Uma Visão do Preconceito Linguístico
UMA VISÃO DO PRECONCEITO LINGÜÍSTICO
Uma introdução a este tema é o que faz o pesquisador Marcos Bagno, no livro Preconceito Lingüístico. Para entender o que significa cada uma dessas palavras, ou o conjunto delas, é preciso conhecê-las. Daí, a segunda afirmação de Bagno: O que é, como se faz. O livro, é dividido em três partes: a mitologia do preconceito lingüístico, o círculo vicioso do preconceito e a sua desconstrução.
Desta forma, o autor fornece a base para o entendimento do que acontece com o povo brasileiro quando se fala em domínio da norma padrão da língua portuguesa e sua relação com a autonomia política e econômica da nação, da sociedade brasileira como um todo.
Bagno (2004, p. 9) inicia seu estudo dizendo que "tratar da língua é tratar de um tema político". E explica: “Só existe língua se houver seres humanos que a falem”.
Partindo do princípio de que a língua é viva, o autor conclui que tudo aquilo que se contrapõe a esta condição está morto. Por isso, a gramática e os gramáticos tradicionais são considerados por ele como "uma grande poça de água parada, um charco, um brejo, um igapó, à margem da língua" Bagno (2004, p.10). A língua é como um rio que se renova, enquanto a água do igapó, a gramática normativa, envelhece, não gera vida nova a não ser que venham as inundações. Com estas imagens, o autor constrói a diferença entre a dinâmica da língua/rio e o apego às normas/igapó da língua padrão, que são guardadas, preservadas, e divulgadas de maneira conservadora, preconceituosa e prejudicial à vida social.
Para superar os preconceitos lingüísticos, o autor começa por lembrar, catalogar e dissecar alguns mitos consagrados, a saber: A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente; Brasileiro não sabe português, só em Portugal se fala bem; Português é muito difícil; As pessoas sem instrução falam tudo errado; O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão; O certo é falar assim porque se escreve assim; É preciso saber gramática para falar e escrever bem e, por fim, O domínio da norma padrão é um instrumento de ascensão social.
Sustentar esses mitos, segundo Bagno, é sustentar todos os tipos de preconceito lingüístico de que se tem noticia, nocivos à auto-estima do povo; carregados de ideologia colonialista e imperialista, desrespeitoso e tudo o mais de ruim que uma pessoa dita "culta" possa fazer uso para dominar, humilhar, a outra.
Outro ponto importante que influenciou o PL nas escolas foi a migração[1] de grandes populações rurais às cidades. Segundo Ataliba (2000, p. 10 ) em 1970 cerca de 80% da população brasileira era considerada urbana, cifra que certamente se acentuou na década atual. Com isso, houve uma demanda muito grande de alunos ao ensino fundamental e médio, acarretando um problema, os materiais didáticos não eram preparados para esses alunos vindos da zona rural, esses materiais eram elaborados a alunos da classe média urbana.
“De toda forma, é um fato inelutável que a incorporação de contigentes rurais alterou o perfil sócio-cultural do alunado do ensino fundamental e médio. Nossas escolas deixaram de abrigar exclusivamente os alunos da classe média urbana – para os quais sempre foram preparados os materiais didáticos – e passaram a incorporar filhos de pais iletrados, mal chegados às cidades e a elas mal adaptados.” Ataliba (2000, p.10)
O autor pergunta até que ponto a língua não-culta penetrou na língua urbana, com certeza essa miscigenação teve influência na língua padrão, mas não dá o direito de se expressar com totalitarismo o PL as diversas classes que usam a língua não-padrão.
Ataliba (2000, p. 10) chama essa miscigenação de crise social, pois houve mudanças da sociedade brasileira. Essa é mais uma prova de que a língua está a pleno vapor, ou seja, em transformações. A língua acompanha as mudanças, seja ela no campo econômico, político ou social.
Outra crise que ajudou o crescimento do PL nas escolas segundo Ataliba (2000), foi a formação de professores de língua portuguesa. Esses professores receberam formação conservadora, suas metodologias eram centralizadas apenas nas gramáticas, os materiais didáticos eram repetitivos, e com isso, descartou-se outras formas de ensino.
“Os materiais didáticos disponíveis são repetitivos, e pressupõem uma homogeneidade entre os alunos que não existe mais. A tarefa da atual geração de educadores é muito pesada: reciclar-se, reagir contra o círculo de incompetência e de acriticismo que se fechou à volta do ensino brasileiro, e lutar pela valorização da carreira.” Ataliba (2000, p. 13)
O autor também acrescenta a escola como parte dessa crise, hoje não se acredita mais que a função da escola, em se tratando do ensino de língua portuguesa, deva concentrar-se apenas no ensino da língua escrita, pois os Parâmetros Curriculares Nacionais(PCN)2 orientam que deve-se trabalhar não só a língua escrita, mas também a língua falada, ou seja, as variações dessa língua.
“A variação é constituída das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades”.[2]
Quando se fala em PL e menciona as causas que o propaga, não poderia deixar de mencionar o papel da escola quanto ao ensino da língua padrão. O objetivo da escola é ensinar o português padrão ou de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco, pois o ensino da língua padrão tem a ver em grande parte com os valores sociais, os quais são dominantes. O ensino da língua padrão se põe quando se trata a quem não o fala usualmente, particularmente a alunos das classes populares. Nesta questão surge o preconceito de que ensinar o português padrão como obrigatório para grupos sociais menos favorecidos, como se fosse o único dialeto válido, seria uma violência cultural, pois juntamente com as formas lingüísticas (com a sintaxe, a morfologia, a pronúncia, a escrita), também seriam impostos valores culturais ligados às formas ditas cultas de falar e escrever, levando assim a destruir ou diminuir valores populares.
Bagno(2004, p. 18) reforça que a escola e todas as demais instituições de ensino, abandonem o mito da “unidade” do português no Brasil, passando a reconhecer a verdadeira diversidade lingüística de nosso país.
“O reconhecimento da existência de muitas normas lingüísticas diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja conseqüente com o fato comprovado de que a norma lingüística ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira “língua estrangeira” para o aluno que chega à escola proveniente de ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano é uma variedade de português não-padrão.” Bagno (2004, p.18-9)
O problema é propagar dentro da sala de aula, que a língua portuguesa não tem uma única “unidade”, ela muda de acordo com os espaços geográficos do país e também de acordo com os espaços sociais. Outro ponto importante para reverter esse quadro, independentemente de convencer os alunos da existência da variedade lingüística, seria uma proposta de mudança, ou melhor, uma reformulação da gramática tradicional para uma nova gramática do português. Nessa nova proposta, acrescentaria a norma não-culta, ela seria um complemento ao estudo da norma padrão. Segundo Perini (2001, p. 6) as falhas da gramática tradicional são, em geral, resumidas em três grandes pontos: falta de coerência interna, seu caráter normativo e o enfoque centrado em uma variedade da língua, o dialeto padrão, e todas as outras variantes da língua oral são excluídas.
A gramática tradicional não dá ênfase aos valores regionais, sociais e situacionais, pois são variantes principais da língua não-padrão.
“...A gramática deverá descrever pelo menos as principais variantes (regionais, sociais e situacionais) do português brasileiro, abandonando a ficção, cara a alguns, de que o português do Brasil é uma entidade simples e homogênea.” Perini (2001, p. 6)
Perini (2001, p. 21) também defende que a boa gramática do português deverá desempenhar duas funções: (a) descrever as formas da língua (fonologia, morfologia e sintaxe) e (b) explicar o relacionamento dessas formas com o significado que veiculam.
A proposta é transformar a gramática tradicional de autoritária, para uma gramática livre de preconceitos, e de contradições.
“... A gramática deverá ser sistemática, teoricamente consistente e livre de contradições.” Perini (2001, p. 6)
Para Perini (2001, p. 5) os professores sentem que a doutrina gramatical é ultrapassada, incoerente e muitas vezes simplista até a ingenuidade, os alunos tendem a desencantar-se de uma disciplina que só tem a oferecer-lhe conjuntos de afirmações gratuitas. Para entendermos melhor esse raciocínio, basta vermos as aulas de gramática aplicada em nossas escolas, os professores são verdadeiros ditadores de regras, para eles os alunos jamais deverão sair dos caminhos compostos pelas regras gramaticais, se isso acontecer os docentes são discriminados com as mais altas palavras. Com isso, surge o medo de estudar a sua própria língua, levando-os ao alivio da língua não-culta, já que caminha sem regras pré-estabelecidas e por estar em pleno movimento social, cultural e situacional, como já citado.
Os novos professores deverão ser os principais propagadores dessa mudança, lembrando aos alunos que a língua não é homogênea, e sim composta de inúmeras diversidades. Também deverão demonstrar que são opositores às ações autoritárias, buscando saídas para um novo ensino da língua portuguesa.
1 Como bem assinala Bortoni-Ricardo(1985), o atual processo de urbanização por que passa o país é um fenômeno tardio, se comparado com o que ocorreu na Europa. Naquele continente a urbanização ocorreu entre os séculos XVI e XVIII. Os europeus buscaram as soluções pedagógicas para os problemas suscitados pelas migrações para as cidades, um fenômeno que somente agora afeta o Brasil. Apenas por isto já se pode concluir como é ilusório buscar nos sistemas europeus as soluções para os nossos problemas.
[2] Parâmetros curriculares nacionais, Língua Portuguesa, 5ª a 8ª séries, p. 29.
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