De repente, professor

Eu professor.

Sou mesmo saudosista, eu assumo. De quando em vez me pego nadando nas caudalosas águas de minha infância e ouço os gritos das crianças, o barulho das águas, sinto o frescor da água do córrego, o sabor do cacau. Que delícia!

Lembro-me também das peripécias que vivi na sala de aula. Cara, como sofri. Mas nem tudo foi espinho. No entanto, os espinhos me trazem a estas linhas. Os pronomes foram desses espinhos cruéis que me feriram profundamente. As cicatrizes ainda perduram.

Eu nunca sabia quando, como, e o pior: por que usá-los. Era péssimo em português, nas outras disciplinas também. Mas numa dessas ironias do destino tornei-me professor de língua portuguesa. E me propus desenvolver minha prática de maneira a tornar o ensino do português menos odioso e mais agradável.

Por muitas vezes perdi o sono e a unidade por conta do lhe, do mim e do me, do ti e do te, entre outros. Puxa, como eram amargas as aulas de português. O mais triste foi perceber que tudo poderia ter sido bem mais significativo e proveitoso, gostoso até. Pois descobri que poderia aprender lendo, escrevendo, criando, comparando, pesquisando, refletindo, questionando. Isso foi incrível! Se eu consegui desvendar alguns daqueles enigmas – pensei – meus alunos também podem.

Comecei a comparar textos com as ocorrências que mais me intrigavam: o lhe, principalmente. Notei que toda vez que aparecia o pronome lhe o escritor fazia referência a uma terceira pessoa. Como se pode perceber nos exemplos a seguir:

1."João entregou os livros para o Pedro" ou "João entregou os livros para ele."

2."Cantaram uma canção para Carla" ou "Cantaram uma canção para ela."

3."Ele contou as coisas a Joana" ou "Ele Contou as coisas para ela."

Perceba que as orações sugerem sempre uma terceira pessoa (ele ou ela): João entregou os livros para "ele", por exemplo, onde o pronome pessoal ele substitui o substantivo masculino Pedro. Note que a frase fora escrita na norma coloquial, ou seja, na maneira popular. Se quiséssemos colocá-la na norma culta, na maneira mais formal, teríamos que substituir o substantivo Pedro pelo pronome LHE. Aí a oração ficaria mais ou menos assim: João entregou-lhe os livros. Veja as demais; Cantaram-lhe uma canção; Ele contou-lhe as coisas. O texto fica mais sucinto e requintado. Hoje, não uso mais o lhe quando me refiro à pessoa com quem estou falando (2ª pessoa), mas para indicar sobre quem estou falando (3ª pessoa). Fácil, não é!?

E quanto ao mim e ao me? Moleza! Vamos decifrar mais esse enigma. Será sinistro! Vai ser irado desvendar os segredos da gramática. Use sempre o método da comparação, deu certo comigo. Deixe-me tentar ilustrar. Observe as frases abaixo:

1.João entregou-me os livros.

2.João entregou os livros para mim.

3.Saiu sem mim.

4."Alguém me disse que tu andas novamente de novo amor, nova paixão, toda contente."

Primeiro ponto: Observei que "mim" jamais fora usado antes de um verbo; sempre aparece após preposição, como nos exemplos 2 e 3, que o mim vem após as palavras para e sem, respectivamente. Ao passo que "me" vem sempre acompanhando o verbo. Antes (anteposto) ou depois (posposto) do verbo, como nos exemplos 1 e 4, que o me aparece posposto (depois) ao verbo na 1ª frase e anteposto (antes) ao verbo na 4ª frase. E nunca, nunquinha; nem que a vaca tussa, o me terá que ver com a preposição!

Assim, quando tiver dúvida lembre-se: após preposição use sempre MIM. Leia mais alguns exemplos: 1. Afaste-se de mim; 2.Não há nada entre mim e ti. 3.Desejo que te vá bem sem mim.4. As meninas jogaram água em mim.

É importante notar que língua portuguesa é uma ciência como qualquer outra. Isso implica dizer que os mesmos critérios poderão ser aplicados para todas as ocorrências envolvendo palavras da mesma classe gramatical. Neste caso específico, os pronomes oblíquos tônicos. Quero dizer que você pode usar nosso esqueminha aqui para qualquer parada com mim, ti, si, pois todos são pronomes oblíquos tônicos. Por isso, deverão vir sempre após uma preposição. As principais preposições são: entre, com, para, em, sem, ante, contra, a, de.

Para dissipar com todas e quaisquer dúvidas que possam teimar, entenda que tanto me quanto mim são pronomes oblíquos. Sendo que me é pronome oblíquo átono, bem como te e se, e por isso relaciona-se com o verbo; enquanto que mim, assim como ti e si, é pronome oblíquo tônico e relaciona-se sempre com a preposição (exemplos acima).

Trocando em miúdos. Você só usará os pronomes oblíquos átonos "se, te e me" antes ou depois do verbo. Exemplos: 1. Disseram-me que viriam; 2. Alguém me jogou água; 3. Falaram-me que viriam; 4. Ela se feriu, feriu-me e te feriu também; 5. Apressa-te, ou vais perder a condução. 6. Eu te amo.

Quando for usar pronomes oblíquos tônicos – mim, si e ti – você deve observar se há ou não preposição, como nas orações a seguir: 1. Não apresentaram nada contra ti; 2. As atenções se voltaram para ti. 3. Atraiu as atenções para si. 4. Vamos, joguem a bola para mim.

Pronto, eis o que pude facilitar, espero que tenha conseguido ajudar. Seria terrível descobrir que confundi mais ainda a cabeça de alguém. Uma vez que minha intenção era transmitir a você, leitor amigo, a gostosa sensação de nadar no Rio Pardo, passear de canoa, sentir a brisa da tarde, correr nas areias mornas, beber mel de cacau ainda no pé do cacaueiro, chupar laranja tirada no pé, correr nas matas, brincar com os bichos, ouvir os pássaros, cantar. Descobrir mistérios, encantar-se. E que bom se a escola proporcionasse aprendizagem assim, tão gostosa como um devaneio de menino. Menino pobre e sonhador.

Não falei? Sou mesmo saudosista.

Até mais e boas letras. Aceito sugestões para o próximo texto. Comente o que achou. É muito importante.

Jackson Cruz Jack30cruz@yahoo.com.br

jackson cruz
Enviado por jackson cruz em 28/05/2009
Código do texto: T1619650