrangeirismos(galicismo, provençalismo e grecismo).”

“ Derivação prefixal- Era freqüente no português arcaico a troca do prefixo des por es.”

“ Derivação sufixal- ...Na formação dos aumentativos já se empregava o sufixo –om, correspondente ao moderno –ão...”

“...O sufixo –inho, que é o mais geral e freqüentemente usado pela língua atual para a formação dos diminutivos...”

“...O português arcaico tinha as terminações –vil, -bil, substituídas mais tarde por –vel.”

“ Derivação verbal- A formação de verbos novos não se compara à riqueza da derivação nominal. Todos os derivados verbais são verbos em –ar; nisso seguem uma tendência, já manifesta no latim vulgar, que substituía, por exemplo studere por studar, estudar.”

“ As classes de palavras- Artigos- Definidos- Provenientes de acusativo masculino e feminino do pronome demonstrativo latino (ille, illa, illud), os artigos definidos assumiam, já nos primeiros documentos da língua, as formas o, a, os, as, lo, la, los, las e ilo. ila, ilos, ilas.”

“ Costumava-se omitir o artigo definido antes de substantivos designativos de coisas personificadas ou de conteúdo semântico muito abrangente, ou ainda, antes de verbos substantivados.”

“ Indefinidos- o artigo indefinido, proveniente do numeral cardinal latino, sofreu a seguinte evolução:” unum>unu>uu>um.

“ Substantivos- Foi no fim do séc. XII ou início do séc. XIII que os nomes próprios de pessoas se fixaram.”

“ Também era costume indicar a filiação, aglutinando-se –ci ao nome do pai. Assim: Gonçalo Fernandici = Gonçalo, filho de Fernando.”

“ Adjetivos- Os adjetivos no português arcaico registram, em sua grande maioria, um estágio da evolução metaplástica do acusativo dos adjetivos latinos.”

“ Flexão dos substantivos e adjetivos- Número- Provindo tanto os substantivos como os adjetivos do caso acusativo, continuam naturalmente uns e outros a adotar, na formação do plural, as desinências em uso na língua latina, isto é: -s nos nomes terminados em vogal; -es nos nomes terminados em consoantes.”

“ Grau- A substituição de formas sintéticas do comparativo e do superlativo por formas analíticas, que principiara no latim vulgar, consumou-se no português arcaico.”

“ Pronomes- Pessoais- Morfologicamente era o mesmo de hoje o pronome de primeira pessoa do singular, eu; pronúncia, todavia, era com e aberto.”

“ Os pronomes oblíquos lhi e lhis eram as formas arcaicas dos pronomes de terceira pessoa: lhe e lhes.”

“ Possessivos- Por analogia com o possessivo meu ( do latim meu-), formaram-se também teu e seu ( do latim tuu- e suu-). Em textos antigos aparecem os pronomes meu, teu, seu escritos também meo, teo, seo e algumas vezes mou, tou, sou.”

“ Relativos e Interrogativos-...eram os mesmos que a língua atual possui. O emprego de cujo (<cuju-), todavia era mais variado.”

“ Formas compostas dos verbos- ...ocorria com mais freqüência o verbo que haver do que o ter. Com alguns verbos, como o ir, vir, partir, morrer, preferia-se o verbo ser.”

“ Presente do indicativo- de modo geral, as formas verbais arcaicas estavam bem próximas do latim vulgar. Já no português moderno, por influência da analogia, sistematizaram-se e regularizaram-se bastante as flexões dos verbos, afastando-se do tipo modelo.”

“Preposições- Da grande variedade de preposições registradas nos códices, muitas subsistem na língua, outras desapareceram completamente, e a preposição per manteve-se nas combinações com o artigo definido (pelo,pela) e nas locuções: de per si, de per meio.”

“ Conjunções- poucas das conjunções latinas persistiram no português. Das coordenativas restaram as aditivas e (<et) e nem (<nec) e alternativa ou (<aut), e as conjunções arcaicas: vel (<vel), alternativa, e ergo (<ergo), conclusiva.”

“ Das subordinativas subsistiram: a condicional se (<si), a temporal quando (<quando)e a comparativa que (<quam) e as formais arcaicas...”

“ Interjeições-...eram, por exemplo, bofé, bofá ou bofelhas, pardeus, pardês, santa Maria, val e guai (=ai).”

“ Sintaxe- Colocação- a colocação dos termos da oração obedecia, predominantemente, à ordem indireta e era muito mais livre do que hoje. Muito comuns eram, por exemplo, a posposição do sujeito ao verbo, a anteposição do complemento verbal, e a colocação enclítica dos pronomes pessoais junto ao futuro do presente e do pretérito.”

“ Concordância- A sintaxe de concordância no período arcaico era simples, como no latim; não tinha ainda as sutilezas das construções do português moderno.”

“ Regência- A regência verbal divergia muito da que se conhece hoje. Assim, o verbo perguntar que atualmente rege complemento direto para coisa e indireto para pessoa...”

“ Durante o período arcaico e até entre os clássicos quinhentistas e seiscentintas, empregava-se o infinitivo regido de preposição após certos verbos quer transitivos quer intransitivos.”

“ A oração e seus termos- Para indeterminação do sujeito o português arcaico empregava o substantivo home ou homem no mesmo sentido em que hoje se usa se...”

“ Usavam-se, indistintamente, os pronomes pessoais oblíquos com função de sujeito e os pronomes retos com função de complemento.”

“ Pleonasmo- Empregavam-se pleonasticamente os pronomes possessivos e as negativas pré-verbais.”

“Anacoluto- com muita freqüência se empregava o anacoluto e se alternava o tratamento.”

Parte 2

1

“(1) Eno: no; de in lo>enlo>enno>eno>no (assimilação perfeita da constritiva lateral l à nasal n, redução das geminadas e aférese do e.”

2

“(6) perça: perca. Nos cancioneiros ocorre também a forma perca; a primeira evolução normal do subjuntivo perdeat, em que a sílaba di/de seguida de vogal transforma-se em ç; a forma perço da 1ª pessoa é analógica dessa forma do subjuntivo.”

3

“(2) senhor: senhora. No período arcaico os nomes terminados em –or, -es, -ol eram uniformes no gênero: esta senhor, linguagem português, gente espanhol etc. Ainda hoje são correntes adjetivos invariáveis com essas terminações: incolor, multicor, inferior, menor, cortês, montês etc.”

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“(3) u: onde (do lat. ubi).”

“(12) nosco: conosco (do lat. noscu(m) por nobiscum); com a obliteração da consciência de que a sílaba final –co- correspondia à preposição cum, juntou-se novamente a preposição com, resultando na forma posterior e moderna conosco.”

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“(16) per(muito raro par) é um advérbio característico dessa primeira fase do português arcaico; precede por vezes o verbo, a fim de lhe reforçar o sentido. Fosse per preposição, ficaria solta, sem o seu conseqüente, um vez que o oblíquo o só pode ser objeto de prezam.”

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“(1) uirõ: viram. Até o século XV as terminações nasais nominais e da flexão verbal da 3ª pessoa do plural não eram regulares: -õ –om –on, ã –am...”

“(2) pera: para, forma ainda próxima da origem latina: per+ad(cf Caract. Morf.– Preposições.)”

“(17) Mais: mas(do lat. magis).A conjunção mas, resultante do advérbio mais em posição proclítica, sofreu uma digressão lexológica, fluindo da idéia comparativa(mais) para a idéia adversativa(mas)...”

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“(5) beuer: beber, com dissimilação da segunda oclusiva bilabial (lat. bibere).”

“(34) ataa: até. As duas formas desta preposição ocorrem juntas, na Demanda, embora a variante mais antiga prevaleça. De origem árabe para uns –hatta, que evoluiu para hasta em castelhano; para outros, do latim ad-tenus, através da forma ad-tenes, pois são vivazes as formas atees, atees, atés no português arcaico.”

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“(2) huu: um, do latim unu, cuja evolução metaplástica assim se explica: síncope da consoante nasal intervocálica(-n-) e conseqüente nasalização da vogal anterior(uu). Posteriormente houve crase das vogais iguais...”

9

“(9) dapno: dano(lat. damnu).No latim medieval costumava-se intercalar um p entre as duas nasais para a conservação do valor fonético de ambas consoantes; daí dampno e posteriormente, com a assimilação da nasal, dapno.”

HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA II, SÉCULO XV E MEADOS DO SÉCULO XVI

I – NOTAÇÕES HISTÓRICO-TEÓRICAS

1. A língua literária no século XV

“Nos meados do século XIV, em razão de diversos acontecimentos históricos, o galego--português cedeu lugar à língua portuguesa.”

“(...) com a independência de Portugal, (...) o português seguiu então seu curso, em separado, passando a assumir características próprias como instituição da nova nacionalidade.”

“O português comum, decalcado progressivamente no padrão social e regional de Lisboa e Coimbra, serviu de base não só para o desenvolvimento da prosa de caráter informativo, mas também para o aparecimento da prosa literária.”

“Para o desenvolvimento da língua da prosa contribuíram diversas fontes, entre as quais as mais importantes foram as que resultaram de traduções de latim, feitas por religiosos (...)”

Fatores educativos e culturais

“Com o passar do tempo, (...) o conhecimento do latim (...) tornava-se acessível também a leigos (...)”

“O latim, na época, funcionava como língua internacional, servindo de veículo de comunicação da filosofia, da ciência e das letras (...)”

Importância da Gramática

“A iniciação aos conhecimentos elementares da Gramática, nos Estudos Gerais, consistia em aprender a ler e a escrever em latim; quanto à língua portuguesa, embora convertida em língua oficial desde o reinado de D. Dinis, continuava a ser aprendida espontânea e naturalmente, fora dos bancos escolares, através da comunicação usual do dia-a-dia, assim permanecendo até o século XVI.”

“A Gramática era, elemento imprescindível no elenco das sete artes liberais que compunham, nos cursos universitários, o Trivium – Gramática, Dialética e Retórica – e o Quadrivium – Músicas, Aritmética, Geometria e Astronomia.”

“Seu estudo desenvolvia-se em dois graus: no primeiro, os alunos aprendiam a ler na Cártula (Cartulla), espécie de cartilha, passavam às Regras, talvez de composição escrita, e, em seguida, ao estudo de sintaxe, nas Partes ou Partes orationis (...)”

2. O léxico

“O estudo da Gramática não se restringia à escolas religiosas ou às Universidades (...) D. Duarte preconizava que logo de começo os jovens de boa linhagem fossem ensinados a ler, escrever e a falar latim, co a finalidade de adquirirem, em bons livros, não só escritos em língua latina, mas também em linguagem (língua portuguesa), os conhecimentos formadores de uma vida virtuosa.”

“Em casos de sinonímia, muitas vezes fazia questão de esclarecer as diferenças existentes entre palavras de sentido semelhante; assim, distinguia tristeza, pesar, nojo, aborrecimento e suidade (saudade) ou então, avisado, percebido, previsto, circunspecto.”

“Quando D. Duarte introduzia latinismos, aportuguesava as formas latinas, acomodando-as à pronúncia e à ortografia da época.”

“Mais tarde, na segunda metade do século XVI, repetiu-se de novo, mas de modo inteiramente diverso: os neologismos latinos incorporavam-se à língua, conservando a ortografia original, com adaptação mínima à fonética portuguesa.”

“Como, na redação de suas obras, ambos os príncipes [D. Duarte e D. Pedro] encontrassem grandes dificuldades, em virtude da ausência de textos em língua portuguesa, sobre assuntos abstratos, de ordem filosófica ou moral, tornava-se necessário (...) introduzir neologismos, mas também desenvolver um tipo de construção sintática que pudesse expressar as relações lógicas do pensamento racional.”

“Propuseram-se então este trabalho, criando uma prosa com muitas imperfeições (...) extremamente fecunda, no sentido de possibilitar o desenvolvimento, quer da prosa de fundo filosófico, de construção de lógica (...), que da de fundo subjetivo, de fundamento moral (...). Podem, pois, ser considerados os criadores da prosa pragmática e preceptiva.”

“Outro príncipe da Casa de Avis, o infante D. Henrique, irmão de D. Duarte e D. Pedro, teve contribuição de natureza diversa para o desenvolvimento da prosa literária: além de ampliar a Universidade de Coimbra (1431), com doação de imóveis, alterou seu currículo, dando realce aos estudos de Retórica, ao considera-la como disciplina independente, pela primeira vez, na história da Universidade (...)”

“(...) em 1504, por ocasião da reforma dos estudos universitários, foram citadas diversas ‘cadeiras’, inclusive as de Gramática e Lógica, sem que se mencionasse a da Retórica, embora Cataldo Sículo (Epístolas) declarasse que viera aos reinos ensinar Retórica na Universidade de Lisboa.”

“A não inclusão desta disciplina, como autônoma e com professor específico, não implicava fosse ela desconhecida ou ignorada.”

“Religiosos e leigos conheciam a Retórica, dada sua importância, na época, para fins de pregação doutrinária, preleção política sob pretexto religioso (...)”

“Grande número de manuscritos medievais, nas bibliotecas dos mosteiros, comprovam o interesse pela arte oratória, nesse período.”

“Os estudos de Retórica a serviço da religião faziam-se quer pela leitura dos clássicos, quer através de sermonários, repertórios de textos, coletâneas de exempla (exemplos-historietas, apólogos, parábolas, fábulas, etc.)”

“A Retórica profana era estudada em obras de Cícero, sobretudo (Da invenção), e na obra do espanhol Santo Isidoro de Sevilha (Retórica).”

“Os leitores que não tinham acesso aos textos originais recorriam aos excertos constantes de antologias, extremamente comuns, na Idade Média (João de Gales, Aretino e outros).”

“Os estudos retóricos contribuíam para a organização do pensamento e a disposição esquemática dos assuntos (segundo as regras da Lógica), via processos escolásticos rígidos.”

“(...) a Retórica constitui capítulo à parte, quer dos ângulos literários ou lingüísticos, quer dos pontos de vista profano ou religioso (...)”

Narrativa

“À medida que a língua progredia na forma prosaica e se enriquecia não só com as traduções latinas religiosas ou profanas, mas também com as obras de portugueses, (...) foi-se desenvolvendo outro tipo de prosa cujas raízes vinham de manifestações literárias (...)”

“Tais manifestações, entre as quais se contavam as Crônicas e os Nobiliários, os romances ou novelas de cavalaria, eram do gênero narrativo, de linguagem muito próxima da língua falada.”

“Seu criador – Fernão Lopes – foi o primeiro cronista-mor do reino português.”

“Dono de cultura bastante razoável, adquirida no Estudo Geral ou em alguma escola monástica, conhecendo bem o latim e autores clássicos do porte de Aristóteles, Cícero, Ovídio, Fernão Lopes não tinha por costume ostentar erudição.”

“(...) suas obras denotam extrema sensibilidade artística, não só no processo de organização da narrativa, inspirado nas novelas de cavalaria, mas também na qualidade expressiva e estética da sua linguagem.”

“Seu estilo narrativo é dramático, (...) intercala exposições com diálogos (...) como se seus textos fossem feitos para leitura em voz alta, à moda dos contadores ou leitores de ‘estórias’.”

“A linguagem é simples, corrente espontânea, (...) comparada à dos escritores citados anteriormente (...)”

“Neste ponto do desenvolvimento da prosa, já se pode falar de estilo literário, visto que, em suas obras, Fernão Lopes fez uso de comparações, de metáforas, tipos de linguagem figurada indicadores de sensibilidade estética.”

“A erudição de Zurara era leiga e fora adquirida em idade madura, talvez de modo autodidático,dada a variedade dispersiva com que demonstrava a leitura de clássicos gregos e latinos, de padres da Igreja, de tratados de teologia ou de filosofia escolástica e de historiadores medievais e clássicos.”

“Alguns autores consideram-no o primeiro representante da literatura apologética e imperial da expansão ultramarina, que deu lugar à literatura heróica e épica da segunda metade do século XVI, cujo maior representante foi Camões.”

“Depois da morte de Zurara, na segunda metade do século X (1473 ou 1474), ocuparam o cargo dois cronistas sucessivos, de menor importância, seguindo-se logo um terceiro, Rui de Pina, que efetivamente deu continuação à Crônica Geral do Reino.”

“Com os dois cronistas, Rui de Pina e Garcia de Resende, praticamente se encerra o ciclo dos historiógrafos medievais. A prosa informativa e preceptiva, criada pelos membros da Casa de Avis, e a literária narrativa, iniciada por Fernão Lopes, seguem seus cursos respectivos, cada uma com características próprias, tornando-se, por sua vez, fontes de gêneros e estilos novos, no século XVI e nos seguintes.”

“O léxico do século XV apresenta bastante interesse, mas, em razão de sua variedade, será dada apenas uma visão das formas léxicas, mais generalizadas ou predominantes, nos textos de todos os autores quatrocentistas e nos de alguns quinhentistas.”

Substantivos

“No acervo vocabular básico destacam-se preponderantemente os nomes em mento e os terminados em ança, ença. As palavras do primeiro tipo formavam-se de temas verbais do infinitivo e davam idéia de ação, sendo sumamente comuns nos autores do século XV e até em alguns do século XVI; porém, a partir da época quinhentista, começam a cair em desuso e, sob o influxo do latim, passam a ser substituídas por outras de diferentes terminações.”

Adjetivos

“Muito produtiva era a formação de adjetivos em al e em vel: communall (comum – Fernão Lopes); terreal (terreno – Zurara); humanal (humano – D. Duarte, Fernão Lopes); mundanall (mundano – D. Duarte); eternal (eterno – D. Duarte); afora outros como: spritual (espiritual), divinal, temporal, correntes até hoje.”

“Existiam também muitos adjetivos em oso que caíram em desuso: omyldoso ou humildoso (humilde – D. Duarte); sobervoso (soberbo – Idem); empachoso (que põe embaraço, que estorva – Idem); querençoso (afetuoso – Fernão Lopes); trigoso (apressado – Fernão Lopes).

Verbos

“De modo geral, muitos caíram em desuso e foram substituídos por outros.”

Pronomes

“Os pronomes possessivos – ma, ta, sa (minha, tua, sua) -, os demonstrativos – aqueste, aquesta, aquesto (este, esta, isto), aquelo (aquilo), esto (isto), esso (isso) -, o indefinido – algorrem (alguma coisa); al (outra coisa) -, via de regra, também deram luar a outros.”

Advérbios

“As formas adverbiais: acinte (de propósito); aficadamente ou afincadamente (teimosamente; de onde o termo afinco, trabalhar com afinco); asinha ou azinha (depressa); nego ou nega (talvez); tamalavez ou tamalaves (um pouco, de algum modo); (h)i (aí), h(u) (onde), etc.”

Neologismos

“Neologismos latinos: O estudo sobre os latinismos, incorporados ao léxico português do século XV, parece precário e cheio de lacunas.”

“Com referência a estrangeirismos, isto é, vocábulos estrangeiros incorporados à língua portuguesa, nesse século, tendo em vista a dificuldade de conhecer-se a época de sua incorporação, optou-se por um número pequeno de exemplos, a cujo respeito parece não haver dúvida, quanto a esse particular.”

“No que concerne à semelhança das línguas portuguesa e castelhana, grandes autores como Sá de Miranda, Gil Vicente e Camões, deixaram produções de alto valor literário, em ambos os idiomas, sem fazerem contaminação.”

“Enquanto a prosa evoluía em marcha crescente e progressiva, a poesia escrita, após o período do trovadorismo galego-português, no século XV parece ter hibernado (...)”

“Sob o influxo dessa literatura e favorecida pelo mecenatismo que ressurgiu nos reinados de D. Afonso V e seus sucessores (...) começou a aparecer uma poesia que se denominou palaciana.”

Vocabulário básico

“(...) além do vocabulário básico, de emprego comum, a poesia implica escolha de termos, até certo ponto específicos, diferentes dos da prosa, mesmo literária, devido à sua adequação a imperativos estéticos e às imposições da métrica.”

Arcaísmos

“A par do vocabulário básico, a língua do Cancioneiro também oferece um amplo quadro de arcaísmos, incluindo-se os já citados e muitos outros correntes na época.”

3. Fonética e Ortografia

“No que se refere às vogais, havia desde a época do galego-português grande variedade de hiatos, resultantes da queda de consoantes intervocálicas nas palavras latinas. (...) Estes hiatos, que a princípio constituíram duas sílabas, foram desaparecendo progressivamente, porém a grafia conservou-os por longo tempo.”

“O estudo das grafias, das rimas e da métrica, nos textos do Cancioneiro Geral, comprova igualmente que a grafia arcaizante ainda não acompanhara a evolução da língua.”

“Tratando-se de consoantes, há um fenômeno fonético e fonológico que influi diretamente na ortografia das palavras. Entre as consoantes sibilantes havia distinção na pronúncia de s intervocálico e z, ss e ç, ch e x.”

Morfofonética

“Fenômenos morfofonéticos são aqueles em que a morfologia está intimamente relacionada à fonética e à fonologia ou estas à primeira, sendo mais evidentes em formas verbais (...)”

4. Morfologia

“A morfologia passou por inúmeras modificações e alguns autores já a consideram ‘moderna’, nos fins do século XV, embora excetuando as formas verbais e uma série de partículas ainda tidas como bastante arcaicas.”

“Os nomes terminados em om, am que convergiram para ão, fixaram os plurais em aos, ães, ões, com predominância desta última terminação, embora nem sempre haja concordância entre os plurais antigos e os atuais: sserãaos (arc.), serões (mod.); castellão (arc.) (...)”

“Os nomes com terminação em consoante, de modo geral, passaram a forma o plural com acréscimo de es; os terminados em s ou z, muitos dos quais atualmente não admitem plural, flexionavam-se: ourivez, ourivezes (Leal conselheiro) (...)”

“Os nomes (substantivos e adjetivos) terminados em or, ol, es, nte eram uniformes quanto ao gênero: senhor portugues (senhora portuguesa), mia pastor (minha pastora) (...)”

“Os nomes em om que tinham o feminino em ao :infançom, infançõa,; varom; varoa, varoa, passaram, em parte, a tê-lo em ã: irmão, irmã, são, sã, ancião, anciã.”

“Os nomes em age ou agem, de origem francesa, masculinos, começaram a generalizar-se como femininos, nos fins do século XV.”

“Os nomes com final em vel (geralmente adjetivos) que suplantaram os em vil ou bil, talvez por serem latinismos, segundo Sousa da Silveira, formavam o plural com a mesma terminação es.”

“Os numerais não apresentam muitas peculiaridades (...)”

Conjunções

“As conjunções modificaram-se ou foram substituídas.”

Preposições

“Das preposições há pouco a dizer-se.”

“Note-se que per e por, usadas uma pela outra, confundiram-se, com predominância da segunda, que acabou por fixar-se (...)”

Interjeições

“Ainda que, a rigor, não façam parte do discurso, merecem menção algumas interjeições, dados os gêneros então cultivados: além de oo ou ho, equivalente a oh! (Fernão Lopes), há locuções ou expressões interjectivas invocativas, a exemplo de: Jesu!; Santa Maria val! (Santa Maria valei-me!).”

“Existem também as expressões, consideradas interjeições por J.J. Nunes, que denotam antipatia, como eramá, eremá, arama, earamá, ieramá, com a significação de em má hora, na forma composta, muit’ieramá (em muito má hora).”

5. Sintaxe e recursos estilísticos

“O pronome relativo, encabeçando períodos ou frases, estabelecia conexão com os que o precediam e equivalia e um demonstrativo anafórico, semelhante à conexão relativa latina, na qual o relativo tinha o valor de uma conjunção coordenativa e mais um demonstrativo.”

“A construção de partitivo a que Epifânio da S. Dias denomina “artigo partitivo”, à semelhança do francês (Sintaxe histórica portuguesa, p. 102), e nós aproximaríamos do genitivo partitivo latino que indicava o todo do qual se tirava uma parte, era muito encontrada com palavras indicadoras de quantidade (os “quantificadores”).”

“Existe ainda uma construção de distributivos – delles, dellas... outros, outras – muito comum nos séculos XV, sobretudo em Fernão Lopes, que alternava, algumas vezes com a equivalente uns ou umas, alguns, algumas... outros, outras.”

“Os particípios, que, com os verbos ter e haver, constituem locuções verbais ativas, concordavam em gênero e número com o objeto direto do verbo; esta prática parece perdurar durante todo o século XVI.”

“A regência verbal, no século XV e no começo do século XVI, apresentava muita flutuação; é difícil, pois, organizar um quadro bastante abrangente e bem definido das variadas regências.”

Verbos pronominais

“Havia uma série grande de verbos pronominais, muitas vezes intransitivos, a que Epifânio denomina reflexos, mas sem diferença sensível dos ativos (sem partícula se).”

Perífrases

“Encontram-se alguns verbos, principalmente intransitivos, em perífrases de forma passiva com significação ativa.”

Expressões de tempo

“Há certas expressões de tempo em que aparecem palavras como: dia, mês, ano, dia da semana e outras, consagradas pelo uso com sentido tão definido, que geralmente dispensam o emprego da preposição em.”

“Havia bastante flutuação no emprego de certas conjunções que eram ora coordenativas, ora subordinativas: Pero (peroo), Empero, Perol, Emperol.”

“A frase e o período, (...) eram extensos, não só muito redundantes no uso de conectivos coordenativos e subordinativos, mas também no deformas verbais infinitivas, participiais e gerundiais.”

“Os pleonasmos e as repetições, via de regra, são considerados como recursos estilísticos (...)”

“A colocação das palavras na frase, posto que não faça parte da sintaxe, é um dos aspectos mais característicos da fase arcaica e mesmo da época renascentista, porquanto difere totalmente da que se observa em épocas posteriores.”

Verbos

“Freqüentemente o verbo ia para a parte final da frase ou do período.”

Sujeito

“Embora se trate do assunto colocação, só se registrará a localização do sujeito, nas orações participiais e gerundiais, e a dos pronomes átonos, em relação ao verbo, considerando-se que a ordem das palavras, flutuante e bastante variada, implicaria estudo específico e muito amplo.”

“Nas orações participiais e gerundiais, algumas vezes o sujeito precedia o verbo, tornando-se praxe posterior sua posposição a este.”

Pronomes átonos

“Embora haja extrema liberdade em relação à ordem das palavras, há casos que se repetem com bastante freqüência. O mais relevante é o que se refere à colocação dos pronomes átonos, geralmente afastados das formas verbais regentes, em próclise tão violenta que, nas mais das vezes, se antepõem ao sujeito.”

Adjetivos qualificativos

“Os adjetivos qualificativos geralmente precediam os substantivos.

6. Considerações finais

“Os outros nomes em l, de modo geral, flexionavam-se de acordo com a regra acima: ssygnal, ssygnaes ou ssignays (sinais), sol, soes, sois (sóis).”

Gradação

“O grau superlativo dos adjetivos formava-se com a anteposição de mui ou muito ao grau positivo do adjetivo.”

“Entre os pronomes pessoais a forma lhe era invariável e só passou a ter flexão de plural, séculos mais tarde.”

“Antes do século XV predominavam as formas do primeiro grupo ou havia diferença no emprego das duas séries, sendo a primeira, talvez mais enfática, visto ser ‘reforçada’ (composta de uma partícula mais o demonstrativo) (...)”

“Dentre os indefinidos, homem, omem, ome, como a partícula on, em francês, equivalia a alguém, uma pessoa ou sujeito indeterminado.”

“O adjetivo indefinido todo(s), toda(s) geralmente acompanhava substantivos sem a determinação do artigo.”

“As segundas pessoas do plural dos verbos terminavam em des, de.”

HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA III

I – NOTAÇÕES HISTÓRICO-TEÓRICAS

1. Caracterização do Período

• “A partir de meados do século XVI a língua portuguesa passa por grandes transformações, enriquecendo o seu acervo lexical, disciplinando as suas estruturas, competindo com a língua irmã, o espanhol, e expandindo-se para fora do seu domínio continental. Enriquecimento, disciplina gramatical, emulação com o castelhano e expansão da língua, principalmente a falada, para os povos conquistados – eis a fisionomia do português nessa época.”

• “Leite de Vasconcelos entende que ‘até meados do século XVI (Gil Vicente, Sá de Miranda) a língua apresenta caracteres gramaticais, estilísticos e lexicológicos que a separam dos tempos subsequentes’; (...) Epifânio da Silva Dias, que na sua Sintaxe histórica portuguesa, fala num ‘português arcaico médio’ (...) na sua Gramática portuguesa elementar (...) afirma que o período arcaico da língua portuguesa vai até cerca dos fins da primeira metade do século XVI’.”

• “Os descobrimento marítimos realizados pelos portugueses desde princípios do século XV com o Infante D. Henrique, até a morte de D. João III em 1557 (...) não conseguiram abalar a vitalidade da língua tradicional, que tivera com Fernão Lopes (século XV) um dos seus mais lídimos representantes.”

Latinização da Língua

• “O deslumbramento da cultura clássica (...) criou não só uma elite de eruditos (...) como propiciou o aparecimento das primeiras gramáticas da língua portuguesa (...). Sousa da Silveira nos dá uma síntese dos tipos de latinismos introduzidos nessa época na língua portuguesa. (...) N’Os lusíadas, por exemplo, se encontram exemplos de todos os tipos de latinismos apontados:

a) gráficos: octavo (oitavo), precepto (preceito), facultade (faculdade) (...)

b) fonéticos: abundar (pela forma popular avondar); contrario (por contrairo), defensa (por defesa); insula (por ilha) (...)

c) morfológicos: os casos de superlativos eruditos em –érrimo, -ílimo e –íssimo: aspérrimo, misérrimo, humílimo, belacíssimo, etc.; os plurais estériles, fértiles (J. de Barros), inábiles, fáciles, débiles (F. Luís de Sousa) (...)

d) sintáticos: casos de aposto – cidade Beja, reino Melinde, cidade Calecut (J. de Barros), reino Ormuz (Idem) etc.; mas porém, mas contudo (lat. sed tamen...); corre tortuoso (adjetivo com valor adverbial); a correlação qual... tal (lat. qualis... talis) (...)

e) léxicos: avena (flauta), flama (chama), íncola (habitante), rotundo, procela, orbe, plaga, tuba, crástino (dia seguinte: luz crástina) (...)”

• “Ao lado desses tipos, precisamos acrescentar os latinismos semânticos: idade (vida), parentes (pais), partes (regiões), claro (ilustre), levar (levantar) (levar as âncoras), numeroso (cadenciado, melodioso); o emprego do verbo ser com a acepção de ‘haver’: ‘... foi um famoso ladrão na Esclavónia’ (J. de Barros).”

• “A imitação do latim, no plano sintático, estendeu-se também na regência das palavras, na colocação dos termos da oração, na predominância da estrutura hipotática, no gosto pela colocação dos verbos nos finais dos membros do período.”

O deslumbramento da cultura clássica

• “O gosto dos estudos clássicos, especialmente o ensino do latim e do grego, desde os princípios do século XVI teve o patrocínio dos reis portugueses, que contratavam ilustres humanistas estrangeiros como mestres de seus filhos. (...) A nobreza espanhola, como a portuguesa, favoreceu a implantação da moda através de um preceptorado que atingia não só os infantes, mas as próprias damas da corte.

2. Uma disciplina da língua portuguesa: as primeiras gramáticas

• “Como decorrência desse gosto da cultura clássica nasce o desejo de disciplinar e aprimorar a língua portuguesa, numa tentativa de afeiçoá-la à mãe latina. Surgem assim as primeiras gramáticas e os primeiros dicionários.”

• “O aparecimento dessas gramáticas, que tinham como antecedente e até modelo a Gramática de la lengua castellana de Antonio de Nebrija saída em Salamanca em 1492, e por base as próprias gramáticas latinas, explica-se pelo afã de se tentar impor o estudo sistemático das línguas modernas em substituição ao latim, que ainda permanecia a língua defendida pelos humanistas.”

• “Tanto Fernão de Oliveira como João de Barros defenderam as excelências da língua portuguesa, censurada de pobreza vocabular pelos homens doutos da época. É tão extremado o nacionalismo de Fernão de Oliveira, que para ele a fala portuguesa ‘tem de seu a perfeyção da arte que outras nações aquirem com muyto trabalho’ (prólogo) (...). João de Barros enumera seis motivos fundamentais para o seu louvor da língua portuguesa: riqueza vocabular, conformidade com a língua latina e filiação nela, gravidade e majestade, sonoridade agradável, caráter abstrato, e possibilidade de enriquecer o seu vocabulário por meio de adoções e adaptações (sobretudo de latinismos).”

O caráter arcaizante e popular da língua

• “Todo esse movimento de ordem doutrinária na sistematização e aprimoramento da língua não impediu que os escritores portugueses dos séculos XVI e XVII mantivessem em sua linguagem as formas arcaicas e populares, e até reproduzissem em linguagem as formas arcaicas e populares, e até reproduzissem em algumas de suas obras a linguagem viva e chã de seu tempo. (...) Ao lado das formas eruditas, literárias, continuaram fluentes na sua realidade fônica e morfológica as formas da tradição medieval, embora com sua feição arcaizante e popular. Era o chamado português ‘velho e relho’ (...). Lendo os autores clássicos do século XVI e século XVII, a todo momento topamos com formas populares e arcaicas.”

• “Arcaísmos – Como nem sempre é fácil distinguir uma forma arcaica de uma forma popular, uma vez que aquela é forma em desuso no seu tempo e esta é forma antiga mas ainda vivaz, vamos arrolá-las conjuntamente:

a) fonéticos: coresma (quaresma), crecer, nacer, rezão (...)

b) fonético-morfológicos: sam (sou), sento (sinto), dezia (...)

c) morfológicos: imos (vamos), comua (fem., hoje uniforme: comum), fim, guia (...)

d) sintáticos: a regência de certos verbos – atrever-se + infinitivo sem preposição: ‘não se atreveu passar Trajano’ (Camões); o verbo desejar em perífrases com o infinitivo, ligadas pela preposição de (...)

e) léxicos: asinha (depressa), aosadas (por certo) (...)”

• “Certas preposições e conjunções, além das acepções normais, assumiam freqüentemente outras: como (logo que, assim que, contanto que, conquanto) (...)”

• “Do ponto de vista fonético, em suma, o que se observa na língua dos escritores desa época, é a freqüente alternância i/e: homecidio, gingiva, missilhão, vertude (...); a redução de ditongos: embaxador, deaxo, baxo (...) No entanto surgem formas como cereija, bautizar, oucioso, oulhar (...); a troca do l pelo r nos grupos consonantais Br, cr, fr, gr, pr: sembrante, pubrico (público) (...); as formas protéticas: alevantar, assossego (...); formas sincopadas como experimentar, esprito, jurdição (jurisdição), etc.”

3. A projeção da língua com a expansão navegatória

• “Como conseqüência da expansão navegatória, da colonização e do comércio com os povos conquistados, da catequese das comunidades gentias, a língua portuguesa não só espalhou pelo mundo descoberto, como se tornou susceptível à influência das línguas exóticas. O intercâmbio com as populações africanas e os povos orientais resultou num enriquecimento considerável da língua portuguesa (...). O próprio João de Barros, no Diálogo em louvor da nossa linguagem, prestigiando o arcaísmo e censurando o neologismo, oferece um testemunho dessas infiltrações: ‘E o sinal desta verdade, é que, nam somente temos vitória destas partes [África e Ásia], mas ainda tomamos muitos vocábulos, como podemos ver em todolos que começam em AL e em XÁ, e os que acabam em Z, os quaes sam mouriscos. (...) e outros vocábulos que sam já tam naturaes na boca dos homens que naquelas partes andaram, como o seu próprio português’. (...) As pequenas embarcações que sulcavam o Índico, conforme fossem de carga, de passageiros, de velas de certos formatos, de guerra, recebiam os mais variados nomes, entre eles: manchua, zavra, bargantis (...).”

O português do Brasil: a contribuição nativa

• “E quem ler os escritores brasileiros dos séculos XVI e XVII – informantes, cronistas, missionários, naturalistas (Caminha, Gândavo, Gabriel Soares de Sousa, Frei Vicente do Salvador, Fernão Cardim, Anchieta, Manuel da Nóbrega, o autor do Diálogo das grandezas do Brasil) – encontra em suas obras um documentário riquíssimo de vocábulos de origem tupi e de procedência africana, que se incorporam ao léxico da língua portuguesa. Dente inúmeras línguas indígenas faladas na Terra de Santa Cruz, preponderava o tupi, ou o tupi-guarani (...).”

• “Ainda que a infiltração lexical e numerosas interferências fonéticas do tupi atingissem o português trazido pelos colonizadores, a profecia de Couto de Magalhães – para quem o português do Brasil iria, com o decurso do tempo, se modificando sob a influência do tupi mesmo ‘depois do desaparecimento da causa’ – não se realizou. (...) Inúmeras modificações fonéticas, operadas no português dos séculos XVI e XVII, curiosamente poderão até ser explicadas pela influência simultânea da língua tupi e dos falares trazidos pelos escravos africanos. Tal o caso da vocalização do diagrama lh em ‘i’ (...), a supressão da denta ‘d’ do grupo consonantal nd nas formas and, end, ind: falano, dizeno, vestino (...); a apócope do ‘s’ (consoante que os índios desconheciam): vamo, lapi (vamos, lápis). Renato Mendonça afirma que a apócope do l e do r (corrê, falá, fáci, cascavé etc.), bem como a vocalização operada no grupo lh (trabaio, muié, etc.) também ocorriam na fala das populações luso-africanas das ilhas do Cabo Verde, São Tomé, Príncipe e Ano Bom, onde o tupi não se falava. (...) a redução dos ditongos ou e ei, comum na fala do caboclo e atual em nossa fala de hoje: porquera, manera, falô, otrora, estora (porqueira, maneira, falou, outrora, estoura). Entretanto vimos atrás que a redução dos ditongos ei e ai já era ocorrente nos escritores portugueses do século XVI (...).”

O afluente africano

• “Se as línguas indígenas deixaram marcas evidentes no português, especialmente no rol de denominações relativas a acidentes geográficos (montanhas, rios, baías), cidades, estados, à flora e à fauna, o negro contribui com denominações pertinentes à culinária, às suas crenças, à música e à farmacologia. (...) E certos fenômenos fonéticos observados aqui se reproduziram também no português falado no Brasil – como o uso do verbo no infinitivo (isto é, redução das flexões à forma única do infinito; ex.: ‘Aquy estar juiz no fora’, por ‘Aqui está o juiz de fora’).”

• “Aliás a interposição de uma vogal para dissolução de grupos consonânticos (suarabácti) tornou-se fenômeno vigente até os nossos dias. Hoje ainda dizemos: adevogado, indiguinado, abissoluto, obiter, por advogado, indignado, absoluto, obter.”

• “(...) A influência lingüística do negro foi mais profunda que a dos índios. Das línguas faladas pelos escravos africanos, duas são mais importantes do ponto de vista lingüístico em razão de sua influência na língua portuguesa: o joruba (ou ioruba), do grupo sudanês; e o quimbundo, do grupo bântu. Este último contribuiu com um vocabulário mais geral, ao passo que o primeiro, que deixou marcas indeléveis nos falares da Bahia, concorreu com termos referentes ao candomblé e à culinária, atingindo cerca de 250 vocábulos.”

• “Ao negro se atribuem influências fonéticas de variada espécie, como a dissolução de grupos consonantais, a vocalização do fonema linguopalatal lh (...), aféreses, (...) apócopes, (...) metáteses, (...), oriundas da dissolução do grupo consonântico; suarabáctis (...) e redução dos ditongos ei em e, ou em o (também registrada em escritores portugueses dos séculos XVI e XVII) (...).”

4. A revolução da linguagem no século XVII

• “Deixando os problemas da expansão da língua portuguesa e das influências recebidas através do contato com as línguas exóticas, voltemos ao plano da língua escrita, no trânsito do século XVI para o XVII e durante o período seiscentista.”

• “A poesia do século XVII, muito mais do que a prosa, foi uma tentativa de renovação da linguagem renascentista, que acusava no tempo uma ‘fadiga da sensibilidade’. As palavras se vinham gastando e tornando inexpressivas: não exprimiam nada, e quando resvalavam na sensibilidade não provocavam ‘descargas elétricas suficientes’.”

• “As grandes modificações ocorridas na linguagem do século XVII em relação à do século precedente são, entretanto, mais sensíveis na esfera lexical e na organização da frase. Na esfera lexical, queremos dizer, quando falamos em ‘termos de época’ e nas violentações semânticas com vistas à criação da surpresa; na estruturação frasal, quando pensamos nos diferentes tipos de organização sintática que vieram subverter a estrutura fechada, periódica, da chamada cláusula ciceroniana.”

• “Se a linguagem dos escritores barrocos é culta, de caráter aristocrático e estetizante, não é clássica.”

• “O Cultismo, que atingiu sobretudo a esfera da poesia, é uma estética da representação sensível; o Conceptismo, mais afeito à prosa, é uma estética do entendimento. (...) Como estética da fantasia, o Cultismo apelou abusivamente para a descrição alegórica, para a metáfora mitológica, para as imagens sonoras e cromáticas. (...) Ambos, porém, Cultismo e Conceptismo, convergem na sua finalidade: o gosto da surpresa, da excentricidade, enfim, a ocultação do objeto ou escamoteação da realidade.”

• “Na Espanha, porém, as duas formas de linguagem (a cultista e a conceptista) se apresentam de maneira mais nítida do que entre os escritores em língua portuguesa.”

• “Na colocação dos termos, a poesia cultista caracteriza-se pela subversão da norma, com deslocações da palavra para lugares inesperados da frase: são os hipérbatos e as sínquises (...)”

• “Ainda na esfera da sintaxe, os escritores do século XVII se utilizaram do chamado ‘acusativo grego’, do ablativo absoluto, do verbo ser com a acepção de ‘servir’ (...)”

• “No campo lexical já vimos atrás que a característica mais evidente da linguagem seiscentista é o horror às denominações correntes do objeto: daí a fuga ao termo próprio, apelando para as distorções semânticas da palavra, para as formações cultistas e para os processos mais extravagantes da metaforização.”

A metaforização

• “Entretanto, no afã característico de ocultação do objeto, os escritores seiscentistas se comproueram nas criações mais excêntricas de metaforização. (...) Enquanto os escritores renascentistas não se utilizam da chamada ‘metáfora surrealista’ ou descendente (...), os poetas barrocos, especialmente os conceptistas (...) fazem uso dela como fator típico. É o caso, por exemplo, de ‘pó da terra’ (= o homem), ‘víbora’ (= ondulações da água), ‘paredes’ (= coração) etc. Os poetas clássicos se comprazem na ‘metáfora mística’ ou ascendente (em que o segundo elemento da imagem pertence a um mundo melhor, supra-real) – tipo ‘pérolas’ (= dentes), ‘rosas’ (= maçãs do rosto, ‘ouro’ (= cabelos), etc.”

• “O sentimento de repulsa que se verificou na Espanha durante o século XVII contra essa linguagem culta, floresceu também em Portugal. (...) Com exceção da parnasiana, em nenhuma escola literária se teve tanta consciência do vocabulário como na gongórica: pertence-lhe o mérito de haver enriquecido a língua, criando palavras, explorando e alargando o conteúdo semântico dos termos até às últimas conseqüências; e, violentando a sintaxe, trouxe para a frase uma nova flexibilidade e o prazer da surpresa (...)”

• “O primeiro passo da grande revolução estética do material expressivo levado a efeito pelos poetas cultistas foi a desumanização do vocabulário. (...) Ausente o conteúdo espiritual das palavras, estas agora seduzem exclusivamente pelos seus valores sensoriais (...).”

• “Conquanto o vocabulário possuísse uma hierarquia, os poetas seiscentistas não desprezaram, dentro de sua tendência aristocrática, as formas populares: o seu uso está ligado ao propósito de surpreender o leitor pelo imprevisto.”

• “O vocabulário cultista gongorino foi quase integralmente aproveitado pelos imitadores portugueses do poeta cordovês: ígneo, odorífero, purpúreo, numeroso (melogioso) (...) já usados, na sua maioria, pelo poeta d’Os lusíadas.”

• “A semântica foi o setor gramatical mais violentado pelos poetas seiscentistas: a significação deve atrair pelo imprevisto (...).”

• “A língua poética do século XVII, que vem atestada principalmente nos dois grandes cancioneiros do século XVIII (...) foi realmente mais uma língua importada do que fruto de criação nacional, com as marcas evidentes da influência espanhola através de uma de suas vertentes dominantes: o Culteranismo.”

Rogerio Bandeira
Enviado por Rogerio Bandeira em 10/09/2009
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