UM HÍFEN NO MEIO DO CAMINHO

Faz alguns meses já que foi colocado em prática o novo acordo ortográfico. O Brasil teve pressa em se apoderar dele. Parece que em Portugal e outros países não há muito entusiasmo em adotá-lo. Até agora, o único beneficio que notei foi a supressão do penduricalho chamado trema. Outros tiveram mais sorte, os que faturaram com livretos relacionando as mudanças, a fim de minorar a insegurança dos que redigem. Mesmo assim ficaram inúmeras dúvidas que até os luminares que regulamentaram a mudança não conseguem muito bem explicar.

A pedra no meio do caminho denomina-se hífen. Esqueça tudo o que sabia sobre ele e procure absorver a nova barafunda, digo, sistemática. As locuções com valor de substantivo (o dia a dia, o não recebimento, etc.) eram hifenizadas. Agora, algumas o são, outras não. Quando as palavras compõem um conjunto com significado diferente do usual deviam ser hifenizadas. Por que pé-de-meia leva hífen e pé de moleque não? Pão-de-leite é mais saboroso do que pão de ló? Por que água-de-colônia sim e água de cheiro não?

Parece que o acordo foi regulamentado por um critério biológico: somente nomes de animais e vegetais têm hifenização garantida. Cor-de-rosa é um vegetal? (por que continua hifenizado?) E “cor de burro quando foge”? E “pé de cana”? Mula sem cabeça é animal? E vaquinha de presépio? Cão-de-guarda é mais eficiente em sua atividade do que “leão de chácara”?

O hífen é suprimido nas palavras em que se perdeu a “noção de composição” (paraquedas, pontapé). Paraquedas – pode! E para-lama, para-choque e outros paras não estariam no mesmo caso?

Hoje, o sujeito nem sabe mais se “dona de casa” se refere à digníssima patroa ou à proprietária de seu imóvel.

Os pais do acordo nem se vexaram em transformar palavras em ridículos mostrengos: corréu (antigamente co-réu), cotutela (co-tutela), cocontrato (co-contrato), ab-rupto (abrupto), que nos deixam ab-ruptamente estupefatos. Nesta onda, dois turnos de serviço numa fábrica podem ser grafados coturnos? Isso pode ser confuso para os sapateiros. E um estrume de vaca ao lado de outro poderia ser grafado cococô?

Tenho uma curiosidade: depois deste acordo que “uniformizou” nossa língua, se algum país adotar o ensino do português nas escolas, qual será o vocabulário utilizado: meias ou peúgas? Fila ou bicha? Peruca ou capachinho? Garotos ou putos? Trem ou comboio? Camisinha ou durex? Enfim, escreva-se com um barulho desses.

Hilton Gorresen
Enviado por Hilton Gorresen em 09/07/2009
Código do texto: T1690818
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